São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2009

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Ponto de fuga

Fotografia, arte


Há duas ou três décadas, os museus passaram a incorporar fotografias. Superfícies vastas tornaram-se um meio de afirmação das fotos, sobretudo no terreno dominado pela pintura

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

No século 19 havia mostras periódicas de arte contemporânea. O modelo era os Salons, de Paris, em que milhares de artistas expunham suas criações em rude concorrência.
Nas salas atapetadas de quadros, os pintores tentavam chamar alguma atenção. Existiam meios diversos para isso: um deles era o escândalo. Outro, era o tamanho. Uma tela de 5 m x 4 m passava menos despercebida que uma paisagem de 20 cm x 30 cm. Os artistas investiam esforço nessas obras de fôlego, correndo certo risco. O quadro enorme podia virar um trambolho: em muitos casos não se tratava de encomenda e se não fosse comprado pelo poder público, não encontrava colecionador.
Mas o tamanho generoso, que exigia uma complexa orquestração de meios visuais, era testemunho de excelência artística. O pintor provava suas qualidades mostrando-se capaz de dominar uma obra muito complexa e exigente. Essa situação própria a um passado já bem distante pode evocar certo caminho que a produção fotográfica tomou hoje. Fotógrafos escolhem o grande formato, por vezes imenso: uma tiragem de Katharina Sieverding pode ter 24 metros quadrados; há ainda maiores e os diaporamas atingem proporções desmedidas.
Esses gigantismos, facilitados por avanços técnicos, têm outra razão para existirem. Há duas ou três décadas, os museus de arte contemporânea passaram a incorporar fotografias, expondo-as não mais em guetos bem separados, mas em concorrência com outras obras de artes plásticas. O recurso às superfícies vastas tornou-se um meio para que a foto se afirme entre as belas-artes, sobretudo no terreno dominado pela pintura.

Pincel
Em 1989, Thomas Struth fotografou o público no Museu do Louvre. As pessoas se espalham diante da Sagração de Napoleão, pintado por David em 1805, enorme tela. Captou também gente aglutinada na frente das Meninas, de Velásquez, no Museu do Prado, em Madri. Suas fotos afirmam ao mesmo tempo consciência e desejo de um elevado estatuto artístico.

Ateliê
Várias fotos de Struth e de Katharina Sieverding estão apresentadas na mostra "Objectivités - la photographie à Düsseldorf" [no Museu de Arte Moderna de Paris]. A cidade alemã é um centro nevrálgico das artes contemporâneas. Ali, o fulcro do ensino fotográfico situou-se na Escola de Belas-Artes, com o casal Bernd e Hilla Becher. Ambos puseram em pauta o princípio de objetividade, para melhor desmontá-lo, criando mundos ao mesmo tempo reais e irreais, lógicos e alucinatórios.
Durante décadas, os Becher fotografaram, em preto e branco, em formato modesto, edifícios utilitários modernos. Silos, caixas d'água, fornos industriais, repetem a mesma frontalidade, sem presença humana, em momentos sem sombra, empregando as mesmas lentes. O construído se tornou, graças a eles, uma transcendência calma e misteriosa da fabricação racional.

Propensão
Os tamanhos gigantes repetem-se, espetaculares, na exposição parisiense sobre a fotografia de Düsseldorf. Cores de impacto, superfícies brilhantes, névoas finíssimas, enquadramentos ponderados, suprema definição técnica: tudo conduz à visão artística no oposto da foto reportagem, do instante decisivo e intuitivo que Cartier-Bresson proclamava.
É como se o controle do fotógrafo sobre o visível lhe desse uma legitimidade autoral maior. Gerhard Richter, pintor abstrato ou minuciosamente figurativo, também fotógrafo, cruza esses campos e, grande criador, legitima a dissolução das fronteiras.

jorgecoli@uol.com.br



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