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ENSAÍSTA
AMERICANO DEFENDE QUE CONSUMIR PORNOGRAFIA
ON-LINE EQUIVALE A ADULTÉRIO
Em lugar de dizermos que pornografia
é má, mas deve ser tolerada, estamos dizendo que ela não
é má de maneira nenhuma
JENNIE ROTHENBERG GRITZ
Nos dias anteriores
ao videocassete e
aos computadores
pessoais, um marido fiel que procurasse certa dose de excitação
extraconjugal não tinha muitas
opções. Podia ir a clubes de
striptease ou a cinemas pornográficos. Podia viver suas fantasias ao folhear as páginas da revista "Hustler".
Mas não podia levar mulheres nuas a sua casa sem cometer adultério real.
Hoje em dia, argumenta na
entrevista abaixo Ross Douthat, editor sênior da "Atlantic
Monthly", a barreira entre fantasia e infidelidade se torna cada vez menos sólida. A internet
inundou o mercado com as
imagens e sons de pessoas reais
fazendo sexo real.
Em lugar de se esgueirar até
um cinema que passe filmes
pornôs, um homem casado
agora pode ligar o computador
em casa e ganhar acesso a um
reservatório ilimitado de imagens em vídeo que nada deixam a imaginar.
Para Douthat, o homem que
assiste a material pornográfico
explícito não está apenas testemunhando atos sexuais, mas
participando deles.
Ele o faz em um ambiente íntimo, e não em uma casa escusa
que teria de compartilhar com
outros masturbadores escondidos por capas de chuva, de uma
maneira personalizada como
produções pornográficas de
massa como "Garganta Profunda" nunca foram.
A era da internet conduziu a
experiência da pornografia a
uma posição muito mais próxima do adultério do que a maioria dos usuários de pornografia
gostaria de admitir.
A ideia de que a pornografia
atual é adultério -ou, ao menos, adúltera- certamente vai
ser considerada excessivamente conservadora por alguns.
Afinal, até mesmo a mais explícita pornografia da internet
não passa de pixels em uma tela, e fica muito distante de um
caso amoroso real.
Uma mulher que encontre o
endereço de um site pornográfico no computador de seu marido talvez sinta certa repugnância por esse hábito juvenil,
mas não existe grande probabilidade de que peça o divórcio.
Ainda assim, Douthat instiga
seus leitores a repensar a maneira como categorizam a pornografia pesada.
Em lugar de arquivá-la com
as demais diversões inócuas
vistas como "coisa de menino",
ele encoraja homens e mulheres a considerar que assistir a
sexo real pode representar
uma violação prática dos votos
matrimoniais.
PERGUNTA - Como essa questão se
relaciona com o aspecto do segredo? Quando uma mulher descobre
que seu marido faz apostas na internet ou compra medicamentos ilegais na internet, isso não se assemelha de alguma forma a um adultério, pois o marido estaria praticando
um vício que não revela à mulher?
ROSS DOUTHAT - Certamente o
elemento do segredo determina as dimensões da traição.
E isso obviamente se enquadra a uma questão mais ampla
quanto às mulheres e cônjuges
que sabem que seu parceiro ou
marido usa pornografia ou...
PERGUNTA - ... assistem a filmes
pornográficos com ele.
DOUTHAT - Exato. Bem, essa é
uma espécie de segunda ordem
das coisas, mas vamos começar
pelas pessoas que apenas sabem a respeito e aceitam.
Seria possível dizer que, nesses casos, não existe traição,
porque as pessoas sabem o que
está acontecendo e, portanto,
sem traição não se pode alegar
adultério.
Creio que o ponto seja justo,
evidentemente, como forma de
julgar a gravidade moral do
comportamento de alguém.
Se você está assistindo a pornografia pesada e sua mulher
sabe disso, é evidente que você
a está traindo em nível menos
profundo do que seria o caso se
ela não soubesse a respeito.
PERGUNTA - De maneira semelhante, seria apropriado dizer que pessoas que vivem um relacionamento
aberto podem cometer adultério?
DOUTHAT - As pessoas que se
envolvem em um casamento
aberto estão muito cientes de
que, na prática, alteraram a definição de casamento de modo
a excluir a possibilidade de
adultério.
E, no caso da pornografia, ao
tolerar os hábitos de consumo
de pornografia de um marido, a
pessoa estaria, do mesmo modo, mudando a definição de casamento de uma forma que
acredito que as pessoas não estão dispostas a admitir.
PERGUNTA - É possível argumentar
que ir a um clube de striptease é
muito pior do que assistir a um filme
pornô -pois, neste caso, estaria
apenas vendo pixels em uma tela.
Mas o sr. sugere que esta nova forma de pornografia é mais insidiosa.
DOUTHAT - Há duas distinções
quanto a isso. Temos uma distinção entre realidade e fantasia que é lícito fazer. Creio que,
quanto mais próxima de sexo
real for a forma de atividade sexual, mais próxima ela está do
adultério.
