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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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BETO BRANT
OS MATADORES /1997

Arquivo Pessoal
Cena de "Os Matadores", de Beto Brant (1964)


As três meninas que fazem as filhas do matador Alfredão eram filhas de um delegado que a gente conheceu durante a preparação do filme; quando fui à casa dele e vi as filhas, aquilo me causou uma impressão forte

O que você fazia antes de realizar "Os Matadores"?
Depois do segundo curta-metragem que eu fiz, "Dov'è Meneghetti?", me convidaram para dirigir publicidade. Eu vivia disso.

Como foi seu contato com o escritor Marçal Aquino, autor da história?
Eu tinha procurado o Marçal uns anos antes com a idéia de fazer um curta inspirado num conto dele, "Onze Jantares". O curta acabou não saindo, mas ficamos amigos. Depois resolvi fazer um longa baseado em "Os Matadores". Escrevi o roteiro com o Fernando Bonassi e o Victor Navas e ganhamos no final de 94 o Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, do governo federal.

Como foram as filmagens na fronteira com o Paraguai?
Filmamos numa cidadezinha da fronteira, Bela Vista (MS), onde tenho parentes até hoje, o que facilitou uma colaboração por parte da Prefeitura, de permutas de alimentação e hospedagem etc. Era um lugar que eu tinha conhecido na infância, por isso resolvi ambientar lá a história do Marçal. O tema do filme -pistolagem de aluguel- trazia algumas dificuldades, pois ali perto é uma região turística (tem, por exemplo, a badalada Bonito) e muita gente não gostava de ver esse assunto sendo levantado. Ao mesmo tempo, era uma coisa tão comum na região que a maioria das pessoas tratava dele com informalidade, sem cerimônia.

E do lado paraguaio, houve problemas?
Não, pelo contrário. Os paraguaios foram muito solícitos com a gente. Para eles, era uma novidade tão grande ter ali uma equipe de filmagem que a gente era como se fosse um circo. Aliás, na cidadezinha paraguaia de Bella Vista (vizinha da brasileira Bela Vista), onde está a boate que aparece no filme, chegou um circo enquanto a gente estava lá. Um dos atores do circo é o cara que desce do ônibus e que o Chico Diaz persegue, numa cena muito marcante. Fui ao circo numa folga das filmagens e achei maravilhoso. Era um circo iluminado por uma lâmpada no teto. O cara pegava o microfone, ia para a coxia, trocava de roupa enquanto um garoto segurava o microfone para ele e aparecia fazendo outro número.

Você incorporou muita coisa do ambiente ao filme, não?
Ah, sim. Aquela cena em que a câmera na mão acompanha o Murilo Benício passeando a pé por uma cidadezinha paraguaia foi rodada em Concepción, a 300 km da fronteira. A gente andou sete horas numa estrada de terra. Chegamos lá com uma câmera, todo mundo olhava para ela. E eu incorporei isso, esses olhares, como o ponto de vista do personagem. Porque o Murilo também era uma figura estranha ali e suscitava olhares curiosos. Foi uma figuração espontânea. Outro exemplo: as três meninas que fazem as filhas do matador Alfredão eram na verdade filhas de um delegado que a gente conheceu durante a preparação do filme. Quando fui à casa dele e vi as filhas, aquilo me causou uma impressão forte: aquelas três meninas convivendo com o destino de um homem cercado pela violência, por ameaças. No filme, a situação é parecida.

Vocês tiveram contato com matadores profissionais?
Teve um sujeito que conversou com os atores, para eles perceberem a psicologia do cara. Uma coisa que achei curiosa é que, de frente, ele tinha uma expressão muito amigável, confiável, e de perfil tinha uma atitude agressiva, cruel. Os atores conversaram com gente de todo tipo. Mas o que mais me impressionou, em termos de preparação de ator, foi o Stênio Garcia. Para fazer a cena de um cara moribundo, ensanguentado, num barraco depois de tomar uma surra gigantesca, ele ficou em volta da casa se sujando, depois ficou deitado um tempão, sozinho. É difícil expressar isso em palavras, mas foi muito impressionante o nível de concentração do cara, de mergulho dentro da situação. Um sujeito da categoria dele, indo tão fundo numa participação aparentemente tão pequena.

OUTROS FILMES: "Ação entre Amigos" (1998) e "O Invasor" (2002).


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