São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ponto de Fuga

Revezes e vibrações


"É como se a solução para "como viver junto" fosse "viver sem': sem os "vilões", sem os tiranos. Sem todo mundo que não é "legal", do ponto de vista da curadoria", escreve um leitor


JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Há duas semanas, esta coluna publicou comentários sobre a Bienal de São Paulo. Eles provocaram reações em leitores que, muitos, tocaram em questões cruciais. Todos foram críticos, mostrando-se insatisfeitos com a mostra atual. A impressão de autoritarismo foi reiterada na maioria. Um deles assinala o paternalismo ingênuo.
"A questão é que esta bienal, que se propõe democrática e plural (já que se sustenta no conceito de convivência dos diferentes), me pareceu excludente, maniqueísta, parcial. É como se a solução para "como viver junto" fosse "viver sem': sem os "vilões", sem os tiranos. Sem todo mundo que não é "legal", do ponto de vista da curadoria. Achei uma bienal com discurso ingênuo, romântico, infantil. Parece falar com o público como um pai fala com uma criança de três anos."
O pressuposto dessa passagem é a exclusão: uma bienal não pode expor tudo; ela é obrigada a escolher. Os procedimentos de exclusão são sempre os mais sensíveis. A mostra atual quer condenar a exclusão, mas, por princípio, ela própria é obrigada a excluir. Conforta-se então num discurso monofônico e radicaliza os processos de eliminação, transformando-o em arma tutorial "do bem".
A mão única se afirmou pela eliminação das representações nacionais, que, de um jeito ou de outro, impunham ruídos perturbadores e indesejáveis.
Isso também foi sentido nas mensagens. Uma leitora assinala que os precedentes curadores eram "obrigados a aceitar envios "nacionais", (o que) impelia a "viver junto" e causava a rica bagunça das "analogias de linguagens'". Outro formula, lapidar: "A pretexto de "conscientizar as massas", a curadoria dá um golpe de Estado nas representações nacionais. Nessa, perdem os artistas, o público; enfim, a arte".

Supremo

Os argumentos citados acima conduzem à responsabilidade dos organizadores e, mais ainda, a fenômenos gerais que permitem uma tal situação.
Dois leitores se complementam em suas interrogações e diagnósticos. O primeiro: "Me pergunto por que o curador ganhou tanta força. Será que a mídia precisa personalizar para dar destaque na coluna social? Será que, nesse mundo "pós-", as obras acabaram se tornando apenas ilustrações do discurso do curador? De onde veio isso? O efeito é homogeneizar tudo e, pior, dar uma sensação de déjà vu. (...) Para o burocrata, o curador é a garantia de qualidade. É ele que assegura o respaldo da mídia". O segundo: "Nem sei para quê existe bienal (...) ou todos os eventos de SP marcados pelo gigantismo, pelo marketing e que vêm colados ao marketing social, pelo autoritarismo das idéias prontas e pela pouca reflexão".
O fortalecimento da curadoria, suas relações com os mecanismos da produção cultural evidenciaram-se de fato nesta última bienal. De modo agudo, ela reitera o que vem ocorrendo em tantas e diversas exposições: a arte fica diminuída, neutralizada, abafada, amordaçada por concepções que se servem dela apenas como pretexto.

Morno
Supõe-se que uma bienal deva ser efervescente, criar conflitos, estimular a invenção. Hoje, ao contrário, ela se tornou sisuda, oficial, bem comportada. É, paradoxalmente, acadêmica, já que há um academismo das vanguardas e das idéias críticas. Como escreve, poeticamente, uma última leitora: "Me pergunto onde foi parar a arte, onde estariam os revezes e vibrações da alma que ela consegue provocar...".


jorgecoli@uol.com.br


Texto Anterior: Os Dez +
Próximo Texto: Biblioteca Básica: Danças Dramáticas do Brasil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.