São Paulo, domingo, 04 de junho de 2000


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+ 3 questões Sobre armas

1. A compra de armas pelo cidadão comum deve ser proibida?
2. Como coibir o comércio ilegal de armas?
3. Qual é a experiência de outros países nessa matéria?

Edson Luiz Ribeiro responde

1.
Não. O direito à legítima defesa da vida e da integridade física, pessoal ou de terceiros, e do patrimônio é reconhecido por todas as religiões, civilizações e legislações há milênios; é um direito natural, inerente ao ser humano. O Código Penal Brasileiro, no art. 23, 2º, considera a legítima defesa uma excludente da antijuridicidade. Nossa Constituição Federal, no art. 5º, "caput", garante a todos a inviolabilidade do direito à vida, à segurança e à propriedade. Assentado que a legítima defesa é irrestritamente amparada por nosso direito, é intuitivo e lógico que o seu exercício reclame um instrumento eficaz -nosso Código Penal, no art. 25, faz expressa menção ao uso moderado dos "meios necessários" para a repulsa a uma agressão injusta a direito próprio ou de outrem. A lei reconhece a legítima defesa e procura, acertadamente, garantir o acesso ao instrumento de defesa; se privado dos instrumentos adequados, o direito à legítima defesa virará letra morta. Na situação atual de violência, o instrumento é a arma de fogo.
Em um Estado democrático de direito nenhum cidadão que atenda os requisitos legais pode ser impedido de, com a utilização dos meios adequados e necessários, defender a vida e a integridade física de sua pessoa e de seus familiares e os seus bens. Ademais, o desarmamento compulsório das pessoas idôneas em nada contribuirá para a diminuição dos índices de criminalidade, pois até as pedras de nossas ruas sabem que a quase totalidade dos crimes é praticada por bandidos, geralmente reincidentes, com armas ilegais que não serão entregues; os cidadãos de bem não se armam para cometer crimes, e sim para se defender. A questão é simples: é preciso desarmar e punir os criminosos, não os cidadãos honestos.

2.
Basta que o Estado brasileiro cumpra a lei, suficientemente rigorosa, com ênfase na repressão eficaz ao contrabando.

3.
Desastrosa. Países onde as armas foram proibidas mostraram significativo aumento na criminalidade. Na Inglaterra, os assaltos a mão armada aumentaram 117% nos últimos cinco anos. Na Austrália, os roubos com violência cresceram 39% entre 1996 e 97. Desarmamento compulsório representa incentivo ao crime, pois os delinquentes sabem que não encontrarão resistência proporcional.

Dalmo de Abreu Dallari responde

1.
Estou convencido de que, em benefício da segurança de todo o povo, o comércio de armas deveria ser bastante restringido e rigorosamente controlado. Todos os argumentos usados, pelos meios de comunicação e no Congresso Nacional, em favor da ampla liberdade na venda e compra de armas procuram esconder o verdadeiro e real objetivo, que é o comércio de armas, altamente lucrativo e causa das maiores tragédias sociais e individuais da humanidade. É absolutamente falso dizer que o comércio deve ser livre para dar segurança aos cidadãos honestos, pois quem tem o dever legal de dar segurança ao povo é o governo, que recebe impostos e tem gente treinada para executar essa tarefa, estando realmente preparado para enfrentar criminosos. Se os organismos policiais são deficientes, o caminho é a mobilização de toda a sociedade exigindo eficiência -e não a barbárie da autodefesa, que fatalmente acaba gerando os justiceiros privados, arbitrários e violentos, não trazendo nenhum benefício para os que não têm dinheiro para comprar armas sofisticadas nem vocação para matadores. Não me parece necessário chegar ao extremo da proibição, mas a venda de armas aos cidadãos deveria se restringir a casos excepcionais, definidos em lei.

2.
Em primeiro lugar, mediante sério controle dos estabelecimentos autorizados a vender armas. Além disso deverão ser programadas ações policiais para verificação nos locais e horários habitualmente frequentados por pessoas que vivem no limiar da ilegalidade. As armas apreendidas por motivos de porte ilegal, nessa e em qualquer outra circunstância, deverão ser imediatamente encaminhadas, para rápida destruição, a um órgão especial da polícia, dando-se a máxima publicidade ao número e local das apreensões e das destruições. Os policiais deverão ser proibidos de portar armas que não sejam regularmente fornecidas pelos órgãos a que estiverem vinculados, punindo-se com a pena de exclusão dos organismos policiais aqueles que tiverem arma ilegal ou procederem ao desvio e comércio de armas. A par disso, o uso de armas para a prática de crimes deveria ser sempre motivo de agravamento das penas, restrições aos benefícios dos sentenciados.

3.
Todos os países do mundo fazem algum controle da venda de armas. O lugar onde o controle é o mais frouxo é justamente nos EUA, onde têm sido comuns agressões por crianças armadas contra colegas de escola e professores. Parece que o povo norte-americano está acordando e percebendo que é uma grande farsa falar em liberdade para proteger os interesses econômicos, absolutamente imorais, dos comerciantes de armas. Está tramitando no Congresso dos EUA um projeto restringindo o comércio de armas e têm sido tão expressivas as manifestações populares de apoio a ele que até os pré-candidatos à Presidência dos EUA já se têm pronunciado a seu favor.

Quem são

Edson Luiz Ribeiro
É juiz de direito aposentado da Justiça do Estado de São Paulo e estudioso dos assuntos de segurança pública.

Dalmo de Abreu Dallari
É advogado e professor de direito público na USP, autor de "O Poder dos Juízes" (Ed. Saraiva), entre outros.



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