São Paulo, domingo, 5 de abril de 1998

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LIVROS - HISTÓRIA DA AMÉRICA LATINA
Síntese da colônia

Reprodução
"Brasileiro", gravura de Theodoro Viero (1791)




Edusp publica o primeiro de dez volumes da "História da América Latina"
MARCO ANTONIO VILLA
especial para a Folha

Professores e estudantes de história da América encontram enorme dificuldade quando procuram no Brasil os títulos indispensáveis para a disciplina editados em língua portuguesa. Até hoje, estudos clássicos, como os escritos por Robert Ricard, Friedrich Katz, Charles Gibson, Jacques Lafaye, John Murra, David A. Brading, Nathan Wachtel, entre tantos outros, continuam inéditos em português. A maioria das editoras, inexplicavelmente, considera que não há mercado para esses títulos, a despeito da obrigatoriedade no currículo mínimo de história exigido pelo MEC da disciplina história da América. Há, portanto, número expressivo de leitores em potencial. Felizmente, a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp) pensa o contrário, pois nos últimos anos lançou importantes títulos na área, ajudando a sanar a defasagem entre a produção historiográfica da área e os leitores brasileiros.
A Edusp acabou de publicar o primeiro volume da coleção "História da América Latina", referente à história da América colonial, obra coletiva, sob a responsabilidade do historiador britânico Leslie Bethell, professor da University College of London, e que tem vários estudos publicados sobre a história do Brasil. A coleção, composta de dez volumes, dedicou apenas dois deles ao período colonial, dando maior ênfase à história da América Latina dos séculos 19 e 20.
O primeiro volume é dividido em três partes. Na primeira, é formulada ampla visão sobre a América às vésperas da conquista ibérica, inclusive o Brasil, em três capítulos, escritos por Miguel León-Portilla, John Murra e John Hemming, destacando-se especialmente o ensaio de Murra, professor de antropologia da Cornell University, autor que pela primeira vez é publicado em português (algum editor poderia fazer um belo gesto traduzindo para a nossa língua a obra-prima de Murra, "A Organização Econômica do Estado Inca"). A segunda parte, a melhor do volume, reservada às estruturas econômicas e políticas da América ibérica, estende-se por oito cuidadosos capítulos, dentre os quais se destacam os textos de J.H. Elliot, H.B. Johnson, Murdo J. Macleod, D.A. Brading e Nathan Wachtel (aguardamos também a tradução do seu clássico "A Visão dos Vencidos - Os Índios do Peru durante a Conquista Espanhola"). Na terceira parte, são dedicados dois estudos à ação da Igreja Católica na América Latina no período colonial, escritos por Josep M. Barnadas e Eduardo Hoornaert.
"História da América Colonial" não só reúne importantes especialistas, que transformaram a coleção em referência obrigatória, mas também está muito bem editada, a partir da capa, do projeto gráfico, dos mapas e de um índice remissivo, algo incomum nas edições brasileiras, mas que é uma característica dos livros publicados recentemente pela Edusp.
Entretanto, não se justifica a opção do editor de retirar do primeiro volume o capítulo dedicado às Antilhas, existente na edição original em língua inglesa, pois foi justamente lá que começou a conquista -onde os espanhóis permaneceram cerca de 30 anos antes de iniciar a invasão do continente americano- e o início do holocausto indígena. Como é sabido, os primeiros textos escritos pelo dominicano espanhol Bartolomé de Las Casas, denunciando o genocídio indígena, tem as Antilhas como cenário principal.
Nesse volume, nota-se a ausência de historiadores brasileiros, pois dos 13 capítulos, 5 foram dedicados à América portuguesa (Eduardo Hoornaert, que escreveu o capítulo sobre a Igreja Católica no Brasil colonial, pode ser considerado um neobrasileiro), isto quando a nossa historiografia, especialmente a colonial, acabou não recebendo contribuição tão significativa de historiadores estrangeiros como ocorreu (e ocorre) com a América espanhola. Outro pequeno problema são as 90 páginas para os comentários da bibliografia do volume, pois como foi publicado originalmente em 1984 pela Cambridge University Press, há evidente desatualização, decorrente do fato de que não incorporou os inúmeros textos publicados durante as comemorações do quinto centenário da conquista da América, em 1992, inclusive dos próprios autores deste livro, especialmente porque a coleção tem como proposta "produzir uma síntese de alto nível do conhecimento atual, que possa oferecer aos historiadores da América Latina uma sólida base para pesquisa futura" (pág. 14).
Também em relação à bibliografia, vale destacar que diversos livros citados já têm tradução em português ou espanhol, sendo útil a lembrança deste fato ao leitor. Deve ser ressaltado que, a despeito da dedicação da tradutora Maria Clara Cescato, um volume de 700 páginas sobre temas tão específicos mereceria uma revisão técnica por parte da editora, o que não será problema para a Edusp, pois o departamento de história da Universidade de São Paulo deve possuir especialistas na área.
Estas últimas observações em nada diminuem a importância desse lançamento da Edusp, que certamente se tornará livro de consulta indispensável para os professores e estudantes de história da América colonial. Aguardamos os próximos volumes.


Marco Antonio Villa é professor de história da Universidade Federal de São Carlos e autor de "A Queda do Império", "O Nascimento da República" e "Canudos - O Povo da Terra" (Ática).



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