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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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EDUARDO COUTINHO
O HOMEM QUE COMPROU O MUNDO /1968

Só descobri que meu negócio era documentário quando tinha mais de 40 anos; o próprio projeto original do "Cabra" era de ficção

Qual era sua situação em 1968?
Eu vivia uma situação complicada desde que aquele que deveria ser o meu primeiro longa, "Cabra Marcado para Morrer", que seria o segundo filme produzido pelo CPC da UNE, foi interrompido pelo golpe militar. O material foi apreendido, três atores camponeses foram presos, eu mesmo fiquei detido uma noite em Recife. Voltei ao Rio e passei a trabalhar no que pintasse. Fiz o roteiro de "A Falecida" e "Garota de Ipanema" com o Leon Hirszman. Em 1966, dirigi um episódio ("O Pacto") da co-produção internacional "ABC do Amor". Fui assistente de produção de um curta do Arnaldo Jabor sobre o Festival de Cinema do Rio, um trabalho que ele me deu porque eu estava fodido. Na verdade eu nunca soube fazer produção.

"O Homem Que Comprou o Mundo" não era um projeto seu. Como foi essa história?
O Zelito Vianna, que havia produzido filmes do Glauber, tinha um argumento a ser dirigido pelo Luís Carlos Maciel. Eles se desentenderam por causa de uma atriz e o Zelito me convidou para fazer. Tive uma certa liberdade, mexi no roteiro com o Armando Costa, mas o argumento básico foi mantido. Era uma comédia co-produzida pela Columbia.

Como foram as filmagens?
Tudo começou dando errado. Uma das razões do projeto era que o Chico Anysio (irmão do Zelito Vianna) ia fazer sete papéis. O roteiro foi feito pensando nisso. No primeiro dia de filmagem, no Gabinete Português de Leitura, o Chico Anysio apareceu, maquiado por um bom maquiador, mas que não tinha os elementos importados que diferenciassem bem os personagens. Ele fazia um velho de 200 anos que morava na biblioteca e a maquiagem era tão ridícula que ele parecia um palhaço de circo. Aí o Chico Anysio saiu do filme e eu tive que achar sete atores para fazer os sete papéis. Ou seja, o filme, que nem era tão barato assim, já começou com uma tragédia. No fim, o papel do velho ficou com o tio da Marília Pêra, o Abel Pêra. O Hugo Carvana ficou com dois papéis: o carcereiro e o chefe da organização internacional. O elenco tinha ainda a própria Marília, Jardel Filho, Flávio Migliaccio, Claudio Marzo...

Onde o filme foi rodado?
Ah, foi feito em mil locações no Rio. Nos lugares mais estranhos, em prédios que já sumiram, como a antiga fábrica Elixir da Glória, que tinha estátuas espantosas na frente. No filme, era a sede de uma associação secreta. Havia também uma enorme caixa d'água que fez as vezes de uma prisão com uma piscina dentro. O Mário Carneiro era o cenógrafo. Não podia caracterizar o país como o Brasil. Tinha que ser um país subdesenvolvido que no filme era chamado de País Reserva nš 17. A censura até cortou uma cena em que aparecia um mapa do Brasil. Era uma alegoria política, mas em termos de comédia.

Como o filme foi recebido na época?
Mediocremente, tanto pela crítica como pelo público. Não foi nem malhado nem elogiado. Não tenho nenhum motivo para tirar alegrias do filme. Só serviu para me mostrar que o cinema industrial não era comigo, o que aliás se confirmou no meu segundo longa, "Faustão" (1971), em que no primeiro dia de filmagem a equipe entrou em greve contra a produtora, a Saga Filmes.

Como você avalia o filme hoje?
Não me arrependo de tê-lo feito, mas não era o meu caminho. Só descobri que meu negócio era documentário quando tinha mais de 40 anos. O próprio projeto original do "Cabra" era de ficção, embora com base documental e com não-atores. O documentário mesmo, tão precário como o documentário deve ser, foi uma experiência que só tive muitos anos depois. O primeiro que eu fiz foi no "Globo Repórter" em 76. Meu trabalho no "Globo Repórter", inconscientemente, era uma preparação para fazer o "Cabra Marcado para Morrer", dessa vez como documentário.

OUTROS FILMES: "Fio da Memória" (1991), "Santo Forte" (1999), "Babilônia 2000" (2001) e "Edifício Master" (2002).


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