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São Paulo, domingo, 06 de abril de 2003

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O jogo das subjetividades convergentes

free-lance para a Folha

O crítico de arte Fernando Cocchiarale, curador-geral do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, aponta fragilidades no discurso dos novos grupos de artistas e detecta pulsões agressivas em suas propostas. (JM)

Que pontos de contato o sr. vê (se é que existem) entre essas manifestações e a arte política dos anos 70?
Se os grupos nos anos 70 se formavam em torno de questões reais que a todos afetavam (a ditadura, por exemplo), atualmente eles se formam por uma espécie de empatia inter-subjetiva (que revela e traz à tona a crise do sujeito no mundo contemporâneo), cujo ritmo e configuração possuem uma fragilidade muito maior do que a forjada em torno de objetivos concretos coletivos. A fragilidade dos compromissos permanentes com idéias ou causas no cotidiano contemporâneo, sua configuração híbrida e mutante, guarda uma evidente relação com a nova realidade, tecida em rede, na qual relações são refeitas continuamente a partir de novas conexões.

A que atribui o surgimento de tantos grupos?
A consolidação da democracia no Brasil combinada com as questões essenciais do mundo contemporâneo aponta não mais para objetivos comuns a grandes grupos, antes representado pela utopia socialista, mas para aquilo que Foucault chamou de micropoderes. A luta social passa agora pelas inúmeras esferas constituídas por campos profissionais específicos ou por estamentos e minorias. Essa fragmentação de objetivos gera não só uma dispersão na esfera do sujeito como também na do objeto político. No campo das artes a subjetivação não se manifesta apenas no eixo da produção, mas no âmbito institucional. A existência de novos agentes como o curador (cuja subjetividade pode resultar no agrupamento de artistas em torno de temas e questões que os artistas não formularam) geram fatalmente uma tensão entre esses poderes. Não há nada de errado nisso. Ainda não possuímos um novo repertório ético, político e estético que substitua o velho repertório das grandes utopias coletivas do passado. Como a instância política, que no passado se opunha por seu caráter objetivo à subjetividade (separação entre público e privado), se confunde, hoje, com práticas e expectativas subjetivadas (uma espécie de neovoluntarismo), os objetivos das ações críticas de alguns artistas parecem ser fruto de pulsões agressivas, e não de objetivos claros que ampliem a base de apoio para o sucesso desses objetivos. Mais fundamental do que a consequência de suas propostas é o microespaço de sociabilidade interno às conexões que configuram, ainda que temporariamente, esses grupos. Desse ponto de vista o surgimento de tantos grupos de artistas e espaços independentes implica uma estratégia de inserção e visibilidade para o trabalho fundada numa sociabilidade possível entre subjetividades convergentes. Dificilmente essas alternativas substituirão a objetividade do mercado e do circuito de arte, mas os melhores artistas desses grupos têm por destino um lugar certo nas instituições que, agora, tanto criticam.


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