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+ Memória
REBELDIA LTDA.
LÍDER DOS PROTESTOS DE PARIS EM 1968 E DEPUTADO DO PARLAMENTO EUROPEU HOJE, DANIEL COHN-BENDIT, 63, DESMENTE QUE TENHA SE TORNADO DE DIREITA E DIZ QUE É ANGUSTIANTE SER JOVEM ATUALMENTE
SYLVAIN COURAGE
MARIE-FRANCE ETCHEGOIN
O legado do Maio de
1968, a juventude
num mundo precário, a utilidade
da revolta, a relação com a autoridade. Os redatores de 20 anos do "Nouvel
Observateur" debateram com
o eterno rebelde Daniel Cohn-Bendit [atualmente com 63
anos e deputado no Parlamento Europeu, representando o
Partido Verde alemão]. Leia
abaixo os principais trechos:
SOPHIE - Eu gostaria que o sr. nos
explicasse como se pode ser revoltado contra a sociedade e as instituições aos 20 anos e viver plenamente dentro delas aos 60. O sr. se tornou
de direita ou encerrou sua revolta?
DANIEL COHN-BENDIT - É mais
complicado que isso. Sempre é
possível revoltar-se aos 60
anos. Podemos desordenar estando dentro das instituições e
podemos ser enquadrados permanecendo fora delas. Quer dizer que estou enquadrado? Não
sei nada sobre isso; cabe aos outros julgar. Acho que o que faço
hoje como deputado europeu é
importante; acredito nisso.
Acredito que estou dentro e
fora: ao mesmo tempo dentro
das instituições, para fazê-las
mudarem, e fora, para criticá-las, se for preciso.
SOPHIE - O sr. não está farto dessa
imagem de adolescente rebelde que
o acompanha há 40 anos?
COHN-BENDIT - É engraçado:
cinco minutos atrás você me
fez a crítica contrária. Afinal,
precisamos decidir: estou enquadrado ou sou rebelde? Escute, vou lhe dizer francamente: sou como sou. Não fico refletindo sobre isso a cada cinco
minutos. Quando alguma coisa
me revolta, eu me expresso.
Tomemos o caso das Olimpíadas: estou convencido de
que é preciso semear a confusão em Pequim! E repito isso
em todas as mídias.
Há momentos em que é preciso interpelar as pessoas e interpelar a nós mesmos. É uma
maneira de viver. Em Pequim,
os atletas que vão correr, saltar,
nadar também podem demonstrar que não estão de
acordo, que defendem os direitos humanos.
Também acredito nos jornalistas cidadãos. Haverá entre
8.000 e 10 mil jornalistas presentes. Eles poderão fazer jornalismo em Pequim, e não apenas relatar a Olimpíada.
Além disso, haverá centenas
de milhares de espectadores. Se
todo mundo marcar encontro
na praça da Paz Celestial, quero
ver como as autoridades chinesas poderão proibir o acesso
das pessoas. O que poderão fazer? Mandar tanques?
ANNE-LAURE - Minha mãe esteve
em Nanterre [campus da Universidade de Paris onde foram deflagrados os protestos] em 1968. Era primavera, os estudantes estavam
despreocupados, viviam numa sociedade em que não havia desemprego e, hoje, vivem em boa situação, estão instalados. Maio de 68
não terá sido simplesmente um
grande período de férias que não
deu em nada?
COHN-BENDIT - Era maio. O tempo estava muito bonito, é verdade. Não conhecíamos Aids
nem degradação climática nem
provações da globalização e do
desemprego. Éramos prometéicos. Tudo parecia possível. O
futuro nos pertencia.
Mas é preciso recordar, também, o que era a sociedade dos
anos 1960, o autoritarismo da
França de De Gaulle, da Alemanha da época...
A geração do pós-guerra queria apenas tomar sua vida nas
próprias mãos e libertar-se da
camisa-de-força de uma sociedade muito conservadora. Nesse sentido, não foram simplesmente grandes férias!
Você critica nossa geração
por ter "se instalado". O que isso quer dizer? É verdade que
com o passar do tempo a gente
se instala, sobretudo quando
tem filhos. Eu tinha 45 anos
quando meu filho nasceu. Evidentemente, isso muda a vida.
De repente, você não é mais o
rebelde -torna-se a autoridade. É uma outra idade que começa, uma nova responsabilidade que se carrega.
As pessoas de minha geração queriam a todo custo ser diferentes de seus
pais. Elas o foram, mas sem dúvida não tanto quanto queriam.
Hoje, observo que os jovens
não têm a mesma preocupação
de se diferenciarem. Em nossa
sociedade, que não facilita as
coisas para eles, querem um
emprego, casa e família, como
todo mundo. Eu os compreendo muito bem. O contexto e as
coisas que estão em jogo não
são mais os mesmos.
JÉRÉMIE - Para nós, o difícil é sobretudo nos projetarmos no futuro,
imaginar como estaremos dentro
de dez anos. Porque nos dizemos
que tudo é incerto, que a gente não
tem mais garantia de emprego.
