São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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O polemista da corte

Morto há 10 anos, Paulo Francis marcou o jornalismo brasileiro com seu estilo cáustico e provocador

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA

Seria um erro procurar medir a relevância de Paulo Francis na história da imprensa brasileira utilizando como metro as prescrições dos manuais de redação ou as convenções mais clássicas do jornalismo. Quando morreu, aos 66 anos, no dia 4 de fevereiro de 1997, ele já era considerado o mais cáustico polemista do país e havia se transformado numa personalidade midiática, exercitando para milhões, com seu sarcástico e divertido personagem do "Jornal Nacional", um pouco da vocação que, na juventude, o levara a se alistar no grupo de teatro de Paschoal Carlos Magno.
Ninguém esperava dele o texto eqüidistante e exemplar ou a reportagem premiada, mas a opinião, a maneira como utilizaria a sua pesada caixa de ferramentas para desmontar este ou aquele imbróglio politico, comentar a atuação de presidentes e candidatos, elogiar ou demolir escritores, livros, filmes, óperas ou montagens teatrais londrinas.
"Francis foi o maior polemista da imprensa brasileira das últimas décadas do século passado. Era imbatível em pelo menos três pontos: na versatilidade dos assuntos que abordava, no senso de humor ao escrever e na capacidade de combinar um repertório intelectual elevado com uma forma de expressão direta e coloquial", avalia Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha.
"Ele preservava a tradição do grande jornalismo autoral internacional que um dia se leu nas páginas do último "The New York Herald Tribune", na revista "Esquire", de Harold Hayes, na "New Yorker" ou no londrino "Observer", de David Astor'", diz Matinas Suzuki Jr., ex-editor da Ilustrada.

Ironia e preconceito
Leitor voraz, com uma cultura descrita por muitos como "impressionante", seu leque era amplo e as suas opiniões, provocativas, irônicas, agressivas, engraçadas, politicamente incorretas, não raro preconceituosas -mas nunca indiferentes, mesmo quando previsíveis. Francis desenvolveu como ninguém uma espécie de relação sadomasoquista com uma legião de leitores que de antemão o odiava, "sabia" o que ele diria, mas não resistia à tentação de se irritar com as suas certezas definitivas.
Na realidade, essas certezas mudaram ao longo do tempo. O jovem simpatizante de Trótski tornar-se-ia um contumaz crítico da esquerda, percorrendo o mesmo caminho de outros intelectuais, quando já se mostravam cada vez mais enfáticos os sinais de que o totalitarismo e a ineficiência do mundo socialista não eram apenas um "desvio" da revolução, mas algo intrinsecamente ligado ao projeto comunista.
"O ex-comunista é alguém que se sente traído, e ele passou a reagir assim, como se tivesse sido vítima de uma traição", diz o jornalista Sérgio Augusto sobre a mudança ideológica daquele sujeito "extremamente generoso" que o convidou a escrever no "Pasquim".
Foi no ambiente bem-humorado e egocêntrico do semanário carioca que o texto de Francis, inicialmente sisudo e convencional, começou a ganhar contornos mais descontraídos e a sua imagem de polemista ferino se difundiu.
Para Caetano Veloso, que manteve com ele uma relação ambígua de admiração e ódio (o que não era incomum), Francis e o "Pasquim" sofriam de uma doença arrogante, por ele apelidada de "ipanemia".
Na passagem da década de 70 para a de 80, a "ipanemia" contagiou São Paulo. A cidade emergia como principal pólo da redemocratização e da modernização política e cultural do país. Francis e outros ex-articulistas do "Pasquim", como Tarso de Castro e o próprio Sérgio Augusto, haviam passado a escrever na Folha, que despontava como a mais vigorosa e interessante novidade da imprensa brasileira.


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