São Paulo, domingo, 05 de abril de 2009

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ENSAÍSTA AMERICANO DEFENDE QUE CONSUMIR PORNOGRAFIA ON-LINE EQUIVALE A ADULTÉRIO

Em lugar de dizermos que pornografia é má, mas deve ser tolerada, estamos dizendo que ela não é má de maneira nenhuma

JENNIE ROTHENBERG GRITZ

Nos dias anteriores ao videocassete e aos computadores pessoais, um marido fiel que procurasse certa dose de excitação extraconjugal não tinha muitas opções. Podia ir a clubes de striptease ou a cinemas pornográficos. Podia viver suas fantasias ao folhear as páginas da revista "Hustler".
Mas não podia levar mulheres nuas a sua casa sem cometer adultério real.
Hoje em dia, argumenta na entrevista abaixo Ross Douthat, editor sênior da "Atlantic Monthly", a barreira entre fantasia e infidelidade se torna cada vez menos sólida. A internet inundou o mercado com as imagens e sons de pessoas reais fazendo sexo real.
Em lugar de se esgueirar até um cinema que passe filmes pornôs, um homem casado agora pode ligar o computador em casa e ganhar acesso a um reservatório ilimitado de imagens em vídeo que nada deixam a imaginar.
Para Douthat, o homem que assiste a material pornográfico explícito não está apenas testemunhando atos sexuais, mas participando deles.
Ele o faz em um ambiente íntimo, e não em uma casa escusa que teria de compartilhar com outros masturbadores escondidos por capas de chuva, de uma maneira personalizada como produções pornográficas de massa como "Garganta Profunda" nunca foram.
A era da internet conduziu a experiência da pornografia a uma posição muito mais próxima do adultério do que a maioria dos usuários de pornografia gostaria de admitir.
A ideia de que a pornografia atual é adultério -ou, ao menos, adúltera- certamente vai ser considerada excessivamente conservadora por alguns.
Afinal, até mesmo a mais explícita pornografia da internet não passa de pixels em uma tela, e fica muito distante de um caso amoroso real.
Uma mulher que encontre o endereço de um site pornográfico no computador de seu marido talvez sinta certa repugnância por esse hábito juvenil, mas não existe grande probabilidade de que peça o divórcio.
Ainda assim, Douthat instiga seus leitores a repensar a maneira como categorizam a pornografia pesada.
Em lugar de arquivá-la com as demais diversões inócuas vistas como "coisa de menino", ele encoraja homens e mulheres a considerar que assistir a sexo real pode representar uma violação prática dos votos matrimoniais.
 

PERGUNTA - Como essa questão se relaciona com o aspecto do segredo? Quando uma mulher descobre que seu marido faz apostas na internet ou compra medicamentos ilegais na internet, isso não se assemelha de alguma forma a um adultério, pois o marido estaria praticando um vício que não revela à mulher?
ROSS DOUTHAT -
Certamente o elemento do segredo determina as dimensões da traição.
E isso obviamente se enquadra a uma questão mais ampla quanto às mulheres e cônjuges que sabem que seu parceiro ou marido usa pornografia ou...

PERGUNTA - ... assistem a filmes pornográficos com ele.
DOUTHAT -
Exato. Bem, essa é uma espécie de segunda ordem das coisas, mas vamos começar pelas pessoas que apenas sabem a respeito e aceitam.
Seria possível dizer que, nesses casos, não existe traição, porque as pessoas sabem o que está acontecendo e, portanto, sem traição não se pode alegar adultério.
Creio que o ponto seja justo, evidentemente, como forma de julgar a gravidade moral do comportamento de alguém.
Se você está assistindo a pornografia pesada e sua mulher sabe disso, é evidente que você a está traindo em nível menos profundo do que seria o caso se ela não soubesse a respeito.

PERGUNTA - De maneira semelhante, seria apropriado dizer que pessoas que vivem um relacionamento aberto podem cometer adultério?
DOUTHAT -
As pessoas que se envolvem em um casamento aberto estão muito cientes de que, na prática, alteraram a definição de casamento de modo a excluir a possibilidade de adultério.
E, no caso da pornografia, ao tolerar os hábitos de consumo de pornografia de um marido, a pessoa estaria, do mesmo modo, mudando a definição de casamento de uma forma que acredito que as pessoas não estão dispostas a admitir.

