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Plantão médico
AUTOR DE "O MONSTRO BATE À NOSSA PORTA - A AMEAÇA GLOBAL DA GRIPE AVIÁRIA", MIKE DAVIS DEFENDE QUE MONOPÓLIO DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA CONTRIBUI PARA O AVANÇO DAS DOENÇAS EPIDÊMICAS
EUCLIDES SANTOS MENDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Para o professor de
história na Universidade da Califórnia
Mike Davis, autor de
"O Monstro Bate à
Nossa Porta - A Ameaça Global
da Gripe Aviária" (ed. Record,
trad. Ryta Vinagre, 256 págs.,
R$ 39), o vírus causador da gripe suína não é "um ato anônimo da natureza".
Em entrevista à Folha, de
Tijuana, no México, Davis argumenta que o risco de pandemia aumenta com a deterioração dos serviços de saúde pública, o agrocapitalismo e os
mecanismos de controle da indústria farmacêutica mundial.
"À maioria da humanidade
falta o acesso aos fármacos antigripais", complementa.
No que se refere ao combate
à gripe suína no México, Davis
critica os países ricos, que, segundo ele, "têm fracassado totalmente em transferir biotecnologia avançada às linhas de
frente da doença".
Para driblar os riscos causados pelo avanço de epidemias,
ele defende, na entrevista abaixo, que o acesso aos remédios
se torne um direito humano
em escala global.
FOLHA - A gripe suína pode ser considerada uma tragédia sanitária e
também ambiental?
MIKE DAVIS - Como o epicentro
do ataque [do vírus] se localiza
em uma vila pobre perto de
uma grande propriedade norte-americana de criação de
porcos no Estado de Veracruz
[no México], torna-se óbvio
que isso [a gripe suína] é mais
como Bhopal [cidade indiana
onde, em 1984, vazamento de
gases letais da fábrica de agrotóxicos Union Carbide matou
milhares de pessoas] do que algum ato anônimo da natureza.
FOLHA - Os EUA, que são um dos
países mais afetados pela gripe suína, estão preparados para situações
desse tipo?
DAVIS - Antes de mais nada, à
maioria da humanidade falta o
acesso aos fármacos antigripais. Muitas nações da OCDE
[Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico] estão construindo linhas
"maginot" [de defesa] bacteriológicas -fortalezas biológicas-
, mais do que construindo capacidade de resposta ao redor do
mundo.
A maioria das linhas de produção de antivirais e de vacinas
no mundo está concentrada na
Europa Ocidental.
Seis anos atrás, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
recusou pedidos da Índia (e
possivelmente do Brasil) para
permitir a fabricação de genéricos do Tamiflu [medicamento
usado contra a gripe suína].
O monopólio sobre patentes
de drogas [farmacêuticas] -assim como o interesse lento em
desenvolver antivirais, vírus e
antibióticos novos- é uma
enorme barreira na luta contra
doenças emergentes.
Os remédios de salvamento
devem ser um direito humano
global: a OMS precisa se comprometer com o desenvolvimento de vacinas no mundo.
Simultaneamente, os países
mais ricos têm fracassado totalmente em transferir biotecnologia avançada às linhas de
frente da doença.
A Cidade do México tem uma
população de 22 milhões de
pessoas e médicos famosos
mundialmente. Contudo a análise do vírus dos suínos teve que
ser executada em Winnipeg, no
Canadá, que tem menos de 3%
da população do DF [Distrito
Federal, onde está localizada a
capital mexicana].
Nos EUA, enquanto isso, há
uma desigualdade tremenda
numa situação de pandemia.
As imensas reduções na capacidade de atendimento da
saúde pública afetam os mais
pobres, e as áreas do centro das
cidades são mal equipadas para
tratar qualquer tipo de demanda de cuidado intensivo.
Nova York parece estar bem,
mas os hospitais de Los Angeles foram inundados há dez
anos por uma versão mais severa da gripe sazonal que ocorre
normalmente.
FOLHA - O senhor concorda com as
críticas do filósofo Peter Singer, que
tem atacado a massificação de rebanhos para consumo por levarem os
animais a desenvolver estresse e
doenças?
DAVIS - A revolução da indústria de rebanhos ocorrida nos
últimos 20 anos tem sido um
desastre planetário: desloca
milhões de pequenos agricultores e rancheiros, enquanto acelera a evolução de novos e mais
perigosos elementos causadores de doenças.
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