COHN-BENDIT - Sim, é muito
mais angustiante ser jovem hoje do que há 40 anos. Mas quem
tem vontade de se revoltar se
revolta!
JÉREMIE - Sim, mas contra quem ou
contra o quê?
COHN-BENDIT - Não cabe a mim
dizê-lo. Entretanto, quando os
jovens vão para as ruas para
protestar contra o contrato do
primeiro emprego (CPE), são
em número dez vezes maior do
que os jovens que se manifestavam em 1968. A revolta é diferente. Mas é autêntica.
Em 1968, lutávamos em nome de alguma coisa. Para alguns, era a Revolução Cultural
chinesa; para outros, era Cuba
e, para nós, os anarquistas, era a
Guerra Civil Espanhola, os
conselhos operários de 1917...
Todos os derrotados da história eram nossos heróis. Eles
eram mais simpáticos do que os
carrascos.
É claro que isso não era muito fantástico, sob o ponto de
vista da coerência política. Lutar pela liberdade em nome da
Revolução Cultural chinesa
-havia uma contradição terrível encerrada nisso. Nós nos
demos conta disso mais tarde.
Hoje, felizmente, esse tipo de
falso modelo, no qual nunca
acreditei, não existe mais. Não
se grita mais "viva Mao!", "viva
Cuba!" ou "viva Che!". Os altermundialistas [movimento antiglobalização], por exemplo, se
contentam em dizer que um
outro mundo é possível. Mas
qual? E como chegar lá? É difícil determinar.
Em todo caso, 1968 não deve
ser visto como modelo. Retenham simplesmente que existem momentos históricos em
que alguma coisa explode -um
desejo de fazer avançar, de
transformar a sociedade-, e
que isso pode funcionar.
DIMITRI - Se uma revolta eclodisse
amanhã, será que teríamos o apoio
dos veteranos de 1968, como o sr.?
Não o vimos muito durante as manifestações contra o CPE.
COHN-BENDIT - Eu estava na Alemanha. Quando eu me manifesto, as pessoas me dizem "pare, você está exagerando". E,
quando não me ouvem, me criticam: "Mas, afinal, nem sequer
vimos você!". Mas acontece que
eu estava totalmente de acordo
com a luta contra o CPE.
DIMITRI - No segundo semestre de
2007, a polícia entrou em Nanterre
durante a ocupação da universidade. O sr. não protestou contra isso
na universidade onde estudou. O sr.
é favorável à lei Pécresse [sobre autonomia das universidades]...
COHN-BENDIT - Não, sou a favor
da autonomia das universidades. A idéia de uma gestão centralizada das universidades e
escolas é uma insensatez.
ZACKARIA - Em 1968, a questão da
imigração, das minorias discriminadas, dos bairros problemáticos, não
se colocava. Não é essa a diferença
principal em relação a nossa época?
COHN-BENDIT - É verdade. Não
imagino uma grande manifestação hoje cantando em coro
"somos todos judeus alemães".
Na época, esse slogan era
uma maneira de combater o
sentimento xenófobo anti-alemão e o anti-semitismo. Era
uma palavra de ordem que reunia as pessoas.
Hoje, porém, um slogan como esse não é mais concebível.
Por toda parte na Europa nos
vemos diante de um grande
bloqueio. Diante da imigração,
a impressão que se tem é que só
existe angústia: a angústia dos
imigrados, a dos brancos, a da
classe média. A sociedade está
profundamente dividida.
Não incrimino ninguém, mas
constato que as respostas a esses medos são muito difíceis de
encontrar. Nas periferias, hoje,
a violência é autodestrutiva.
ABDUL-AZIZ - Dizem que a urgência
para o futuro é proteger o ambiente,
adotar um modo de desenvolvimento sustentável. Então a gente
faz o que pode. Apaga a luz quando
deixa um cômodo, economiza água.
Para nós, entretanto, o maior problema ainda é encontrar trabalho.
COHN-BENDIT - Nem por isso a
questão do ambiente deixa de
estar diante de nós. A degradação climática é fruto de decisões equivocadas tomadas 30
anos atrás. Hoje, a ecologia
consiste em tomar as decisões
certas para os próximos 30
anos.
É verdade que o momento
atual, o cotidiano, nos prende.
Mas, se esquecermos o que precisamos fazer para que o planeta esteja habitável em 2040, os
filhos de vocês vão sofrer as
conseqüências e, sem dúvida,
os criticarão por isso.
Se não contivermos o aquecimento climático dentro do limite de 2%, ele alcançará os
3%, e isso desencadeará catástrofes no mundo inteiro. Se o
nível do mar subir dois metros,
o planeta inteiro terá milhões
de refugiados climáticos.
Será que teremos que erguer
muros e fortalezas para prevenir migrações maciças? Vocês
precisam entender quais são as
responsabilidades que cabem a
todos nós.
A íntegra desta entrevista saiu no "Nouvel Observateur". Sylvain Courage e Marie-France Etchegoin (c) 2008 "Le Nouvel Observateur".
Tradução de Clara Allain .
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