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O VELHO
QUANTO VALE O SHOW?
PRINCIPAL NOME DA POLÊMICA "SENSATION" (1997) E HOJE UM DOS NOMES MAIS BEM PAGOS DO MERCADO, DAMIEN HIRST DIZ QUE AS PESSOAS PRECISAM DOS ARTISTAS
LUCRECIA ZAPPI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Damien Hirst pode estar
morto. Mas enterrado,
não. Desde o Tártaro, o artista inglês perpetua a fórmula de animais crucificados e conservados em formol, com títulos
barrocos e apelo religioso crescente.
Número um no ranking de 2005
dos "Cem mais poderosos da arte"
da revista "ArtReview", Hirst é um
gigante em ascensão desde que fez a
curadoria da lendária mostra londrina "Freeze", em 1988.
O "young british artist" de 40 anos
é hoje a marca mais cara no universo
das artes. Seu ritmo industrial e sua
precisão clínica abrigam 50 assistentes em quatro ateliês e um quinto em
construção, mais o sonho de ter uma
galeria de arte na Inglaterra.
Sua obra exala ironia e frieza antisséptica e vende temas universais como a fascinação pela carne e morte
em escalas monumentais. Com esses
elementos, Hirst faz uma crítica da
corrupção do espírito, como o materialismo e a indiferença ao mundo
natural.
Sua peça mais famosa, "A Impossibilidade Física da Morte na Mente
de uma Pessoa Viva" (1991), que
consiste em um tubarão em um
aquário de formol, projeta isso. Pescado por um colecionador nova-iorquino no ano passado por US$ 12
milhões (R$ 26,7 milhões), o tubarão só inflou como objeto de desejo.
Explorar com cinismo a alta rotatividade do mercado é parte do discurso
do artista.
De sua casa em Devon, na Inglaterra, Hirst falou à Folha, por telefone, sobre morte, arte, dinheiro, celebridades e outros fetiches.
Folha - Por que você escolheu o nome "Love Lies Bleeding" para sua
mostra individual, que está sendo
inaugurada na galeria Hilario Galguera, na Cidade do México?
Damien Hirst - É o nome da planta
que eu tenho à beira da piscina na
minha casa de férias no México. Lá
ela é conhecida como "El Cordón de
Cristo".
Folha - A exposição tem um aspecto
religioso?
Hirst- É mais religiosa que científica. É sobre a contradição entre o
amor carnal e o amor divino. Também sobre o fracasso. O fracasso de
Deus por não nos livrar do mal. Do
amor por não conseguir conquistar
tudo. Da ciência por não conseguir
explicar a religião.
Folha - E quais peças estão relacionadas à morte nessa exposição?
Hirst - Todas elas, mas a vida está
inextricavelmente ligada à morte e
às suas semânticas. Eu argumentaria
que o tema da morte é uma celebração da vida.
Fiz uma peça chamada "Adão e
Eva sob a Mesa"", com dois esqueletos vestidos de noivos sob uma mesa
coberta com drinques, drogas, cinzeiros e toda a parafernália que sobrou de uma noite muito, muito pesada. E sob a mesa é para onde todos
vamos, acho.
Folha - De que forma você relaciona
sua obra à morte? Pelo excesso do material e sua banalização?
Hirst - A gente diz "vida é morte" e
"morte é vida". No final das contas, a
vida é para viver, é muito excitante,
mas eu acho que é difícil de entender
o que é a morte. É algo com o que se
tem que lidar a cada dia.
Folha - Falar da morte está dentro
de uma tradição inglesa?
Hirst - Os ingleses não merecem
tanto! Minha obra não se aproxima
de uma visão Monty Phyton da morte, vai mais para o caminho de Goya.
Bacon é também muito bom, com
sua visão meio obscura da morte.
Eu li um livro ótimo do filósofo
Thomas Hobbes [1588-1679] que dizia mais ou menos assim: "Como
moscas varridas em uma parede,
nós caímos... E a vida do homem é
solitária, pobre, asquerosa, bruta e
curta". Eu acho que quanto mais
longe se vai, mais se volta ao mesmo
ponto. Entre o bem e o mal, não vai
ser fácil para o bem ganhar a batalha,
então você começa a ter visões mais
obscuras sobre tudo.
Folha - Mas sua obra tem um pouco
de Hobbes e de Monty Python ao mesmo tempo.
Hirst - Pois é, não dá para ter um
sem o outro.
Folha - E Bacon?
Hirst - E ovos e salsichas?
Folha - Você se sente diretamente
influenciado por Duchamp, ao subverter a visão idealizada da obra, dando a ela uma aura de esterilidade clínica, com títulos irônicos?
Hirst - É, eu acho que sim. Minha
obra sempre termina em contradição. Sem contradições, o mundo
acaba. Eu não faço ciência, mas o aspecto científico da minha obra busca
o humor. O tipo de humor que leva a
depressão embora.
Folha - Essas contradições em sua
obra são um reflexo da vida contemporânea?
Hirst - Eu acho que todos os artistas
têm uma mão no futuro e assim acabam definindo o próprio tempo. Os
velhos saem e os novos entram, e aí
você morre.
