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+(s)ociedade
Turismo radical
Editor britânico reconta passeios por países taxados de "maus", como Irã e Coreia do Norte
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
Para quem sai em férias em busca de destinos exóticos, o livro
"Bad Lands" (Terras
Más) apresenta uma
abordagem diferente: junta turismo e análise política de nove
países "vilões".
Tony Wheeler, fundador da
editora de guias de viagem Lonely Planet, que lançou o livro,
escreve sobre o turismo no "eixo do mal", tomando de empréstimo a expressão cunhada
por George W. Bush, ex-presidente dos EUA (2001-09).
O britânico radicado na Austrália chegou a elaborar um
"medidor de maldade" para os
países.
Sem números de telefone ou
endereços das atrações, segue
mais a forma de crônica do que
de guia; com bom humor, o autor reconhece que sua classificação não é muito científica.
Assim, o leitor não deve se
espantar se Cuba não merece
um ponto de maldade por cultuar a personalidade de Fidel
Castro: "Lá as imagens e estátuas são quase todas reservadas a um sujeito mais fotogênico, Che Guevara", escreve.
Em entrevista à Folha,
Wheeler comenta o potencial
turístico desses países e avalia
a maldade do Brasil.
FOLHA - Então existe um eixo do
mal para nos preocupar?
TONY WHEELER - Usei a expressão como forma de explicar o livro. Quando Bush disse que havia três países [Irã, Iraque e Coreia do Norte] no Eixo do Mal, a
primeira coisa que pensei foi:
gostaria de visitá-los.
FOLHA - Por que incluiu Cuba?
WHEELER - Incluí porque todo
presidente dos EUA desde 50
anos atrás dizia que Cuba é um
país mau, que deveria ter um
governo diferente. Há um embargo ao país e turistas norte-americanos não deveriam visitá-lo. É loucura, mas é o que os
americanos dizem.
FOLHA - As atuais mudanças de dirigentes nos EUA e em Cuba tornam
necessário tirar o país do livro?
WHEELER - Não, pois todos perguntam "o que acontece agora?". Os EUA aceitarão Cuba do
jeito que é atualmente? A Venezuela não pode sustentar Cuba por muito tempo, a pressão
pela democracia cresce, portanto o país é ainda mais interessante agora.
FOLHA - Como funciona o "medidor de maldade"?
WHEELER - Perguntei-me: "por
que um país é mau?". Elenquei
algumas razões.
Como é esse país para seus
próprios cidadãos? Em alguns
casos, eles são muito maus com
a população. Em Mianmar,
houve uma eleição [em 1990,
vencida pela Liga Nacional pela
Democracia] e a líder dos vencedores, Aung San Suu Kyi, foi
posta em prisão domiciliar pelo
governo e ficou assim a maior
parte dos últimos 19 anos. A
Coreia do Norte deixa milhões
de pessoas morrerem de fome.
Também me perguntei se o
país é uma ameaça aos demais.
O Iraque, certamente -invadiu
o Irã, o Kuait. A Coreia do Norte ameaçou todos em volta.
Não dá para olhar os países
sem falar em terrorismo. Alguns desses certamente patrocinaram o terrorismo, mas outros não. Os EUA pregam que
Cuba é um país mau. Não tem
muita democracia, sim, o governo nem sempre cuida de sua
população, mas não ameaça outros países e não sustenta o terrorismo. Portanto, nem todas
as razões para um país ser
"mau" se aplicam necessariamente a esses países.
FOLHA - Como o Brasil iria se sair
em seu medidor?
WHEELER - Não creio que teria
uma nota muito alta de maldade. Os brasileiros parecem se
dar bem com seus vizinhos, diferentemente da Venezuela ou
da Colômbia, por exemplo. O
Brasil não tem ligação com ataques terroristas, tem?
Entretanto acho que não deve ser muito divertido estar
num presídio brasileiro. E certamente há uma reputação em
termos de assalto a turistas! No
meu caso, só fui roubado depois
de sair do país: alguém copiou
meus dados de cartão de crédito e os levou numa longa e cara
jornada Brasil afora.
FOLHA - O livro "Afeganistão", de
sua editora, recomenda que façamos cursos de treinamento para situações de emergência antes de ir
ao país. Qual é sua abordagem?
