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Ponto de Fuga
Paixões sonoras
Muita gente se irrita com ópera; as vozes lhes parecem poderosas demais e os sentimentos, excessivos; é que, nesse universo de grandes anseios, as palavras se incham, graças à música, com intensidade emotiva
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Como é possível alguém
não se apaixonar por
ópera? Esse é um mistério para todos os que descobriram o prazer que ela provoca.
A ópera forma um mundo
único, feito de formas ao mesmo tempo sutis e veementes,
dirigidas às emoções e ao pensamento. Age sobre o ouvinte
de maneira avassaladora.
Muita gente, no entanto, se
irrita com ópera. As vozes lhes
parecem poderosas demais e os
sentimentos, excessivos. É que,
nesse universo de grandes anseios, as palavras se incham,
graças à música, com intensidade emotiva. Embebem-se de
expressividade, crescem com a
melodia, espalham suas significações pela orquestra. Ressoam para além daquilo que
devem dizer, carregam-se de
sentidos que, sozinhas, são incapazes de definir ou sequer de
sugerir.
As convenções da ópera privilegiam as vozes e ignoram o
físico ingrato de certos cantores, obrigados a representar no
palco galãs sedutores ou donzelas anêmicas. Esse é um aspecto intolerável para alguns.
Os que a amam sabem que a música transfigura e que o aspecto grotesco de alguns artistas desaparece sob a beleza dos
sons.
É verdade que hoje se busca,
com freqüência, o "physique du
rôle", e as montagens renovaram-se, atraindo novos espectadores e oferecendo outros
critérios para o gosto. Este
ponto é importante: a ópera é
um gênero impuro, que mescla
música, teatro, fascínio de cenários e de guarda-roupa suntuoso.
Pétala
Quem se apaixona por ópera
tenta sempre o proselitismo.
Não se conforma que outros sejam hostis ou indiferentes a essa forma de arte tão poderosa.
Busca compartilhar em todas
as ocasiões.
Aqui vai uma indicação, que é
um teste. Quem resistir a ela
não tem salvação, nunca irá para o céu da ópera. Trata-se de
"La Traviata", em DVD (Deutsche Grammophon), captada no
Festival de Salzburgo de 2005.
Tornou-se, imediatamente,
versão de referência. A protagonista é vivida por Anna Netrebko, para quem a natureza
nada poupou quando nasceu,
em 1971.
É linda, com um rosto distante e perdido, com pernas sublimes, que a montagem se encarrega de sublinhar. Sua voz é estupenda de timbre, de força, de
matizes. Seu modo de representar é intenso e verdadeiro.
Compartilha a produção com
Rolando Villazón e Thomas
Hampson, formidáveis ambos,
dirigidos por um Carlo Rizzi
que eletriza orquestra e elenco.
Criação
Enquanto as óperas contavam histórias nobres do passado, "La Traviata", em 1853, falava de uma prostituta contemporânea, que morrera tuberculosa. Willy Decker, o diretor
que a pôs em cena no Festival
de Salzburgo, inventou soluções magníficas e atualizou a situação.
Cisnes
No teatro São Pedro, em São
Paulo, no dia 15 de março, cantaram Niza Tank e Fiorenza
Cossotto o "Stabat Mater" de
Pergolesi. Duas artistas que tiveram belas e longas carreiras.
Niza Tank, como sempre, interpretou com musicalidade
nuançada. Fiorenza Cossotto
teve um nome muito célebre há
três ou quatro décadas. Os admiradores de Maria Callas a
odeiam. Callas estava frágil e
insegura na última ópera em
que atuou, uma "Norma", em
Paris. Cossotto, sua parceira
cheia de saúde, em forma atlética, aproveitou-se da fraqueza
da colega para soltar o vozeirão
e suplantá-la.
Quarenta anos depois, no
"Stabat Mater" de São Paulo,
foi comovente ouvir essas grandes damas do canto. Mostraram a arte que possuem e a voz
que o tempo lhes deixou: a primeira é muita, a segunda bem
mais do que se poderia esperar.
jorgecoli@uol.com.br
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