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Imigrantes e inimigos
HISTORIADORA REVELA DETALHES DOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO
DE ALEMÃES, ITALIANOS E JAPONESES NO BRASIL E AS CONSEQUÊNCIAS DO ESTIGMA SOCIAL DEPOIS
DA PRISÃO
MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Depois de 15 anos de
pesquisa, a historiadora Priscila
Ferreira Perazzo,
41, consegue lançar
o resultado de seu estudo sobre
um tema pouco abordado pela
historiografia do país: os campos de concentração no território brasileiro.
Menos terríveis que os campos de extermínio disseminados pela Alemanha nazista, os
espaços são mais numerosos
no país entre 1942 e 1945, no final da Segunda Guerra Mundial, quando o governo Vargas
declara inimigo o Eixo. Assim,
por extensão, cidadãos nascidos na Alemanha, na Itália e no
Japão começam a ser detidos e
confinados em espaços especialmente feitos para esse fim.
"Prisioneiros da Guerra - Os
Súditos do Eixo nos Campos de
Concentração Brasileiros
(1942-1945)" (Imprensa Oficial/Humanitas, 384 págs., R$
35) se beneficiou da abertura
gradual de arquivos oficiais e
traz mais detalhes sobre os dez
campos implementados em diversas condições por quatro regiões brasileiras (apenas o
Centro-Oeste não abrigou locais desse tipo).
A análise vai desde os mais
conhecidos presídios de Ilha
das Flores e de Ilha Grande, no
Rio de Janeiro, até o campo de
concentração de Tomé-Açu, no
Pará, no meio da selva amazônica, para onde foi levada grande parte dos japoneses detidos
no período. Há também o campo em Chã de Estevão, em Paulista (PE), onde alemães viviam
reclusos em pequenas casas e
tinham o direito de levar a família para essas residências.
"O tratamento dado aos súditos do Eixo, durante a guerra,
é variado. Meu livro não pega
aqueles imigrantes que foram
obrigados, por exemplo, a ficar
confinados em suas próprias
casas no interior do Paraná e
de São Paulo", conta a historiadora, que, pela documentação,
acredita que o número de presos desse tipo não passou de
2.000 pessoas.
A definição dos campos vem
de obras referenciais de nomes
como o da teórica alemã Hannah Arendt (1906-1975) e do
sociólogo britânico Anthony
Giddens, entre outros.
O escopo de "Prisioneiros..."
também não se detém em experiências anteriores de espaços do tipo no Brasil, como o de
Alagadiço, no Ceará, onde retirantes foram impedidos de entrar em Fortaleza e ficaram
confinados em 1915 e, posteriormente, em 1932.
A seguir, trechos da entrevista com Perazzo.
FOLHA - Qual é a definição de um
campo de concentração?
PRISCILA FERREIRA PERAZZO - Campo de concentração implica um
lugar aberto, mas delimitado
para ser objeto de vigilância,
onde ficam reclusas pessoas
que, por algum motivo, devem
ser isoladas.
É interessante demarcar que
o uso de campos de concentração na primeira metade do século 20 foi mais extenso do que
se imagina. Em razão de um
pensamento comum que vem
com o pós-guerra, hoje a gente
acha que campo de concentração é só aquilo que aconteceu
na Segunda Guerra Mundial,
com os nazistas, especialmente
os espaços terríveis criados para o extermínio de pessoas, como Auschwitz.
A prática de internar pessoas, civis ou militares, foi relativamente comum. As referências em estudos indicam que
campos desse tipo começaram
em 1899, na África do Sul, na
Guerra dos Boêres, quando os
ingleses confinaram os africâneres. Mas há formas de confinamento e segregação mais antigas, como os leprosários no final da Idade Média, entre outras experiências.
FOLHA - No Brasil, quais eram as
condições gerais desses campos?
PERAZZO - Tinha de tudo. Chão
de Estevão, em Pernambuco,
por exemplo, não era prisão,
era quase um vilarejo. No Rio
Grande do Sul e em Santa Catarina, os alemães ficavam em
presídios, assim como no Rio,
em Ilha Grande e Ilha das Flores. Em São Paulo, um deles era
uma fazenda.
FOLHA - Havia diferenças no tratamento de cada grupo étnico?
PERAZZO - Sim, havia. O maior
número de presos é de alemães,
cerca de 60%. O segundo é de
italianos, uns 30%, e o último
de japoneses, o restante, que
quase só ficaram em Tomé-Açu, no Pará. Mas o tratamento
dado aos súditos do Eixo, durante a guerra, é variado.
FOLHA - Quais imigrantes tinham
a pior situação?
