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Lenise Pinheiros/Folha Imagem
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O diretor Augusto Boal, autor de "Teatro do Oprimido"
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Do Rio a Calcutá
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
SÉRGIO DE CARVALHO
especial para a Folha
O autor, diretor e teórico Augusto Boal, 67, é o homem de teatro
brasileiro mais conhecido no mundo. Há 27 anos saiu exilado do país
e escreveu na sequência o livro que garantiu sua celebridade.
Em seu apartamento no Arpoador, no Rio, existem traduções de "Teatro do Oprimido" (74) feitas para idiomas como o japonês e o grego, que
estimularam a formação de duas dezenas de Centros do Teatro do Oprimido (CTOs) em todos os
continentes.
Entre as técnicas difundidas pelo livro estão o teatro invisível, em que o espectador participa de uma
encenação sem saber, e o teatro-foro, em que o espectador é chamado
a entrar em cena.
Convidado regularmente por festivais de Teatro do Oprimido em
países como o Canadá e a Suécia ou pelo CTO de Paris, onde tem um
teatro, Boal ainda hoje passa parte do ano fora do Brasil.
Antes identificado com o nacionalismo e a confiança na transformação coletiva pela arte, época de seu trabalho no Teatro de Arena, hoje
ele prefere dizer-se carioca a brasileiro e direciona sua ação teatral
para a transformação individual, num sentido até terapêutico -como descreve no livro "O Arco-Íris do Desejo", lançado em 96 no
Brasil. Em entrevista, o diretor relembra sua formação em Nova York
nos anos 50, o contato com as idéias de Stanislavski, filtradas pelo
Actors Studio, e com os ensinamentos dramatúrgicos do crítico John
Gassner, que se refletiram em toda uma geração do teatro brasileiro.
O diretor reage, algo incomodado, à sua vinculação ao pensamento
de Bertolt Brecht, pois considera o Teatro do Oprimido um passo
além. Fala ainda, na entrevista, de como elementos do gênero popular do teatro de revista influenciaram suas montagens históricas de
musicais, como "Arena Conta Zumbi".
Boal está lançando, pela Civilização Brasileira, uma versão ampliada de um de seus livros mais vendidos no país, "Jogos para Atores e
Não-Atores", que agora inclui seu trabalho com a Royal Shakespeare
Company, realizado em 97, em Londres.
Ele anuncia também que está de volta ao teatro tradicional. Acaba
de escrever duas comédias de "boulevard", com tema político e moral. Também já fala em voltar a dirigir no Brasil. Sua última encenação no país aconteceu há exatos dez anos.
"O erro que o Arena cometeu foi ignorar a existência do indivíduo e só pensar na categoria, na classe'
da Reportagem Local
e especial para a Folha
Marcado pelo nacionalismo em
seu trabalho no Teatro de Arena,
Augusto Boal diz que os 27 anos
passados "mais fora do que no
Brasil" trouxeram mudanças.
Além da "internacionalização",
o diretor também caminhou da
preocupação com o coletivo social
para a atenção ao indivíduo.
Folha - Você ainda se vê como
brasileiro da mesma maneira que
nos anos 50, 60?
Augusto Boal - Não, não.
Folha - Como é, então?
Boal - Quer dizer, o conceito de
brasileiro, para mim, é importante. Eu me sinto brasileiro. Eu acho
até que carioca, acho que não posso nem dizer brasileiro. Você vai
para o Nordeste, é diferente. Vai
para o Sul, é diferente. Mas eu sou
uma pessoa que passou uma parte
grande da vida mudando de língua, mudando de comida, de amigos, tudo. São 27 anos em que eu
vivo mais fora do que no Brasil.
Folha - Você e o Arena estiveram
à frente de um movimento de afirmação da cultura nacional. O projeto do Arena se ligava à procura
de uma dramaturgia nacional...
Boal - Embora eu usasse a palavra nacionalismo e tudo mais, a
minha preocupação não era a nação. Melhor dito, era, é claro, a nação, mas também não era ficar cego para as desigualdades na nação.
Eu via o que estava acontecendo e
acontece até hoje, de forma ainda
mais cruel. Esta divisão de humanidades. A humanidade que possui o mercado. A segunda humanidade, que está inserida no mercado, como consumidora. E a terceira, a humanidade descartável, que
está sendo jogada fora no Brasil,
nos Estados Unidos, em toda parte. A minha preocupação com a
nação, com o nacionalismo, era
dizer "vamos mudar juntos".
Folha - Mas houve um momento
em que foi prioritário afirmar um
teatro, uma arte brasileira.
Boal - Mas, ao ser brasileiro, a
gente visava o oprimido. Não fazia
peça sobre a alta sociedade brasileira. Quem fazia era o Abílio Pereira de Almeida, que cumpriu
uma função, tudo bem, no TBC
(Teatro Brasileiro de Comédia).
Folha - Naquela fase inicial, a sua
perspectiva era nacional. Houve
um deslocamento para uma perspectiva internacional, uma internacionalização.
Boal - A internacionalização...
As pessoas dizem: "Trabalhar em
tantos países, com gente tão diferente, não choca?". Eu sempre
respondo que muito mais chocante, estimulante, maravilhoso é ver
tanta gente igual. (ri) Você vai para
Calcutá, na Índia, e vê os mesmos
desejos, invejas. A forma com que
são apresentados difere, mas o que
espanta é ver como somos parecidos, apesar de culturas diferentes,
de regiões tão diferentes.
Em Calcutá, quando eu fui, eu
queria fazer teatro-foro. Eles disseram: "Não, vamos fazer Árco-Íris do Desejo, porque a gente quer
falar das nossas paixões, dos nossos medos". Fizemos o trabalho
todo, com camponeses de Bengala, sobre coisas internas, assim.
Folha - A sua preocupação, antes, era a transformação coletiva. E
agora o próprio Teatro do Oprimido se associa ao terapêutico, no
Arco-Íris do Desejo. É um deslocamento do coletivo para o individual. Não houve um certo, digamos, aburguesamento?
Boal - (ri) Não, certamente não.
O erro que o Arena, o CPC (Centro
Popular de Cultura) cometeram, e
eu me incluo nisso, foi ignorar a
existência do indivíduo e só pensar
na categoria, na classe. A gente não
falava de cada camponês. A gente
falava "o campesinato", como se
todos fossem iguaizinhos. A gente
negava a existência do indivíduo.
Falava "o povo brasileiro" como
se o povo fosse igual, no Nordeste,
Sul. Ou então, "as mulheres",
"os negros". Existem os negros,
mas existe o negro, também.
Folha - No livro "Arco-Íris do Desejo" você cita, como um ponto de
mudança, o episódio da espectadora que foi ao palco, para interpretar um final que só ela pensou
para a cena, e bateu num ator.
Boal - (ri) Era uma negra, uma
mulher deliciosa que, aliás, vai trabalhar com a gente, uma negra
imensa. Era deliciosa. Foi no Peru.
A gente queria interpretar o que
ela dizia e não conseguia, nunca.
Chegou um momento em que eu
falei: "Por que a senhora mesma
não vem até aqui e mostra?".
Quando ela entrou e fez o que pensava, (ri) era diferente de tudo o
que a gente havia imaginado.
Na mesma situação, cada pessoa
reage diferentemente. Então, restauramos, reconquistamos o indivíduo. Mas não foi o abandono do
genérico. Foi o reconhecimento de
um erro. Ou de uma insuficiência,
porque não era erro, mas um processo em evolução. A gente começou pelo genérico, depois contou
também com o indivíduo.
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