São Paulo, domingo, 6 de setembro de 1998

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A "antiBroadway' brasileira

da Reportagem Local
e especial para a Folha

Sempre lembrado pelos musicais que escreveu e dirigiu nos anos 60, Boal fala da ligação entre política e música, que assimilou vendo teatro de revista, no Rio.

Folha - "Zumbi" e outros musicais marcaram seu trabalho nos anos 60. Caetano Veloso, nas memórias, chega a comparar "Zumbi" com a Broadway. Eles espelhavam a cultura de massa do período?
Augusto Boal -
A sequência começa com "Opinião", em 64. A gente teve a idéia de fazer teatro-verdade. Havia a história do cinema-verdade. Não avançou, não deu para fazer com pessoas que eram perseguidas, como Ênio Silveira. Mas a idéia era forte, e a gente resolveu fazer com músicos. Foi aí que veio o "Opinião", com a Nara Leão, Zé Keti e João do Vale.
Folha - "Opinião" saiu em CD.
Boal -
Saiu? Esses caras não avisam, não dão direitos. Outro dia eu descobri que o "Zumbi" está em CD. Nunca me pagaram nada.
Mas o "Opinião", então, foi feito de entrevistas com os três. Era teatro-verdade. Era um diálogo feito de frases que eles tinham dito e música. "Zumbi", depois, foi todo baseado em noticiário de jornal e na Guerra dos Palmares.
Folha - O que inspirou você nesses musicais? As revistas brasileiras? Os musicais americanos?
Boal -
A revista, o circo, que tinha música também. Revista eu assistia desde que era pequeno.
Folha - E na revista havia um fundo político, na música.
Boal -
Era a revista do ano. As cortinas eram todas políticas. Desde a minha infância, política e música sempre estiveram ligadas.
Folha - Praça Tiradentes?
Boal -
Eu ia muito. Ia ao teatro Recreio, que destruíram. Eu via aquelas atrizes que vinham de Portugal. Beatriz Costa. O Walter Pinto. Depois a revista ficou mais sexo, mas no começo era política, era música, humor. Agora, se tem uma coisa que não me influenciou, foi a comédia musical americana. Revista brasileira, sim.
Folha - Nesses musicais, "Zumbi", "Arena Canta Bahia", como foi seu encontro com a cultura de massa e a contestação dos anos 60?
Boal -
Eu nunca me preocupei com denominações. Uma vez disseram que eu era pós-moderno. Dá a impressão de que você é um ressuscitado de uma época morta. Ou então, pós-brechtiano, ou cultura de massa. São palavras dadas para esclarecer alguma coisa, mas não é preocupação do artista.
Para mim, o problema nos anos 60, fundamentalmente, foi a resposta anárquica à militarização dos Estados Unidos. Com a guerra, diziam ao jovem, que nem sabia onde era o Vietnã, "vá defender a sua pátria". E o jovem, "vamos fazer o contrário, vamos deixar o cabelo crescer". Era um grito, uma revolta anárquica. Teve um grande valor, até que o capitalismo começou a aceitar. Daí "Hair". E eles acabaram sendo produto de mercado, também.
Folha - Não aconteceu o mesmo no Brasil, contra o regime militar?
Boal -
É verdade, houve uma rejeição. Mas não era a mesma coisa. O que se dizia ao jovem daqui era, "não se meta em política".
Folha - "Arena Conta Zumbi" não entrou nessa revolta?
Boal -
Entrou na revolta geral contra a ditadura. "Zumbi" era uma agressão à ditadura. Tinha um discurso do Castelo Branco que terminava com ele saltando como macaco e fazendo "heil, Hitler". Era violentamente contra, e o sucesso foi artístico e foi político. Ficou anos em cartaz.



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