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Pesquisas reavaliam resistência no Brasil
DOCUMENTOS RECÉM-PUBLICADOS PERMITEM CONHECER GRUPOS ANTIFASCISTAS E ANTINAZISTAS
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
A abertura para consulta pública de arquivos do Deops
(Departamento Estadual de
Ordem Política e Social),
em 1994, e do Itamaraty,
em 1995, possibilitou a pesquisa em uma frente pouco
explorada da historiografia
brasileira: a resistência local ao fascismo e ao nazismo. Mas seu peso na política sul-americana está longe
de ser consenso.
É ponto pacífico que grupos fascistas gozavam de
uma situação privilegiada
no Brasil, um país onde a
elite admirava a ascensão
econômica alemã, onde a
classe trabalhadora era facilmente permeável à política populista e onde setores da Igreja Católica apoiavam a direita em ascensão.
O que se investiga agora é
se o contraponto ideológico
oferecido por movimentos
como o Áustria Livre ou o
Alemães Livres foi atropelado por um Estado ideologicamente alinhado com os
países do Eixo.
Para Maria Luiza Tucci
Carneiro, coordenadora do
Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e
Discriminação, da USP, a
sociedade "permitiu a livre
circulação da extrema direita por vários canais", enquanto a polícia perseguia
comunistas e judeus, identificados sem distinção como "revolucionários", tidos
como participantes de um
complô.
Desde antes do primeiro
governo Getúlio Vargas
(1930-45), publicações antissemitas, como as edições
dos "Protocolos dos Sábios
do Sião", tornavam-se populares, mas foi em meados
da década de 30 que periódicos como "A Ordem" e
"Vozes de Petrópolis" tiveram atuação mais intensa
nas campanhas direitistas.
A extinção de seus partidos políticos, em 1937, não
encerrou as atividades dos
grupos fascistas brasileiros.
O Proin (Projeto Integrado Arquivo do Estado/Universidade de São Paulo) trabalha atualmente com documentos, descobertos no
ano passado nos arquivos
do Deops, em São Paulo,
que mostram o tratamento
dado aos grupos de reação
contra o nazifascismo.
Segundo Carneiro, esse
tipo de descoberta está ajudando a "reescrever a história política do Brasil".
Conclui-se, por exemplo,
que o apoio brasileiro aos
fascismos, embora tivesse
participação popular, vingou com maior facilidade
porque gozou da liberdade
de expressão que o chamado "complô judaico-comunista" não teve.
"De 1930 a 1942 [ano em
que o Brasil entra na guerra], não há vigilância de nazistas, fascistas ou integralistas. Eles eram até publicados, os integralistas tinham apoio de intelectuais
leigos católicos", lembra a
professora da USP.
Com a entrada do Brasil
na Segunda Guerra, a bipolaridade política brasileira
atingiu um auge: os documentos mostram o início de
uma vigilância sobre alemães e austríacos, mas os
investigados pertenciam
aos movimentos antinazistas. "Seus membros foram
presos, fichados, tratados
como "súditos do Eixo'",
conta Carneiro (leia mais
no texto ao lado).
Autoajuda
Francisco Carlos Teixeira
da Silva, professor de história na Universidade Federal
do Rio de Janeiro, pondera
sobre a importância da resistência ao nazifascismo
no Brasil e no mundo.
"Hoje tem sido valorizada
a resistência quase como
um acerto de contas, para
dizer que "havia alemães
bons", absolver a população.
Políticos alemães valorizam
uma resistência que jamais
pôs em risco aquele regime
para dizerem que são herdeiros dessa tradição. A resistência antinazista e antifascista na Itália e na Alemanha foi irrelevante. A visão de mundo era tão poderosa que a paralisava."
No caso do Brasil, mesmo
reconhecendo que grupos
antifascistas e antinazistas
tenham militado para influenciar a intelectualidade
brasileira, Teixeira da Silva
conclui: "É muito significativo o suicídio de Stefan
Zweig [em 1942] -não havia mais o que fazer".
O professor diz que a resistência antinazista tinha
menos a pretensão de reverter a política alemã do
que de formar, na prática,
"círculos de autoajuda, para
não chegar à conclusão de
que era o fim e se suicidar,
como fizeram Zweig ou
Walter Benjamin".
Questionado pela reportagem se tais movimentos
puderam reverter o trabalho ideológico dos "fasci"
-que alinhava a política
brasileira ao Eixo-, determinando a adesão brasileira
ao lado dos Aliados, Teixeira da Silva é peremptório.
"A tese de um Brasil oscilante [entre Eixo e Aliados],
com Vargas negociando
com os dois lados, é insustentável. O Brasil dependia
economicamente dos EUA
e seria ocupado por eles se
entrasse para o Eixo."
Para o especialista, falta à
pesquisa brasileira cotejar
os documentos nacionais
aos arquivos dos EUA e da
Alemanha. "Se você vê documentos alemães e dos
EUA, é dado como certo que
o Brasil está com os Aliados.
O máximo que o Eixo pretendia do Brasil era tê-lo como país neutro".
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