São Paulo, Domingo, 06 de Junho de 1999
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LIVROS
Luiz Alberto Bahia aposta na "saída evolutiva" em 'O Fenômeno Divino'
Sem sombra de pessimismo

MARCELO COELHO


da Equipe de Articulistas

Com menos de cem páginas, este "O Fenômeno Divino" não se presta a leituras apressadas. Reúne ensaios muito densos, que vão desde a meditação de cunho teológico à abordagem de temas contemporâneos como a ecologia e a globalização. Escrever "temas contemporâneos" já seria reduzir, entretanto, o escopo do livro.
Fala-se com frequência, hoje em dia, do "próximo milênio" -já ouvi até previsões sobre as "tendências da moda para o próximo milênio"-, mas são raras as reflexões, as prospecções quanto ao destino humano, que se mostrem à altura da dimensão temporal que o termo denota.
Luiz Alberto Bahia parte do reconhecimento, não da existência de um Deus conforme qualquer dogma religioso, mas do que chama "o fenômeno divino": algo como a rejeição, cuja presença podemos verificar introspectivamente, das limitações e imperfeições de nossa existência. Trata-se do sentimento que temos da transcendência, da aspiração a uma perfectibilidade, do senso, se podemos assim dizer, de uma evolução "cósmica", de um destino maior do que o concebível dentro dos quadros da experiência empírica.
Tudo isso pode ser entendido, por certo, como uma questão de fé; mas distingue-se daquilo que o autor chama de "crença" -a representação simbólica, tentada pelas diversas religiões, desse sentimento. Mais do que um corpo de doutrina, essa sensação do divino seria como que a matriz dos valores e das esperanças do homem.
A essas esperanças o autor adere sem sombra de pessimismo, mas sem nenhuma ingenuidade tampouco. A proliferação dos nacionalismos, a pertinácia dos instintos agressivos no homem, a dualidade entre o "ser" e o "ter", as questões da propriedade, da superpopulação, do meio ambiente e da miséria recebem neste livro um tratamento sucinto, mas de larga visada. As próprias tarefas da ciência no próximo milênio são enunciadas -de modo, a meu ver, audacioso demais- nos quadros de uma "saída evolutiva" para além da finitude individual, social e planetária.
Os textos sobre a relação da propriedade privada com o nacionalismo e com a ecologia, ou sobre os desafios da organização política nas megalópoles, articulam-se de modo cerrado com os pressupostos mais amplos do autor. Inspirado no pensamento de Teilhard de Chardin, nas religiões orientais e numa versão altamente abstrata do kardecismo, este livro é contudo estimulante mesmo para quem não se situe com conforto dentro desse arcabouço conviccional.
Costuma ser raro em jornalistas o talento para a especulação abstrata; por decorrência natural do ofício, importa o fato imediato, a circunstância empírica, o dado palpável. Luiz Alberto Bahia fez uma longa carreira como jornalista -foi diretor do "Correio da Manhã", editorialista do "Jornal do Brasil" e do "Globo", além de ter mantido coluna diária nesta Folha, de cujo Conselho Editorial é o decano. Mas ao currículo na imprensa acrescenta o de teórico político, como "fellow" do "Center for International Affairs" da Universidade de Harvard e membro associado do "Center of Latin American Studies" de Cambridge.
Nas reuniões do Conselho Editorial, pude admirar muitas vezes o brilho com que Luiz Alberto Bahia sabe usar os conceitos habitualmente incolores da ciência política, formulando teses ao mesmo tempo originais, rigorosas e elegantes. Ele me disse que este seu livro era "um livro da velhice". A despeito do estilo austero e das altitudes, por vezes escarpadas, de suas cogitações, "O Fenômeno Divino" tem, ao contrário, todo o frescor e a criatividade da juventude. Diante dos quais, é forçoso confessar, o ceticismo deste resenhista às vezes pigarreia um pouco.



A OBRA
O Fenômeno Divino e Outras Convicções - Luiz Alberto Bahia. Ed. Dublin (r. Visconde de Carandaí, 6, CEP 22460-020, SP, tel. 021/540-0130). 96 págs. R$ 14,00.




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