São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2006

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Estética em obras

"Arquitetura e Filosofia" tenta responder à pergunta "por que um edifício é belo?" debruçando-se sobre 2.500 anos de história

LUIZ RECAMÁN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A rquitetura e filosofia têm se aproximado demasiadamente nos últimos tempos. E por maus motivos. Arquitetos simulam filósofos e filósofos simulam arquitetos. E ambos ajudam a simular arquitetura, evidenciando a crise disciplinar que mistura legalidades e éticas distintas na origem.
O livro "Arquitetura e Filosofia" termina seu longo trajeto de mais de 2.500 anos segundos antes dessa recente sobreposição. Antípodas na balança hegeliana do espírito, arquitetura e filosofia têm contada nesse livro de fôlego a história de sua proximidade, a partir de uma pergunta inicial: por que um edifício é belo? Nada mais diametralmente oposto a essa preocupação que o atual estado das coisas, o que confere ao livro um tom ao mesmo tempo de estranhamento e de crítica.
Existem nesse grande volume vários livros e várias utilidades, que procuram organizar o caldeirão de idéias desse "não-filósofo, não-arquiteto".
De Tales de Mileto a Foucault, o autor procura em cada um (são mais de 40 pensadores) um roteiro que permita iluminar a questão proposta. Pode-se facilmente imaginar as teias nas quais se enredam as questões do belo arquitetônico: arte, classes, ideologia, técnica, natureza etc.
A amplitude dos temas, multiplicados pelo número de autores/sistemas, dá bem a idéia das dificuldades encontradas.
Construto histórico
Tal constelação gravita em torno de um ponto fixo: arquitetura (ou melhor, um edifício belo). Essa é uma segunda dificuldade desse desfilar de idéias instigantes: não existe esse ponto inamovível.
Tanto as idéias a respeito como a própria arquitetura são construto histórico. E, mesmo se flanquearmos arquitetura e filosofia, temos nesse recorte clássico uma ruptura que transforma radicalmente o fenômeno arquitetônico: a modernidade e a construção do novo universo tecnológico a partir do século 18.
O advento da estética moderna equaciona a separação sem volta entre arte/arquitetura e natureza. A arquitetura moderna supera o objeto arquitetônico em direção à reorganização formal do sistema produtivo industrial. Com o fim do objeto (pressuposto da modernidade arquitetônica realizado apenas negativamente), não podemos mais desvendar-lhe os atributos sem negar sua razão de ser. Um exemplo: o autor faz uma análise das relações entre arte, cultura e sociedade na obra de Georg Simmel.

Empreitada difícil
O esquema não permite que ele constate a grande influência das análises de Simmel sobre a relação entre metrópole, valor e abstração, infinitamente mais presentes no desenvolvimento do pensamento crítico sobre arquitetura e cidade no século 20 do que qualquer reflexão do autor sobre a forma arquitetônica (Tafuri e Jameson). Essas dificuldades advêm da enormidade da empreitada.
Pois, ao não encontrar a resposta para sua pergunta original -graças ao acertado ponto de vista materialista que procura adotar e que nega continuamente a essencialidade da proposição-, o esforço do autor nos fornece um rol de observações curiosas e percepções sutis do fato arquitetônico. Além de ser um útil manual das reflexões garimpadas sobre arte e arquitetura nos autores escolhidos.


LUIZ RECAMÁN é professor de estética no departamento de arquitetura e urbanismo na USP, em São Carlos (SP), e da Pontifícia Universidade Católica, em Campinas (SP). É co-autor de "Arquitetura Moderna Brasileira". (Phaidon).

ARQUITETURA E FILOSOFIA
Autor: Mauricio Puls
Editora: Annablume (tel. 0/xx/11/ 3031-9727)
Quanto: R$ 68 (596 págs.)


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