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Ponto de fuga
Grandezas, miudezas
"Eldorado", de Nelson Screnci, retoma Volpi para desmenti-lo; ao invés de reduzir tudo à geometria que simplifica, retoma esses edifícios um a um, na estrutura singular de cada aparência
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
A
entrada é bem inquietante. São colunas jônicas formando um pórtico. Mas esse pórtico, esses fustes e esses capitéis, ao invés de
luminosos como nos templos
gregos, são de mármore negro,
um negro tumular. Sentimento
de austeridade opressora, de
mistério que preserva segredos
dos profanos.
Deviam ser segredos financeiros, porque o acesso severo
foi concebido, nos anos de
1930, para a Caixa Econômica
Federal, na Praça da Sé (São
Paulo). Que virou um centro
cultural bem ativo. Suas mostras são quase sempre finas, sutis; abrem-se para novidades
confidenciais e, por isso mesmo, ainda mais preciosas.
Rol
Exposição "Releituras", com
telas de Nelson Screnci, no térreo da Caixa Cultural da Sé. O
pintor tem hoje pouco mais de
50 anos. Sua arte amadureceu,
curtida em obsessões. Screnci
ama a imagem das coisas, sobretudo quando já tratada por
outros artistas. Entrega-se à
história da arte de corpo e alma,
a ponto de pintar, no quadro "O
Museu Imaginário", um livro
de Argan, cuja capa reproduz,
por sua vez, um Matisse...
É fascinado ainda pela enumeração, pela classificação. As
imagens, em seus quadros, dispõem-se por séries ordenadas.
Detesta o gesto largo. Reduz tudo a uma escala miúda, que facilita a seqüência metódica.
Uma densa floresta tropical,
vista do alto como um oceano
de verdes, figura árvore por árvore, em suas vidas particulares e distintas ("Vestígios na
Mata", 2003).
"Eldorado", de 2001, soberba
tela de quatro metros de comprimento, retoma Volpi para
desmenti-lo. É uma paisagem
urbana inteiramente preenchida por dezenas de casinhas geminadas, num sem-fim de fachadas, fundos, paredes laterais. Ao invés de reduzir tudo à
geometria que simplifica, como
Volpi faria, Screnci cuida de retomar esses edifícios um a um,
na estrutura singular de cada
aparência. Sua geometria não é
feita de puras formas genéricas,
mas individualizadas no infinito dos possíveis.
Screnci, um pintor fortemente original e de grandes
qualidades, não ocupa ainda,
nas artes brasileiras, o lugar
elevado que lhe é devido.
Placas
Sempre na Caixa Cultural da
Sé, uma outra exposição, "Figuras", reuniu obras de quatro
gravadoras, mostradas no hexágono do primeiro andar.
Conjunto meditativo e silencioso: são memórias transformadas pela imaginação.
Clima suave que eclode, por
vezes, em inspiração convincente, bem vazada na técnica
árdua do metal.
Nelas todas, há um tecido de
sonho discreto: trens de Georgina Torres, em traços e manchas que se desvanecem; gato
de Ruth Tarasantchi, água-forte que traz menos uma imagem
do que a evocação aveludada
dos passos e do olhar; personagens de Altina Felício, assediados por um grafismo nervoso e
invasor; sombras aveludadas
nas marinhas de Vera Chalmers, suas imagens voluptuosas de seres e de águas.
Elegância
De Ronaldo Miranda, autor
de "A Tempestade", nova ópera
apresentada no Theatro São
Pedro (em São Paulo), sobre
"Olga", nova ópera de Jorge
Antunes, apresentada no Theatro Municipal (São Paulo), em
mensagem enviada a esta coluna: "Fiquei encantado com a
ária que Antunes criou para o
Filinto Müller, sobre o Carnaval, com a simultaneidade visual e sonora do bloco carnavalesco, que passava cantando
marchinhas de época... Fez-me
lembrar o Villa-Lobos dos
"Choros" nš 10 e sua capacidade
de sobrepor melodias".
jorgecoli@uol.com.br
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