São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

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Pesquisas reavaliam resistência no Brasil

DOCUMENTOS RECÉM-PUBLICADOS PERMITEM CONHECER GRUPOS ANTIFASCISTAS E ANTINAZISTAS

ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO

A abertura para consulta pública de arquivos do Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), em 1994, e do Itamaraty, em 1995, possibilitou a pesquisa em uma frente pouco explorada da historiografia brasileira: a resistência local ao fascismo e ao nazismo. Mas seu peso na política sul-americana está longe de ser consenso.
É ponto pacífico que grupos fascistas gozavam de uma situação privilegiada no Brasil, um país onde a elite admirava a ascensão econômica alemã, onde a classe trabalhadora era facilmente permeável à política populista e onde setores da Igreja Católica apoiavam a direita em ascensão.
O que se investiga agora é se o contraponto ideológico oferecido por movimentos como o Áustria Livre ou o Alemães Livres foi atropelado por um Estado ideologicamente alinhado com os países do Eixo.
Para Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação, da USP, a sociedade "permitiu a livre circulação da extrema direita por vários canais", enquanto a polícia perseguia comunistas e judeus, identificados sem distinção como "revolucionários", tidos como participantes de um complô.
Desde antes do primeiro governo Getúlio Vargas (1930-45), publicações antissemitas, como as edições dos "Protocolos dos Sábios do Sião", tornavam-se populares, mas foi em meados da década de 30 que periódicos como "A Ordem" e "Vozes de Petrópolis" tiveram atuação mais intensa nas campanhas direitistas.
A extinção de seus partidos políticos, em 1937, não encerrou as atividades dos grupos fascistas brasileiros.
O Proin (Projeto Integrado Arquivo do Estado/Universidade de São Paulo) trabalha atualmente com documentos, descobertos no ano passado nos arquivos do Deops, em São Paulo, que mostram o tratamento dado aos grupos de reação contra o nazifascismo.
Segundo Carneiro, esse tipo de descoberta está ajudando a "reescrever a história política do Brasil".
Conclui-se, por exemplo, que o apoio brasileiro aos fascismos, embora tivesse participação popular, vingou com maior facilidade porque gozou da liberdade de expressão que o chamado "complô judaico-comunista" não teve.
"De 1930 a 1942 [ano em que o Brasil entra na guerra], não há vigilância de nazistas, fascistas ou integralistas. Eles eram até publicados, os integralistas tinham apoio de intelectuais leigos católicos", lembra a professora da USP.
Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra, a bipolaridade política brasileira atingiu um auge: os documentos mostram o início de uma vigilância sobre alemães e austríacos, mas os investigados pertenciam aos movimentos antinazistas. "Seus membros foram presos, fichados, tratados como "súditos do Eixo'", conta Carneiro (leia mais no texto ao lado).

Autoajuda
Francisco Carlos Teixeira da Silva, professor de história na Universidade Federal do Rio de Janeiro, pondera sobre a importância da resistência ao nazifascismo no Brasil e no mundo.
"Hoje tem sido valorizada a resistência quase como um acerto de contas, para dizer que "havia alemães bons", absolver a população. Políticos alemães valorizam uma resistência que jamais pôs em risco aquele regime para dizerem que são herdeiros dessa tradição. A resistência antinazista e antifascista na Itália e na Alemanha foi irrelevante. A visão de mundo era tão poderosa que a paralisava."
No caso do Brasil, mesmo reconhecendo que grupos antifascistas e antinazistas tenham militado para influenciar a intelectualidade brasileira, Teixeira da Silva conclui: "É muito significativo o suicídio de Stefan Zweig [em 1942] -não havia mais o que fazer".
O professor diz que a resistência antinazista tinha menos a pretensão de reverter a política alemã do que de formar, na prática, "círculos de autoajuda, para não chegar à conclusão de que era o fim e se suicidar, como fizeram Zweig ou Walter Benjamin".
Questionado pela reportagem se tais movimentos puderam reverter o trabalho ideológico dos "fasci" -que alinhava a política brasileira ao Eixo-, determinando a adesão brasileira ao lado dos Aliados, Teixeira da Silva é peremptório.
"A tese de um Brasil oscilante [entre Eixo e Aliados], com Vargas negociando com os dois lados, é insustentável. O Brasil dependia economicamente dos EUA e seria ocupado por eles se entrasse para o Eixo."
Para o especialista, falta à pesquisa brasileira cotejar os documentos nacionais aos arquivos dos EUA e da Alemanha. "Se você vê documentos alemães e dos EUA, é dado como certo que o Brasil está com os Aliados. O máximo que o Eixo pretendia do Brasil era tê-lo como país neutro".


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