PERGUNTA - É possível argumentar que ir a um clube de striptease é muito pior do que assistir a um filme pornô -pois, neste caso, estaria apenas vendo pixels em uma tela. Mas o sr. sugere que esta nova forma de pornografia é mais insidiosa.
DOUTHAT -
Há duas distinções quanto a isso. Temos uma distinção entre realidade e fantasia que é lícito fazer. Creio que, quanto mais próxima de sexo real for a forma de atividade sexual, mais próxima ela está do adultério.
Em um clube de striptease ou contemplando mulheres bonitas na edição de trajes de banho da "Sports Illustrated" ou na "Playboy", a pessoa ainda estaria no mundo da fantasia, porque se trata de pessoas sexualmente inatingíveis.
Marilyn Monroe, na "Playboy", não fará sexo com você. A dançarina de striptease não vai descer do palco e fazer sexo com os sujeitos que a cercam e oferecem dinheiro -ou, se o fizer, isso será porque ela também é prostituta, além de dançarina de striptease.
Mas a mulher em um vídeo pornô pesado não está apenas permitindo que seu corpo seja usado como objeto das fantasias masculinas. Está fazendo sexo de verdade, e não para ela ou seu parceiro: ela o faz para o consumidor, o espectador.
Uma vez mais, não estou afirmando que se masturbar assistindo a vídeos pornôs é equivalente a intercurso físico.
Digo apenas que talvez fosse válido refletir um pouco mais sobre o que de fato acontece no caso de alguém que paga para receber um vídeo de sexo pesado e o assiste se masturbando em sua casa.

PERGUNTA - O sr. mencionou a "Playboy". Considera esse tipo de pornografia, de alguma maneira, superior -isto é, o modelo "adulto" proposto por Hugh Hefner, que envolve beber um bom vinho e ler um artigo de William Buckley Jr. [escritor conservador norte-americano, 1925-2008] enquanto contemplamos mulheres nuas?
DOUTHAT -
Claro: se você imagina que existe um contínuo moral envolvido nessas coisas, teria de estar disposto a afirmar que a "Playboy" não é tão ruim quanto pornografia pesada.
Não sei se o termo "superioridade" se aplica -um mal menor, talvez.
Existe um ponto no qual a pornografia se transforma em arte, obviamente, e esse costuma ser um dos argumentos apresentados por aqueles que acreditam que não seja lícito restringir a pornografia, porque a linha que separa arte de pornografia não é tão clara.
E isso é verdade, a partir de certo ponto -mas não acredito que seja verdade no que se refere à revista "Playboy".

PERGUNTA - O sr. diz que a ideia de usar pornografia é basicamente um fenômeno masculino. Mas, para muitas mulheres, ler livros românticos é mais excitante do que assistir ao que parece ser em geral pornografia barata e mal produzida. O sr. consideraria adultério ler descrições de atos sexuais explícitos e usá-las como fantasia?
DOUTHAT -
Creio que o nível de realidade presente na pornografia pesada não está presente nesse tipo de coisa. A distinção crucial é que você não está implicando outra pessoa no ato.
Pelo mesmo motivo, acredito que uma mulher se sinta mais traída ao descobrir que o marido assina um serviço de pornografia pesada do que, por exemplo, uma revista de variedades para homens.

PERGUNTA - O sr. cita uma frase de Jesus, no Evangelho de são Mateus: "Quem quer que olhe para uma mulher com luxúria já cometeu adultério com ela em sua coração". O sr. considera que chegou à sua conclusão pensando autonomamente ou acredita que tenha sofrido influência da tradição cristã?
DOUTHAT -
O fato de eu ser cristão indubitavelmente influencia meu pensamento sobre isso. Por outro lado, o argumento que proponho em meu texto não é o argumento que a Bíblia defende.
De fato, é bastante diferente. Jesus está falando de um fenômeno muito amplo, afirmando que qualquer coisa que envolva infidelidade, de intercurso a luxúria não consumada, deveria ser descrita como adultério.
Já eu tento estabelecer distinções entre diferentes formas de adultério e descobrir como elas se alinham no contínuo -e em seguida afirmo que, embora muitas pessoas pensem em pornografia como equivalente da luxúria não consumada, na verdade ela fica muito mais perto do sexo físico.

PERGUNTA - No seu blog, o sr. defende vigorosamente que as leis de combate à prostituição sejam aplicadas com rigor. A pornografia está envolvida nessa discussão?
DOUTHAT -
Não. Não creio que estejamos em um momento, especialmente na vida americana, em que haja discussão expressa em termos de proibir ou permitir a pornografia.
Creio que passamos desse estágio -em lugar de dizermos que pornografia é má, mas deve ser tolerada, estamos dizendo que ela não é má de maneira nenhuma. E é contra isso que estou tentando reagir.
O problema quanto ao ponto em que hoje estamos, no que diz respeito à pornografia, não é que os norte-americanos estejam cercados de tentação e ocasionalmente cedam, mas sim a tendência de que isso deixe de ser considerado como tentação.
Imagino que não seja realista imaginar que a pornografia um dia possa desaparecer de todo.
Mas é preciso que exista um equilíbrio entre idealismo e realismo -é preciso que existam ideais aos quais aspiramos, ainda que saibamos que a maioria das pessoas não é capaz de realizá-los.


Este texto saiu no site da "Atlantic Monthly".
Tradução de Paulo Migliacci.


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