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O polemista da corte
Morto há 10 anos, Paulo Francis
marcou o jornalismo brasileiro com seu estilo cáustico e provocador
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
Seria um erro procurar
medir a relevância de
Paulo Francis na história da imprensa
brasileira utilizando
como metro as prescrições dos
manuais de redação ou as convenções mais clássicas do jornalismo. Quando morreu, aos
66 anos, no dia 4 de fevereiro
de 1997, ele já era considerado
o mais cáustico polemista do
país e havia se transformado
numa personalidade midiática,
exercitando para milhões, com
seu sarcástico e divertido personagem do "Jornal Nacional",
um pouco da vocação que, na
juventude, o levara a se alistar
no grupo de teatro de Paschoal
Carlos Magno.
Ninguém esperava dele o
texto eqüidistante e exemplar
ou a reportagem premiada,
mas a opinião, a maneira como
utilizaria a sua pesada caixa de
ferramentas para desmontar
este ou aquele imbróglio politico, comentar a atuação de presidentes e candidatos, elogiar
ou demolir escritores, livros,
filmes, óperas ou montagens
teatrais londrinas.
"Francis foi o maior polemista da imprensa brasileira das
últimas décadas do século passado. Era imbatível em pelo
menos três pontos: na versatilidade dos assuntos que abordava, no senso de humor ao escrever e na capacidade de combinar um repertório intelectual
elevado com uma forma de expressão direta e coloquial",
avalia Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha.
"Ele preservava a tradição do
grande jornalismo autoral internacional que um dia se leu
nas páginas do último "The
New York Herald Tribune", na
revista "Esquire", de Harold Hayes, na "New Yorker" ou no londrino "Observer", de David Astor'", diz Matinas Suzuki Jr.,
ex-editor da Ilustrada.
Ironia e preconceito
Leitor voraz, com uma cultura descrita por muitos como
"impressionante", seu leque
era amplo e as suas opiniões,
provocativas, irônicas, agressivas, engraçadas, politicamente
incorretas, não raro preconceituosas -mas nunca indiferentes, mesmo quando previsíveis.
Francis desenvolveu como ninguém uma espécie de relação
sadomasoquista com uma legião de leitores que de antemão
o odiava, "sabia" o que ele diria,
mas não resistia à tentação de
se irritar com as suas certezas
definitivas.
Na realidade, essas certezas
mudaram ao longo do tempo. O
jovem simpatizante de Trótski
tornar-se-ia um contumaz crítico da esquerda, percorrendo o
mesmo caminho de outros intelectuais, quando já se mostravam cada vez mais enfáticos os
sinais de que o totalitarismo e a
ineficiência do mundo socialista não eram apenas um "desvio" da revolução, mas algo intrinsecamente ligado ao projeto comunista.
"O ex-comunista é alguém
que se sente traído, e ele passou
a reagir assim, como se tivesse
sido vítima de uma traição", diz
o jornalista Sérgio Augusto sobre a mudança ideológica daquele sujeito "extremamente
generoso" que o convidou a escrever no "Pasquim".
Foi no ambiente bem-humorado e egocêntrico do semanário carioca que o texto de Francis, inicialmente sisudo e convencional, começou a ganhar
contornos mais descontraídos
e a sua imagem de polemista ferino se difundiu.
Para Caetano Veloso, que
manteve com ele uma relação
ambígua de admiração e ódio (o
que não era incomum), Francis
e o "Pasquim" sofriam de uma
doença arrogante, por ele apelidada de "ipanemia".
Na passagem da década de 70
para a de 80, a "ipanemia" contagiou São Paulo. A cidade
emergia como principal pólo da
redemocratização e da modernização política e cultural do
país. Francis e outros ex-articulistas do "Pasquim", como
Tarso de Castro e o próprio
Sérgio Augusto, haviam passado a escrever na Folha, que
despontava como a mais vigorosa e interessante novidade da
imprensa brasileira.
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