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PONTO DE FUGA
Em memória do que sinto
JORGE COLI
especial para a Folha,
em Nova York
No Museu de Arte Contemporânea (MoCA), de Los An
geles, há uma exposição sobre Frank O'Hara (1926-1966).
Ele foi o poeta maior de uma
geração mítica. Ligado às artes,
exerceu funções oficiais no
MoMA, em NY, ou selecionando obras americanas para as
bienais de Veneza, Kassel e, em
1957 e 1961, São Paulo. Mais do
que isso, soube estimular o
meio criador de seu tempo, fazendo agir uma personalidade
leve e fugaz, sem jamais impor-se como mentor ou líder. Ele
devia ser parecido com sua
poesia, na qual a linguagem é
sempre corrente e casual,
abrindo-se para emoções silenciosas sem pompas nem
poses. Era avesso ao dogmatismo. Ligou-se, em época de correntes muito antagônicas, a todas as formas artísticas novas e
fortes, mesmo quando elas se
excluíam e se opunham: estava
no centro, foi "amigo, modelo,
musa, colaborador e crítico",
como enumera o catálogo,
próximo tanto da "Action
Painting" quanto das novas figurações.
A mostra evoca uma invejável efervescência, na qual escrita, pintura, cinema e música se
incitavam umas às outras. Algumas vezes O'Hara intervinha com textos em desenhos e
colagens, colaborando com
Norman Bluhn e Joe Brainard:
o humor abria-se então para a
"Pop Art". Em outras, sua poesia inspirava obras; "In Memory of My Feelings" determinaria um dos quadros mais essenciais de Jasper Johns, que
roubou o título do poema, a ele
acrescentando apenas "Frank
O'Hara".
Fragmentos - Há excelentes retratos de O'Hara. Alex
Katz figurou-o como marinheiro: seu nariz quebrado
no perfil rigoroso evoca imediatamente o Montefeltro de
Piero della Francesca. Um de
seus "cutouts" aprisiona o
modelo numa atitude ausente. Larry Rivers representou-o num grande quadro, nu,
ostensivamente sexuado e
heróico. Jasper Johns, em
1961, tomara o molde, em
gesso, da planta do pé de
O'Hara. Mais tarde, O'Hara
escreveria, num poema para
Johns: "Quando eu penso
em você na Carolina do Sul,
penso no meu pé sobre a
areia". Quatro anos depois
da morte do poeta, em acidente ocorrido na praia de
Fire Island, Johns fabricava
um objeto "dada-pop", comovente e fetichista. O relevo do pé foi incorporado sob
uma tampa, articulada por
dobradiças, a uma caixa de
madeira. Essa caixa contém
três gavetas repletas de areia,
que podem ser dispostas de
maneira a receber a marca
impressa da pegada, como o
pé faria na praia. A sensação
efêmera, de inesperado tom
proustiano, é assim capturada, para sempre, em obra para museus ou colecionadores. Seu título é "Memory
Piece (Frank O'Hara), 1961-70".
Arco-íris - Os "Mighty Wurlitz Organs" -órgãos que
acompanhavam a ação dos filmes mudos- são hoje muito
raros. Um dos que sobraram,
magnífico de sonoridades eufóricas, cheio de timbres e percussões, encontra-se no "Castro", cinema de San Francisco
inaugurado em 1924, que atravessou intacto os tempos. A sala é recoberta de relevos, ouros,
pinturas, e as sessões são precedidas por um concerto. Quadro perfeito para os melodramas de Douglas Sirk, ali apresentados numa atual retrospectiva.
Metrópole - Em Chicago,
"inventou-se" o arranha-céu, e
de Sullivan, no século passado,
até hoje, passando por inúmeras obras de Wright, a cidade
reúne edifícios de importância
e qualidade excepcionais. "The
Chicago Architecture Foundation" propõe visitas sérias e
bem-feitas: uma, de barco, é
propriamente deslumbrante.
Ela permite o panorama visto
do lago e a penetração no tecido urbano pelo rio. Kenzo
Tange, Ricardo Bofill, Cesar
Pelli, os alvéolos de Bertrand
Goldberg, o mágico "Nuveen
Building", de Kohn Pedersen
Fox, sucedem-se, em espetáculo.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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