Em um clube de striptease ou
contemplando mulheres bonitas na edição de trajes de banho
da "Sports Illustrated" ou na
"Playboy", a pessoa ainda estaria no mundo da fantasia, porque se trata de pessoas sexualmente inatingíveis.
Marilyn Monroe, na "Playboy", não fará sexo com você. A
dançarina de striptease não vai
descer do palco e fazer sexo
com os sujeitos que a cercam e
oferecem dinheiro -ou, se o fizer, isso será porque ela também é prostituta, além de dançarina de striptease.
Mas a mulher em um vídeo
pornô pesado não está apenas
permitindo que seu corpo seja
usado como objeto das fantasias masculinas. Está fazendo
sexo de verdade, e não para ela
ou seu parceiro: ela o faz para o
consumidor, o espectador.
Uma vez mais, não estou afirmando que se masturbar assistindo a vídeos pornôs é equivalente a intercurso físico.
Digo apenas que talvez fosse
válido refletir um pouco mais
sobre o que de fato acontece no
caso de alguém que paga para
receber um vídeo de sexo pesado e o assiste se masturbando
em sua casa.
PERGUNTA - O sr. mencionou a
"Playboy". Considera esse tipo de
pornografia, de alguma maneira,
superior -isto é, o modelo "adulto"
proposto por Hugh Hefner, que envolve beber um bom vinho e ler um
artigo de William Buckley Jr. [escritor conservador norte-americano,
1925-2008] enquanto contemplamos mulheres nuas?
DOUTHAT - Claro: se você imagina que existe um contínuo moral envolvido nessas coisas, teria de estar disposto a afirmar
que a "Playboy" não é tão ruim
quanto pornografia pesada.
Não sei se o termo "superioridade" se aplica -um mal menor, talvez.
Existe um ponto no qual a
pornografia se transforma em
arte, obviamente, e esse costuma ser um dos argumentos
apresentados por aqueles que
acreditam que não seja lícito
restringir a pornografia, porque a linha que separa arte de
pornografia não é tão clara.
E isso é verdade, a partir de
certo ponto -mas não acredito
que seja verdade no que se refere à revista "Playboy".
PERGUNTA - O sr. diz que a ideia de
usar pornografia é basicamente um
fenômeno masculino. Mas, para
muitas mulheres, ler livros românticos é mais excitante do que assistir
ao que parece ser em geral pornografia barata e mal produzida. O sr.
consideraria adultério ler descrições
de atos sexuais explícitos e usá-las
como fantasia?
DOUTHAT -
Creio que o nível de
realidade presente na pornografia pesada não está presente
nesse tipo de coisa. A distinção
crucial é que você não está implicando outra pessoa no ato.
Pelo mesmo motivo, acredito
que uma mulher se sinta mais
traída ao descobrir que o marido assina um serviço de pornografia pesada do que, por exemplo, uma revista de variedades
para homens.
PERGUNTA - O sr. cita uma frase de
Jesus, no Evangelho de são Mateus:
"Quem quer que olhe para uma mulher com luxúria já cometeu adultério com ela em sua coração". O sr.
considera que chegou à sua conclusão pensando autonomamente ou
acredita que tenha sofrido influência da tradição cristã?
DOUTHAT -
O fato de eu ser cristão indubitavelmente influencia meu pensamento sobre isso.
Por outro lado, o argumento
que proponho em meu texto
não é o argumento que a Bíblia
defende.
De fato, é bastante diferente.
Jesus está falando de um fenômeno muito amplo, afirmando
que qualquer coisa que envolva
infidelidade, de intercurso a luxúria não consumada, deveria
ser descrita como adultério.
Já eu tento estabelecer distinções entre diferentes formas
de adultério e descobrir como
elas se alinham no contínuo -e
em seguida afirmo que, embora
muitas pessoas pensem em
pornografia como equivalente
da luxúria não consumada, na
verdade ela fica muito mais
perto do sexo físico.
PERGUNTA - No seu blog, o sr. defende vigorosamente que as leis de
combate à prostituição sejam aplicadas com rigor. A pornografia está
envolvida nessa discussão?
DOUTHAT - Não. Não creio que
estejamos em um momento,
especialmente na vida americana, em que haja discussão expressa em termos de proibir ou
permitir a pornografia.
Creio que passamos desse estágio -em lugar de dizermos
que pornografia é má, mas deve
ser tolerada, estamos dizendo
que ela não é má de maneira
nenhuma. E é contra isso que
estou tentando reagir.
O problema quanto ao ponto
em que hoje estamos, no que
diz respeito à pornografia, não
é que os norte-americanos estejam cercados de tentação e
ocasionalmente cedam, mas
sim a tendência de que isso deixe de ser considerado como
tentação.
Imagino que não seja realista
imaginar que a pornografia um
dia possa desaparecer de todo.
Mas é preciso que exista um
equilíbrio entre idealismo e
realismo -é preciso que existam ideais aos quais aspiramos,
ainda que saibamos que a maioria das pessoas não é capaz de
realizá-los.
Este texto saiu no site da "Atlantic Monthly".
Tradução de Paulo Migliacci.
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