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Uma crítica inócua e o rigor dos dicionários
Paulo Geiger
especial para a Folha
De acordo com a ética jornalística e
com os regulamentos do "Novo Manual
da Redação" da Folha, foi-nos dado o direito de publicar este segundo artigo de
resposta ao ataque do sr. Cláudio W.
Abramo aos dicionários (e à própria lexicografia), sem que tenhamos lido sua
tréplica, ora simultaneamente publicada. As lexicógrafas não sabem, portanto,
a que responder; ademais, julgam inútil
fazer uso desse espaço como arena de
um debate sobre os diagnósticos infundados e inócuos do sr. Abramo -que revelam desconhecimento dos princípios
que norteiam a lexicografia e desprezo
por conceitos e técnicas básicas de elaboração do dicionário- e preferem que o
utilizemos em benefício do público leitor, com esclarecimentos sobre alguns
aspectos relevantes para a compreensão
da importância, da função e dos métodos dos dicionários e da lexicografia.
O que é (ou deve ser) um dicionário? O
acervo de palavras de uma língua, em
que se registram os seus significados, em
suas várias nuanças e variações de uso. A
língua é um código de comunicação social, o mais instintivo, amplo, versátil e
significante que há: é o registro da memória das coisas, da construção da vida
social, da cultura, da ciência e da tecnologia e, mais que tudo, é o código da transmissão e recepção de informações, pensamentos e idéias.
Na verdade, a língua é muito mais
complexa que um simples código. Mas o
lexicógrafo, para realizar sua tarefa, deve
metodologicamente pensar na língua como tal. Para que haja comunicação e
transmissão de idéias é preciso que
transmissor e receptor -que nem sempre vivem no mesmo contexto regional,
temporal, social ou cultural- tenham a
mesma chave, que cada palavra tenha
para um e outro os mesmos significados
possíveis. O dicionário é o lugar comum
desses elementos básicos de nossos pensamentos e idéias: as palavras. Dicionários são, pois, "livros-ferramenta", e seu
valor está na capacidade de atender aos
usos específicos para os quais são concebidos.
E como se constrói um dicionário? Para que seja realmente uma chave confiável da nossa língua, ele deve, antes de tudo, reunir o máximo de palavras relevantes em uso e o máximo de significados possíveis para cada palavra. Por isso,
um dos conceitos mais importantes é o
da abrangência. A abrangência não se
mede apenas pelo número de palavras
que constituem o acervo, mas, principalmente, pela cobertura ampla de todos os
significados de cada termo e pelas informações adicionais que facilitarão a compreensão das regras e dos usos nos diferentes contextos.
Idealmente, então, quanto mais unidades semânticas (vocábulos e locuções) e
mais acepções, mais abrangente, e melhor, o dicionário. Mas, como toda ferramenta, o dicionário deve ser acessível
aos usuários. E uma abrangência não
programada irá refletir-se no custo e,
portanto, no preço.
Assim, a primeira missão do lexicógrafo é conceber o modelo conceitual de seu
dicionário, em seus vários elementos: o
público a que se destina, o tamanho, a
área de cobertura, o modelo de definição
que atenda aos requisitos de concisão e
clareza, a estrutura dos verbetes, o ponto
de equilíbrio entre número de vocábulos, definições e informações adicionais
de forma a aproveitar ao máximo o espaço com dados relevantes e úteis naquele
determinado contexto etc. etc.
E o que são "informações adicionais"?
Para ser eficiente, o dicionário deve fornecer, além dos significados, o maior número possível de informações úteis sobre a palavra: origem e formação (etimologia); elucidação de pronúncia; categorias gramaticais e regências verbais;
exemplos de uso no contexto de frases;
informações gramaticais; sinônimos, e
muito mais.
O dicionário não é construído, pois,
como um amontoamento aleatório (ou
randômico) do máximo de informações
que se possa reunir, mas como o resultado de um planejamento cuidadoso, a
partir de uma busca laboriosa do ponto
de equilíbrio entre todos os fatores citados. Essa busca é permanente, tal como a
evolução da própria língua e de seus códigos, e passa, necessariamente, por dois
crivos fundamentais: o do critério lexicográfico na seleção de vocábulos e informações e o da técnica lexicográfica, que,
ao contrário do que pensam alguns críticos improvisados, não visa a atender,
apenas, às intuições do consulente, mas é
regida por regras e disciplinas próprias.
Um bom dicionário não é, pois, construção que se possa facilmente subverter
com tentativas de demolição. O "Aurélio" foi e continua a ser planejado e realizado de acordo com regras, conceitos,
métodos, critérios e técnicas cuidadosamente pensados e aplicados. Num contínuo esforço de aprimorá-lo, os lexicógrafos que nele trabalham, sugerindo a
linha traçada pelo autor, mantêm-se em
sintonia com os fatos novos da língua,
em evolução ininterrupta. E a colaboração de leitores tem sido insumo constante na correção de possíveis erros e omissões, na busca de uma perfeição improvável, mas sempre desejada.
Paulo Geiger é editor das obras de referência da Nova
Fronteira, que edita o "Dicionário Aurélio Século 21".
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