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+Cultura
O turco genérico
Antropólogo americano interpreta integração
de povos árabes no Brasil à luz
da história
econômica
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Antigamente, a expressão "turco", para designar imigrantes e descendentes de qualquer
país do Oriente Médio, tinha
clara intenção pejorativa.
Hoje, membros da comunidade sírio-libanesa no Brasil
acham que o tratamento chega
a ser carinhoso.
Como se operou tal mudança
de percepção? O antropólogo
norte-americano John Tofik
Karam tem uma tese: ele acha
que a nova imagem do árabe
brasileiro resulta do neoliberalismo. Para demonstrá-la, escreveu "Um Outro Arabesco"
[trad. Denise Bottmann, Martins Editora, 344 págs., R$ 42].
A associação proposta, embora aproxime universos tão
distantes quanto etnia e política econômica, não requer contorcionismos de interpretação.
A ideia central é simples: o
neoliberalismo, introduzido no
Brasil no início dos anos 1990
com o governo Collor, abriu o
país ao comércio exterior, aumentando o intercâmbio com
os ricos países árabes, que tiveram nos brasileiros de origem
sírio-libanesa os grandes promotores das exportações para
o Oriente.
Está aí, nos negócios, a chave
da valorização da etnia.
A ideia é simples, mas não ingênua. Karam a inscreve na
tradição brasileira de "democracia racial", mas apenas para
lembrar que o conceito de Gilberto Freyre, dos anos de 1930,
foi posteriormente questionado por documentação que
identifica racismo no Brasil.
Ainda assim, feita a ressalva,
o autor constata a reconstituição desse ideário nacionalista
por meio da ascensão econômica dos árabes e de seus descendentes. Karam, ele próprio de
origem árabe e com parentes
do Brasil, argumenta que a comunidade sírio-libanesa não só
se beneficiou de uma circunstância econômica, mas procurou ativamente montar o que
ele chama de "projeto étnico".
O livro cita vários exemplos:
a criação de clubes esportivos,
a atuação de câmaras de comércio, a representação política no Poder Legislativo, a valorização da culinária e dos costumes, como a dança do ventre,
e a inserção na alta sociedade.
Números inflados
Até as estatísticas da população de origem árabe teriam sido manipuladas com esse objetivo, sugere Karam.
Em cem anos, chegaram ao
Brasil menos de 200 mil imigrantes, sobretudo da Síria e do
Líbano, e hoje a comunidade
teria pelo menos 6 milhões de
pessoas, sendo que às vezes se
fala em 10 milhões.
Como explicar o salto? O autor, que nunca conseguiu estatísticas primárias, desconfia
que os descendentes "superestimam os números, como maneira de fortalecer sua posição
dentro da nação".
Qual é o sentido de um intelectual americano se debruçar
sobre esse microcosmo da sociedade brasileira? A ascendência do autor e o interesse acadêmico não explicam o principal.
Na realidade, o livro, originalmente uma tese de doutorado, tinha em vista o leitor norte-americano.
Karam queria mostrar ao público dos EUA que poderia haver outra abordagem do árabe
que não as do antiterrorismo e
do multiculturalismo, predominantes depois do 11 de Setembro.
Nos EUA, diz, a arabicidade
foi reduzida pela retórica da segurança a uma célula culturalmente diferente e sempre
ameaçadora. O que ele oferece
em contraponto é o exemplo do
Brasil -o outro arabesco.
Karam tem a honestidade intelectual de não dourar a pílula
a favor de seu argumento. Sim,
também no Brasil descendentes de árabes, sobretudo muçulmanos, sentiram os efeitos
da maior vigilância que se seguiu aos ataques terroristas de
2001. Mas não na mesma escala
do que aconteceu nos EUA.
Não menos importante foi
uma coincidência: logo depois
da queda das Torres Gêmeas
em Nova York, que colocou sob
suspeição a comunidade árabe
nos EUA, estreou no Brasil "O
Clone", cujo par romântico era
formado por um brasileiro e
uma jovem marroquina muçulmana. A apreensão inicial dos
árabes se dissolveu nos capítulos da novela.
Estada brasileira
Karam passou um ano e meio
no Brasil, entre 1999 e 2001, fazendo pesquisas de campo.
O resultado é um texto entremeado de casos saborosos, como o da agência de viagem que
capitalizou a informação não
confirmada da presença de
Osama bin Laden na Tríplice
Fronteira [entre Brasil, Argentina e Paraguai] para anunciar
um passeio a Foz do Iguaçu.
Karam não tem nada de neoliberal. Ao falar em neoliberalismo, não deixa de mencionar
seu "poder insidioso". Mas foi
essa política econômica, de
qualquer maneira, que catapultou o árabe brasileiro.
Um caso raro de efeito colateral benéfico.
OSCAR PILAGALLO é jornalista e autor de "Folha Explica Roberto Carlos" (Publifolha).
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