PERAZZO - Com certeza, os alemães, que eram levados para os
piores campos, os do Sul, que
eram presídios, e os do Rio. Os
comunistas estavam lá desde
1935, havia presos comuns. Foi
reformada uma ala para seguir
as recomendações da Convenção de Genebra, porque os prisioneiros de guerra não poderiam ficar no meio dos prisioneiros normais. Os relatos são
de que os alemães se incomodavam, eram obrigados a ficar
perto de assassinos, ladrões,
em lugares mais cheios.
FOLHA - E, quando são libertados,
qual é a reação dos brasileiros em relação a esses alemães?
PERAZZO - A pior possível. A
perseguição contra eles é bem
maior, em especial no Sul, é
mais traumática. Ouvi descendentes que, à época, tinham de
12 a 20 anos e que contaram as
muitas humilhações que as famílias sofreram.
Eram famílias bem estabelecidas, tinham altos cargos em
grandes empresas. Depois da
passagem pelos campos, não
conseguiam mais os mesmos
empregos. As famílias ficaram
destruídas, a miséria chegava.
Quando voltavam, eram vistos
como nazistas. Socialmente,
eram estigmatizados.
A polarização não veio no
meio da Segunda Guerra, mas
antes, nos anos 30. Havia a propaganda varguista, de 1938 para a frente, ficou pior. Os alemães sofriam hostilidade, eram
chamados para depor na delegacia constantemente, ficavam
uma noite detidos, saíam, depois eram pegos novamente.
Em janeiro de 1942, começa a
sair uma enxurrada de coisas
contra eles, um monte de reportagens, jornais detonando
os alemães, porque eles são inimigos, associando-os às piores
atrocidades nazistas.
Os japoneses também sofrem. São vistos como sabotadores, traidores, dissimulados.
A recuperação da imagem desse grupo é recente.
FOLHA - É muito diferente de como
os italianos são vistos, não?
PERAZZO - Totalmente. A relação política Brasil-Itália é diferente. A Itália sai da Segunda
Guerra muito antes, Mussolini
cai em 1943. O governo italiano
que assume, provisório, é de
cooperação com os Aliados, sai
da guerra, não é mais beligerante. Por isso, em 1944 a FEB vai
para a Itália lutar contra os nazistas.
A política étnica e nacionalista do governo Vargas tem diretrizes diferentes para cada grupo étnico. Algumas coisas
aconteciam para os japoneses,
muitas para os alemães e poucas para os italianos. Os italianos sofreram no auge da Segunda Guerra, porque aí eles
eram vistos como fascistas.
FOLHA - Mas houve alemães que,
ao não serem levados para campos
do Sul e do Rio, tiveram melhores
condições durante esse período?
PERAZZO - Sim, os de Chão de
Estevão, em Pernambuco. Ao
local foram enviados 23 alemães que trabalhavam na
Companhia Paulista de Tecidos, da família Lundgren, das
Casas Pernambucanas. A
Lundgren aponta as 23 pessoas
que têm de ser internadas. Esses 23 homens vão para o campo, que é constituído por várias
casinhas. Quem tem família leva a sua. Quem não tem, ou seja, os solteiros, ficam numa casinha à parte. E sofrem toda a
questão da vigilância.
Como eles eram altos funcionários da empresa, especializados, técnicos, que vinham justamente da Alemanha e da Áustria para trabalhar na fábrica,
eles faziam uma falta terrível,
porque não havia substitutos
capacitados.
Então, a companhia ia à noite
buscá-los de carro, levava-os à
fábrica e eles faziam o que podiam, davam uma assistência
aos outros funcionários.
Se compararmos essa situação aos campos do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de
Santa Catarina, nesses últimos
a prisão é bem mais drástica.
FOLHA - Conseguir chegar a essas
conclusões foi complicado? Qual é a
situação desses arquivos e registros
familiares?
PERAZZO - Hoje é bem mais fácil chegar a esses arquivos oficiais, não que seja simples alcançar todas essas conclusões.
Locais como o Arquivo Histórico do Itamaraty e o Arquivo
Nacional, ambos no Rio, têm
vasta documentação. No entanto, isso não acontece em todos os Estados. No Pará, por
exemplo, é muito difícil conseguir documentação oficial. Há
pouca coisa dos campos de Tomé-Açu na própria cidade e em
Belém, a capital do Estado.
Muitas vezes, temos o problema de não obtermos microfilmes ou xerox, então copiamos à mão páginas e páginas de
livros e registros contidos até
em latas.
Os registros familiares são
complicados. Por exemplo,
com a estigmatização dos alemães no pós-guerra, vários imigrantes que passaram por tudo
isso queimaram o que tinham.
Eles morriam de medo de sofrer represálias, se privaram da
língua e de quaisquer outras associações com o nazismo. Levaram para o túmulo muitas informações essenciais sobre esse período.
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