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Revolução silenciosa
Combinando ajuda econômica e política autoritária, China se torna novo modelo para países em desenvol-vimento na Ásia e África
e ameaça expansão da democracia ocidental
O "soft power" chinês prega uma escalada silenciosa
do país em direção a uma maior presença global, mas
sem confrontar os EUA
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Joen Chan - 16.jul.08/Reuters
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Atores ensaiam para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, em Pequim
MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS!
A China não quer assombrar o mundo
apenas com seu
crescimento econômico exorbitante
ou com um número inédito de
medalhas, que pode fazê-la
derrotar os EUA nos Jogos
Olímpicos que têm início nesta
sexta-feira.
Ela quer mais: quer dominar
as mentes e formar a opinião
de boa parte das pessoas. Sua
principal arma é uma intelligentsia cultivada nas melhores
universidades do Ocidente e
que agora desenvolve novas estratégias políticas e econômicas nas centenas de centros de
pesquisa espalhados pelo leste
do país, de Pequim a Xangai.
No cerne desse "projeto de
dominação" reside o conceito
de "mundo muralhado", que
combina ajuda econômica a
países em desenvolvimento
-baseado em um capitalismo
de Estado- com um regime de
partido único.
A conseqüência mais temível
disso é que a China está se impondo às populações de Burma, Zimbábue, Sudão, Argélia,
Angola etc. como um modelo
econômico e político a ser louvado e seguido.
Essa tese desconcertante,
que bate de frente com as hipóteses de que a China adotaria a
democracia liberal à medida
que crescesse economicamente, é tratada no livro "What
Does China Think?" ["O Que
Pensa a China?", ed. Fourth
Estate, 224 págs., 8,99, R$
28], que tem sido destaque em
publicações prestigiosas como
as inglesas "Prospect" e "Financial Times".
Escrita por Mark Leonard,
diretor-executivo do Conselho
Europeu de Relações Exteriores -um "think tank" com sede
em Londres e bancado pelo
megainvestidor George Soros-, a obra reúne sua experiência em visitas ao país como
professor convidado da Academia Chinesa de Ciências Sociais (leia texto ao lado).
Localizada em Pequim, a ACCS sozinha concentra 50
centros de produção acadêmica, com 4.000 pesquisadores
trabalhando em tempo integral
em cerca de 260 disciplinas.
Em instituições como essas
foi formulado o que Leonard
chama de "soft power" [poder
suave] -uma escalada silenciosa do país em direção a uma
maior presença global, mas cuidando para não confrontar a
única superpotência que restou da Guerra Fria.
Polarização ideológica
Assim, abdica de investir maciçamente em suas Forças Armadas -como fizeram os
EUA- e constrói a imagem de
país amistoso e interessado na
paz mundial. E, paralelamente,
usando toda a força de seu PIB,
constrói relações diplomáticas
e econômicas privilegiadas
com regimes autoritários.
Esse imperialismo "suave"
que a China pratica nas relações externas decorre diretamente do embate de duas linhas ideológicas cada vez mais
presentes no debate interno do
Partido Comunista -as quais
Leonard chama de Nova Direita e Nova Esquerda.
Para ele, essa divisão reproduz fielmente no campo intelectual a polarização econômica entre as Províncias interiores do oeste -empobrecidas-
e as Províncias costeiras do leste -consideradas as vitrinas do
capitalismo chinês.
A primeira linha defende a
radicalização dos experimentos neoliberais dos últimos 30
anos, como aumento da participação de capital privado nas estatais e desapropriação de vastas áreas particulares para instalação de plantas industriais.
Seus principais nomes, os
"neocons" Zhang Weiying ou
Yan Xuetong (leia entrevista
nesta pág.), temem tanto o fantasma da Revolução Cultural
de Mao Tsé-tung quanto o caos
que se instalou na União Soviética após a abertura realizada
por Mikhail Gorbatchov nos
anos 1980.
Clamam também por uma
maior militarização do país, de
modo a evitar um aumento da
tendência separatista de Taiwan. As cidades de Xangai e, sobretudo, Shenzen -uma vila de
pescadores que se tornou em
poucas décadas umas das metrópoles do país (veja mapa na
pág. 6)- despontam como símbolos da Nova Direita.
A segunda vertente ideológica, formada por nomes como
Cui Zhiyuan e Wang Shaoguang, é mais crítica das desigualdades sociais e da devastação ambiental provocadas pelo
crescimento desenfreado.
Novo modelo
Os experimentos "democráticos" propostos pelos membros da Nova Esquerda -chamados de "ditadura deliberativa"- se baseiam em consultas
públicas sobre a eleição de delegados para o PC ou ainda a
destinação de verbas municipais. Suas cidades laboratórios,
como Pingchang e Chongqing,
estão esvaziadas de capital e
população devido à atraente
exuberância do leste do país.
Se a primeira linha foi absolutamente hegemônica durante as gestões de Deng Xiaoping
(artífice da reforma econômica
a partir de 1978) e Jiang Zemin
(1993-2003) -quando a China
se tornou a potência que é hoje-, a Nova Esquerda obtém
cada vez mais espaço dentro do
governo do presidente Hu Jintao e do premiê Wen Jiabao.
Contrastes sociais gritantes,
devastação ambiental e pressão
da opinião pública internacional têm levado o governo, influenciado pelas estrelas da
Nova Esquerda, a considerar
alterações moderadas.
De qualquer modo, é essa rica e multifacetada estatura intelectual da China de hoje que
lhe permite conceber a ambiciosa estratégia do "soft power". Como lembra Mark Leonard, é inevitável a expansão do
grande Império do Centro em
direção às fontes energéticas e
alimentares de África e Ásia.
E, pela primeira vez desde o
fim da Segunda Guerra, haverá
um modelo alternativo aos da
Europa e dos EUA -e, provavelmente, não nos padrões daquilo que o Ocidente costuma
entender por democracia.
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