São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Ponto de fuga

Grandezas, miudezas

"Eldorado", de Nelson Screnci, retoma Volpi para desmenti-lo; ao invés de reduzir tudo à geometria que simplifica, retoma esses edifícios um a um, na estrutura singular de cada aparência

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

A entrada é bem inquietante. São colunas jônicas formando um pórtico. Mas esse pórtico, esses fustes e esses capitéis, ao invés de luminosos como nos templos gregos, são de mármore negro, um negro tumular. Sentimento de austeridade opressora, de mistério que preserva segredos dos profanos.
Deviam ser segredos financeiros, porque o acesso severo foi concebido, nos anos de 1930, para a Caixa Econômica Federal, na Praça da Sé (São Paulo). Que virou um centro cultural bem ativo. Suas mostras são quase sempre finas, sutis; abrem-se para novidades confidenciais e, por isso mesmo, ainda mais preciosas.

Rol
Exposição "Releituras", com telas de Nelson Screnci, no térreo da Caixa Cultural da Sé. O pintor tem hoje pouco mais de 50 anos. Sua arte amadureceu, curtida em obsessões. Screnci ama a imagem das coisas, sobretudo quando já tratada por outros artistas. Entrega-se à história da arte de corpo e alma, a ponto de pintar, no quadro "O Museu Imaginário", um livro de Argan, cuja capa reproduz, por sua vez, um Matisse...
É fascinado ainda pela enumeração, pela classificação. As imagens, em seus quadros, dispõem-se por séries ordenadas. Detesta o gesto largo. Reduz tudo a uma escala miúda, que facilita a seqüência metódica. Uma densa floresta tropical, vista do alto como um oceano de verdes, figura árvore por árvore, em suas vidas particulares e distintas ("Vestígios na Mata", 2003).
"Eldorado", de 2001, soberba tela de quatro metros de comprimento, retoma Volpi para desmenti-lo. É uma paisagem urbana inteiramente preenchida por dezenas de casinhas geminadas, num sem-fim de fachadas, fundos, paredes laterais. Ao invés de reduzir tudo à geometria que simplifica, como Volpi faria, Screnci cuida de retomar esses edifícios um a um, na estrutura singular de cada aparência. Sua geometria não é feita de puras formas genéricas, mas individualizadas no infinito dos possíveis.
Screnci, um pintor fortemente original e de grandes qualidades, não ocupa ainda, nas artes brasileiras, o lugar elevado que lhe é devido.

Placas
Sempre na Caixa Cultural da Sé, uma outra exposição, "Figuras", reuniu obras de quatro gravadoras, mostradas no hexágono do primeiro andar. Conjunto meditativo e silencioso: são memórias transformadas pela imaginação.
Clima suave que eclode, por vezes, em inspiração convincente, bem vazada na técnica árdua do metal.
Nelas todas, há um tecido de sonho discreto: trens de Georgina Torres, em traços e manchas que se desvanecem; gato de Ruth Tarasantchi, água-forte que traz menos uma imagem do que a evocação aveludada dos passos e do olhar; personagens de Altina Felício, assediados por um grafismo nervoso e invasor; sombras aveludadas nas marinhas de Vera Chalmers, suas imagens voluptuosas de seres e de águas.

Elegância
De Ronaldo Miranda, autor de "A Tempestade", nova ópera apresentada no Theatro São Pedro (em São Paulo), sobre "Olga", nova ópera de Jorge Antunes, apresentada no Theatro Municipal (São Paulo), em mensagem enviada a esta coluna: "Fiquei encantado com a ária que Antunes criou para o Filinto Müller, sobre o Carnaval, com a simultaneidade visual e sonora do bloco carnavalesco, que passava cantando marchinhas de época... Fez-me lembrar o Villa-Lobos dos "Choros" nš 10 e sua capacidade de sobrepor melodias".


jorgecoli@uol.com.br


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