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A guerra das palavras
Pais pressionaram direção
de colégio a demitir
professor -"disseram-me
que havia um parecer
de psicólogos e juristas
condenando a combinação
de professor
e escritor", afirma;
instituição não
se manifesta
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Poeta e professor de literatura, Oswaldo
Martins Teixeira, 47,
foi demitido no dia 11
de setembro da Escola Parque do Rio de Janeiro,
onde lecionava para turmas de
7º e 8º anos do ensino fundamental. Pais de alunos descobriram que Teixeira escreve
poemas eróticos; ele os publicou em livros e em um blog. Pediram a cabeça do professor.
A escola moderna, construtivista, mensalidade de R$ 1.161,
unidades na Barra da Tijuca e
no aristocrático bairro da Gávea, que funciona sob o lema
"Uma escola que estimula a expansão cultural", demitiu.
Formado em letras pela Pontifícia Universidade Católica, o
professor Teixeira obteve o título de mestre na Universidade
Estadual do Rio de Janeiro,
com a dissertação "Erotismo e
Gramática, Índices da Defloração - Uma Leitura de Manoel
de Barros", de 1992.
Há quatro anos, prepara seu
doutorado na Universidade Federal Fluminense sobre o poeta, escritor e dramaturgo italiano Pietro Aretino (1492-1556).
"Diverti-me escrevendo os
sonetos que podeis ver. A indecente memória deles, eu a dedico a todos os hipócritas, pois
não tenho mais paciência para
as suas mesquinhas censuras,
para o seu sujo costume de dizer aos olhos que não podem
ver o que mais os deleita."
O texto é de Aretino. Refere-se aos "Sonetos Luxuriosos",
escritos em linguagem explícita a partir de 16 gravuras eróticas de Giulio Romano, discípulo de Rafael Sanzio, um dos
maiores mestres em pintura e
arquitetura, contemporâneo
de Michelangelo e Da Vinci.
Aretino e Giulio Romano
nasceram no ano da descoberta
da América, durante o Renascimento das carnes e dos sentidos. Juntos, elaboraram uma
obra-prima do despudor.
"Ousei criar poemas à moda
de Aretino", justifica o professor em tempos politicamente
corretos.
Autor de quatro livros publicados pela 7 Letras -"Desestudos" (2000), "Minimalhas do
Alheio" (2002), "Lucidez do
Oco" (2004) e "Cosmologia do
Impreciso" (2008)-, Teixeira
mantém um blog (http://
osmarti.blogspot.com).
"a alice no país das baboseiras/ é uma garota esperta//
prefere foder com a coleguinha/ usar celular/ batom//
cortar as cabeças/ dos mendigos." O poema figura na "Cosmologia do Impreciso".
Fogueira ardendo
Foi na preparação da Semana Literária da Escola Parque
(realizada em maio) que a fogueira do professor começou a
arder. "A coordenação me pediu que fosse às salas de aula do
7º e do 8º anos para divulgar o
meu processo de escrita e o
blog. Contei como eu criava, falei de minha paixão pela literatura, tentei mostrar que inclui
saber ler as estrelas no céu, os
passos até a banca de jornal."
Na mesma semana, os garotos deram um "google" e descobriram o blog do professor na internet. Escândalo.
Pais foram até a coordenação
pedagógica reclamar do que
consideravam ser um conteúdo
inadequado, pornográfico, obsceno. O professor foi chamado
a se explicar: "Eu disse que não
via problema nenhum, que a literatura erótica é tão antiga
quanto a própria literatura."
A lista de livros sugeridos
neste ano para os alunos do primeiro ano do ensino fundamental da Escola Parque inclui
"Poemas para Brincar" e "Olha
o Bicho", de José Paulo Paes
(1926-98). Um "google" no nome do poeta e vem "Fodamos,
meu amor, fodamos presto.
Pois foi para foder que se nasceu...". É a tradução dos "Sonetos Luxuriosos" de Aretino, que
Paes providenciou -a primeira
feita para o português.
Na biblioteca da Escola Parque, pode-se ler o livro "Belo
Belo e Outros Poemas" de Manuel Bandeira (1886-1968), o
mesmo autor de "A Cópula"
-só vendo.
A luta da poesia
Na Feira do Livro, edição de
2002 da Escola Parque, os alunos prestaram homenagem ao
poeta Carlos Drummond de
Andrade, cujo centenário era
comemorado naquele ano.
"A língua lambe as pétalas
vermelhas da rosa pluriaberta;
a língua lavra certo oculto botão, e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos. E lambe,
lambilonga, lambilenta, a licorina gruta cabeluda, e, quanto
mais lambente, mais ativa,
atinge o céu do céu, entre gemidos, entre gritos, balidos e rugidos de leões na floresta, enfurecidos."
No início de setembro, o professor Teixeira foi chamado para uma reunião no Instituto
Moreira Salles, que fica na mesma rua da Escola Parque.
Foi no local construído nos
anos 1950, um monumento ao
modernismo carioca, que se comunicou a demissão.
"Disseram-me que havia um
parecer de psicólogos e juristas
condenando a combinação do
professor com o escritor em
uma só pessoa", lembra Teixeira. "Não pude discutir com nenhum pai, não houve debate
nenhum", diz. "Impôs-se a
sombra da censura e do controle porque a escola simplesmente decidiu ceder a um grupo de
pais dos quais nem sequer sei
os nomes."
Casado há 24 anos, pai de
três filhos, o professor mora no
bairro de Laranjeiras. "Meu
problema não é a empregabilidade. Estou muito mais preocupado com o obscurantismo,
com a certeza dos censores. A
poesia luta contra isso. E foi
muito trabalho até me transformar em um poeta. Não posso abrir mão disso", diz.
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