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Ponto de fuga
Sons e comoções
Os luxos dos tempos ricos da borracha amazônica viraram mitos na memória; imagina-se Caruso nos teatros de ouros e veludos -ele na verdade não cantou por lá, mas vieram belas companhias
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Um livro, publicado em
Belém do Pará, vai buscar, no passado, tesouros muito escondidos. O título
é severo: "Cronologia Lírica de
Belém". O autor, Márcio Páscoa. Foi editado pela Associação Amigos do Theatro da Paz.
Os luxos e requintes dos
tempos ricos da borracha amazônica viraram mitos na memória. Sabe-se dos teatros de
Manaus, de Belém, das grandes
temporadas líricas. Imagina-se
Caruso [1873-1921, tenor italiano] nos teatros de ouros e veludos, com chuvas torrenciais lavando os telhados.
Caruso, na verdade, não cantou por lá. Mas vieram belas
companhias. O livro fala de
muitos cantores desconhecidos, que não passaram à posteridade. Voltam em fotografias
nostálgicas e nas críticas, extraídas dos jornais.
De hábito, em livros sobre a
ópera no passado, as informações do texto e das imagens
formam andaimes para um
edifício que não existe mais: a
voz dos cantores.
Mas o amor pela ópera é tão
forte que faz milagres. Márcio
Páscoa encontrou gravações de
vários artistas que cantaram
em Belém. Compilou dois CDs,
que vêem com o livro.
Fantasmas
Mesmo apaixonados por
ópera furiosos e aguerridos não
identificarão muitos nomes
reunidos no livro de Páscoa. Sinal, por si só, de grande interesse histórico: saber como cantava, não os artistas de exceção,
mas a boa média da época.
Quando o CD começa, porém, há um impacto. A reconstituição sonora é uma proeza.
Sem chiados, sem achatamentos de agudos, pouquíssima distorção. E uma presença! Mais
que um eco do passado: cem
anos depois, os cantores estão
lá, no meio da sala. É arrepiante
e indescritível. O engenheiro de
som se chama Odorico Nina Ribeiro. Um mago.
Depois, que cantores! Entre
todos, uma Tina Poli Randaccio, Gioconda como muito poucas foram; um Gino Martinez
Patti, em "I Pagliacci", Andrea
Chénier, "Fausto"; uma Amalia
Agostoni, Butterfly com timbre
de mel.
Goela
Outro grande livro sobre
ópera, também acompanhado
de dois CDs: "Enrico Caruso na
América do Sul" (Cultura Ed.).
Seu autor é György Miklos
Böhm, professor na Faculdade
de Medicina da USP.
Na juventude foi um concorrente do programa "O Céu É o
Limite", que, nos idos de 1950,
dava prêmios elevados em dinheiro para quem se dispusesse
a responder perguntas sobre
um tema qualquer. Ele respondia sobre Caruso.
Sua escrita é a mais simpática, fluente e despretensiosa.
Disfarça uma fenomenal pesquisa em vários arquivos do
mundo e um conhecimento
sem falhas.
O título é modesto e enganador porque o livro, de fato, vai
muito além. Com familiaridade, mergulha na ópera daqueles
tempos efervescentes. Uma delícia de ler, mesmo para quem
não gosta de ópera.
Ou melhor, na verdade um
ótimo meio de se iniciar nesses
prazeres incomparáveis, porque a análise das interpretações, muito finas, se articula
com os discos: as faixas são demonstrativas, excelentes lições
de como ouvir ópera.
Dito
"A reação das pessoas quando ouvem ópera pela primeira
vez é extrema. Podem amar ou
odiar. Se amam, vão amar para
sempre. Se não amam, podem
aprender a amar, mas a ópera
nunca fará parte de suas almas." Frases muito justas, tiradas do filme "Uma Linda Mulher", de Garry Marshall.
Outra referência, para quem
quiser coisa mais elevada: Stendhal, grande escritor do século
19, gostava muito de mulheres.
Dizia, porém, que nenhuma o
obrigaria a percorrer cem léguas para ir vê-la. Um espetáculo de ópera, sim.
jorgecoli@uol.com.br
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