Folha - Você acha que quebra tabus
com esse tipo de arte?
Hirst - Acho que a gente quebra alguns tabus resmungando alguns
truísmos, contando algumas mentiras, brigando pelo que acredita. E, se
você tiver sorte, algumas pessoas
irão se interessar pelo que você tem a
dizer. No final das contas, eu acho
que artistas fazem arte para pessoas
que ainda vão nascer, então é difícil
ter as pessoas sempre ao seu lado. A
melhor coisa é fazer boa arte.
Folha - Você se considera uma celebridade das artes, estigmatizado pela
famosa exposição "Sensation"?
Hirst - Eu não dou a mínima para
isso, estou interessado em arte. Celebridade não é nada, é uma parte pequena da vida, é basicamente um
medo intenso da morte. E a idéia da
"Sensation" trazendo um estigma é
uma maluquice. Quando alguém me
diz que minha obra é sensacional, eu
tomo como um elogio, como se me
dissessem que estou com uma aparência sensacional.
Folha - Você acha que é visto mais
como um símbolo social do que como
um artista interessante?
Hirst - Há alguns anos talvez, mas
não mais. As pessoas precisam de artistas, mas acham difícil entender a
arte ou o raciocínio atrás de uma
criação. Elas entendem melhor o dinheiro porque ele é o motivo para fazer coisas, e qualquer outro tipo de
motivo se torna suspeito no mundo
de hoje, infelizmente.
Uma vez eu disse a uma pessoa
que me pedia um autógrafo na rua:
"Não diga a ninguém, mas eu não
sou realmente um artista".
Eu só estava brincando e pensei
que a pessoa fosse rir, mas ela ficou
chocada e disse: "Não, eu preciso
que você seja um artista". Então, antes de qualquer coisa, eu tenho que
ser um artista ou eu não sou nada.
Enquanto eu avanço no meu caminho, esse tipo de reação vai se aderindo a mim. Mas estou ficando
bom em ignorar esse tipo de coisa.
Folha - Suas obras são muito sedutoras. O que significa o belo para você? E
como você as constrói?
Hirst - A obra tem que ser desejável.
Você tem que fazer com que as pessoas ouçam você antes de mudar as
idéias delas. Se as pessoas olham e
vão embora, então esquece.
Se as pessoas
olham e vão embora,
então esquece;
como artista
você tem
que penetrar
na cabeça delas
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Como artista você tem que penetrar na cabeça delas. Da mesma forma como flores atraem abelhas. Você tenta de tudo.
Folha - As pessoas esperam que você
siga sendo um artista da "Sensation"?
Hirst - Não sei, tento pensar a respeito, mas acho que só tenho que
agradar a mim mesmo.
Se você faz algo que as pessoas não
gostam, há muitas críticas, sobretudo em Nova York.
Folha - Por quê?
Hirst - Eles gostam de pinturas factuais. Na minha última mostra, na
galeria Gagosian, em Nova York,
elas eram mais ligadas à morte. Mas
prefiro ter uma crítica negativa e
vender toda a exposição do que ter
uma crítica positiva e não vender nada -se eu tiver essa possibilidade de
escolha.
Folha - E você vendeu tudo?
Hirst - Quase tudo.
Folha - A morte vende?
Hirst - Sempre vendeu, não? Em todos os níveis.
Folha - E isso não te incomoda,
quando as pessoas, em vez de olharem para sua obra, dizem de cara
"Nossa, quanto custa esse Damien"?
Hirst - É algo que não dá para controlar. Eu acredito que a arte é mais
lucrativa que dinheiro. E às vezes eu
acho que as pessoas se aproximam
dela porque o dinheiro é uma coisa
muito poderosa, muito difícil de entender. Minhas obras ficaram muito
caras agora. Estão no MoMA, nas
grandes galerias.
Folha - Você considera importante
ter suas peças em um museu?
Hirst - Todos esses colecionadores
ricos, quando morrem, não vão deixam arte para seus filhos e, se deixam, elas, em um certo momento,
acabam do mesmo modo no museu.
É ótimo estar nos museus, mas acho
mais saudável não estar lá enquanto
você está vivo. Para mim, tem mais a
ver com a própria vida fazer exposições em galerias. No museu a obra
está fixa, não vai a lugar nenhum.
Folha - É onde, de certa forma, a arte
se torna segura?
Hirst - De certa forma, e os artistas
mortos sempre ficam melhor lá que
nas salas das pessoas.
Folha - Quem é seu artista favorito?
Hirst - Um dos meus favoritos é [o
americano] Bruce Nauman [1941].
Acho que ele passa mensagens muito fortes com o mínimo. Funciona
bem em todos os níveis da compreensão, e a gente se envolve na hora e diretamente com sua obra.
Folha - A curadora da próxima Bienal de SP, Lisette Lagnado, anunciou
que quer fazer uma bienal política. O
que você acha de arte política?
Hirst - A arte se torna política quando a situação geral fica ruim. É a
chance de se colocar politicamente
por meio da arte. Não sei, talvez eu
devesse fazer uma peça sobre o Tony
Blair. Para meu gosto, ele tem contado muitas mentiras.
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