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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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NELSON PEREIRA DOS SANTOS
RIO 40 GRAUS/1955

O filme foi proibido, pelo chefe da Polícia Federal, com alegações como esta: "É mentiroso desde o título", pois nunca chegara a 40 a temperatura na cidade do Rio

Antes de "Rio 40 Graus" você já vivia de cinema?
Parcialmente. Fui assistente de direção dos filmes "O Saci", de Rodolfo Nanni, "Agulha no Palheiro", de Alex Viany, e "Balança, mas Não Cai", de Paulo Wanderley.

Como nasceu a idéia do filme?
A idéia nasceu durante a filmagem de "Balança, mas Não Cai", que se realizava em estúdio localizado ao lado da favela do Jacarezinho, na época considerada a maior do Rio. Alguns companheiros de trabalho moravam lá em cima, para onde me levavam em deliciosos fins de semana, com direito a feijoada e samba. O paulista que eu era não hesitou em inventar um filme. Escrevi o roteiro sob a influência de "Ulisses", de James Joyce (que acabara de ler em espanhol), "Domingo de Verão", filme de Luciano Emmer, e "Capitães de Areia", de Jorge Amado.

Como o projeto se viabilizou?
O projeto -rejeitado, diga-se de passagem, pelos produtores cariocas que procurei- tornou-se viável graças à participação da equipe e elenco como acionistas do filme e pela venda de ações a amigos e familiares. Tudo isso foi organizado por um grupo de amigos liderados por Cyro Freyre Cury, ex-colega do Colégio Estadual Presidente Roosevelt, todos funcionários do Banco do Brasil.

Foi, segundo consta, o primeiro filme brasileiro feito somente em locações. Quais foram as principais dificuldades para fazê-lo?
As dificuldades foram muitas e nos fizeram (a mim e à equipe técnica, comandada pelo diretor de fotografia Hélio Silva) criar um método de trabalho mais ou menos inspirado na experiência dos mestres do neo-realismo italiano. Trabalhávamos com atores profissionais (a minoria), com não-profissionais bem instruídos (os meninos, por exemplo) e com o povo da rua. O princípio era integrar a equipe, atores e a câmera nas locações, fazendo a ação do filme participar da realidade. Algumas vezes deu certo...

O filme chegou a ser interditado pela censura, não?
A distribuidora Columbia Pictures preparava o lançamento de "Rio 40 Graus" quando veio (em 23 de setembro de 1955) a notícia de sua proibição, feita pelo chefe da Polícia Federal, com alegações como esta: "O filme é mentiroso desde o título", pois nunca chegara a 40 a temperatura na cidade do Rio de Janeiro (o máximo tinha sido 39,6) ou "o filme mostra apenas o lado negativo da cidade". Graças a uma campanha nacional liderada pelo jornalista Pompeu de Souza, diretor do "Diário Carioca", o filme foi liberado no fim do ano e lançado comercialmente em janeiro de 1956.

Como foi a recepção da crítica e do público?
Com raras exceções, o filme foi muito bem recebido pela crítica cinematográfica e mereceu também comentários positivos por parte de intelectuais de outras áreas culturais, motivados naturalmente pelo sentimento de solidariedade a quem sofria a violência política da proibição. Não foi, como era esperado, um grande sucesso de público.

Como você avalia o filme hoje?
Considero "Rio 40 Graus" o filme da juventude e gosto muito dele por isso.

OUTROS FILMES: "Rio Zona Norte" (1957), "Vidas Secas" (1963), "Fome de Amor" (1968), "Como Era Gostoso o Meu Francês (1970), "Tenda dos Milagres" (1976), "Memórias do Cárcere" (1984), "Jubiabá" (1987) e "A Terceira Margem do Rio" (1994).


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