WHEELER - Não fiz cursos de segurança. Talvez devesse ter feito, mas não tive nenhum problema. Talvez eu seja sortudo
-"bato na madeira"-, mas viajei a esses lugares sem dificuldade. Não fui aos lugares perigosos do Iraque. Partes do país
são relativamente seguras.
O único país realmente perigoso é o Afeganistão. Mas é
mais perigoso em algumas partes do que em outras; em certas
áreas, não temi pela minha segurança em absoluto.
FOLHA - Que lugares são esses?
WHEELER - No Afeganistão, fui à
capital, Cabul; a Herat, uma das
maiores cidades do país; Mazar-i-Sharif, no norte; no interior, Bamiyan, onde havia as estátuas de Buda, destruídas pelo
Taleban; fui aos belos lagos de
Band-e-Amir, na região central; ao vale do Panshir, onde
costumava operar a liderança
da Aliança do Norte. Não fui a
Kandahar -lá é o lugar mais
perigoso.
FOLHA - Mas e Cabul, não é?
WHEELER - Sim, há carros-bomba e tudo o mais. Acho que tive
sorte. A situação lá hoje aparentemente é a mesma de
quando a visitei. Não é uma cidade "segura", mas tampouco é
uma zona de guerra -como
Mogadício [Somália]- ou um
lugar onde a violência mais
horrorosa pode acontecer a
qualquer momento -como
Bagdá. É uma cidade onde dá
para levar uma vida mais ou
menos normal -e a maioria das
pessoas está tentando fazer
exatamente isso.
Kandahar ainda é a cidade
mais perigosa do país.
FOLHA - Dá para viajar sem a companhia de um profissional?
WHEELER - Só em dois dos países viajei com um grupo. Um foi
a Coreia do Norte. Lá é muito
complicado; acho que seria impossível entrar lá sozinho.
Na Líbia seria muito fácil viajar sozinho, não há razão para
não o fazer. Mas as autoridades
líbias tornam muito difícil a obtenção de visto para quem viaja
só. Por isso, parte da viagem lá
foi com um grupo.
Fui sozinho a todos os outros
países -quero dizer, só ou
acompanhado de minha mulher ou minha filha.
FOLHA - Em seu livro, o sr. compara
a Coreia do Norte à ficção. É uma história de horror ou um filme para toda a família?
WHEELER - Nenhum. É uma pintura de Salvador Dalí, é surreal.
Você sente a criação artificial.
FOLHA - Isso é por causa da grande
diferença entre o que as autoridades
"vendem" e o que a população mostra para você?
WHEELER - Sim. Aquilo não é
real.
FOLHA - Pode indicar algumas visitas obrigatórias nesses países?
WHEELER - Fui à Líbia interessado nas ruínas romanas, no
Mediterrâneo, como Leptis
Magna. O que eu não esperava
era ficar tão impressionado pela beleza do [deserto do] Saara.
Se Mianmar algum dia tiver
um bom governo, haverá muitos turistas por lá, pois é um
país muito interessante, tem
atrações similares às de países
como a Tailândia. Tem alguns
dos mais impressionantes sítios budistas no mundo, a antiga capital, Mandalay, e praias.
A Arábia Saudita recebe muitos visitantes muçulmanos que
vão em peregrinação a Meca e
Medina. Há poucos visitantes
diferentes disso, mas há muita
coisa interessante para ver lá.
FOLHA - Do que viu em cada país,
acha que esses lugares permanecerão "terra má" nos próximos anos?
WHEELER - Todos os países estão mudando em alguma medida. Não vejo como a Coreia do
Norte poderia continuar como
está para sempre.
O que mantém a força da
Arábia Saudita? O preço do petróleo. Quando for encontrado
um substituto para o petróleo,
quando sairmos do "vício do
petróleo", seu poder vai evaporar. O governo vai ter de mudar.
Achei o Irã muito interessante. Os iranianos são muito educados, cientes do status de seu
país no mundo. O governo é estranho. Não é perfeitamente
democrático, mas de certo modo é um dos mais democráticos
do grupo.
FOLHA - Esse paradoxo hoje é ainda mais forte, não?
WHEELER - Pessoas morreram
na sequência da eleição [do mês
passado], mas o governo não
pôs tanques na rua para atirar
em todos. Teerã não se transformou numa praça Tiananmen. É um povo educado e engajado, que quer mudança.
Leia também entrevista
com o escritor Daniel
Kalder, sobre destinos nas
ex-repúblicas soviéticas
www.folha.com.br/091832
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