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Um discípulo de Stanislavski
da Reportagem Local
e especial para a Folha
Boal relembra a sua passagem
por Nova York, dos 22 aos 25
anos, quando estudou dramaturgia com o crítico e professor John
Gassner e acompanhou o trabalho
com as técnicas de interpretação
do diretor e teórico russo Stanislavski, no Actors Studio.
Folha - Por que você decidiu ir
aos Estados Unidos, no começo
dos anos 50, estudar teatro?
Augusto Boal - Quando terminei o meu curso na universidade
-eu sou químico- , o meu pai
falou "eu pago um ano para você,
onde você quiser". Eu tive que decidir entre a França e os Estados
Unidos. Eu escrevi para o John
Gassner, e ele falou que estava indo para Nova York, para lecionar
na Universidade Columbia. Queria ser dramaturgo e me interessou
ir para lá, para estudar com ele. Eu
nem pensava em ser diretor.
Folha - Você já tinha trabalhado
em teatro, antes de ir?
Boal - Já, com o Teatro Experimental do Negro. Mas eu devia ter
22 anos e queria estudar dramaturgia. E ele era o professor mais
importante que tinha. Era o professor do Tennessee Williams, do
Arthur Miller, esse pessoal todo.
Folha - Além de John Gassner, o
que mais marcou?
Boal - O importante, em Nova
York, foi primeiro o trabalho com
ele. Ele lia todas as minhas peças,
comentava, fazia sugestões. Ao
mesmo tempo, ele me ajudou a entrar no Actors Studio. Eu assistia a
cenas, assistia a trabalhos do Actors Studio. Não entrava em cena,
é claro, mas ficava lá, quietinho.
Folha - Quem estava no Actors
Studio, nessa época?
Boal - Tinha a Geraldine Page,
com quem eu tinha ficado com
boas relações. Tinha o James
Dean, que estava estreando no teatro e eu já conhecia antes do
"Imoralista", do (André) Gide.
Tinha o Anthony Perkins, que era
meu colega na universidade, na
parte de Shakespeare. Então, o que
foi bom foi o Gassner, foi o Actors
Studio e, por fim, foi ver muito
teatro. Não só o que se fazia lá, mas
teatro do mundo inteiro.
Folha - E musicais?
Boal - Alguns, "South Pacific", "Wish You Were Here". Eu
achava interessante, mas não era o
que me seduzia. Eu gostava de ver
espetáculos do (diretor Elia) Kazan. Vi a estréia de "Gata em Teto
de Zinco Quente", do Tennessee
Williams. Também um "Chá e
Simpatia" com esse colega, o Anthony Perkins. Eu estava fascinado
por teatro mesmo, ia toda noite. E
passava o dia na universidade, lendo, lendo, lendo.
Folha - Como era Stanislavski, na
versão do Actors Studio?
Boal - Era uma espécie de Stanislavski expressionista. O tempo
subjetivo do ator não correspondia ao tempo objetivo da cena. O
cara, antes de responder, pegava o
copo, rolava o copo, olhava assim
e falava "yeah" (risos). Antes de
vir o "yeah", era toda a pausa, todo o close-up do cinema, por responsabilidade do Kazan.
Ele gostava de cinema e fazia
muito cinema. No cinema, você vê
a cara do ator e não vê a inter-relação. Também tem, mas há momentos em que você vê só a cara do
ator. No teatro, você tem a inter-relação como prioritária.
Folha - De Nova York, você trouxe e ajudou a iniciar uma série de
mudanças no teatro, no Brasil. Em
relação a Stanislavski, ao Actors
Studio, o que você trouxe?
Boal - Eu já vim querendo trabalhar com o método Stanislavski.
Não fui a pessoa que introduziu
Stanislavski no Brasil. Antes já havia o Sadi Cabral, a Luiza Barreto
Leite. A primeira vez em que ouvi
falar de Stanislavski foi com eles,
em 52, aqui no Rio de Janeiro.
Mas a gente fez em 56, pela primeira vez, um estudo sistemático
do Stanislavski. Foi quando eu dirigi "Ratos e Homens". A gente
pegava Stanislavski página por página. O grupo era o (Gianfrancesco) Guarnieri, o Vianinha (Oduvaldo Vianna Filho), o Flávio Miggliaccio, depois o Nelson Xavier. A
gente estudava tudo e depois via o
que podia usar e o que não.
Folha - Já era Stanislavski aplicado à montagem?
Boal - Primeiro era geral e, depois, aplicando à montagem. No
ano seguinte, a gente criou o chamado laboratório de interpretação. Outro dia eu vi, foi muito divertido, o Paulo Autran dizendo
"a gente sempre fez exercício, depois é que chamaram laboratório". Tive vontade de ligar e falar
"chama laboratório porque eu
sou químico" (risos). A gente tinha que dar um nome para aquilo,
e pegou. Mas a gente fazia sistematicamente. Quando não tinha nenhuma peça em cartaz, o laboratório continuava funcionando, primeiro só para nós. Depois passou a
ser para outros grupos, também.
Folha - Você já estava voltado
para a busca de uma interpretação
brasileira? Usar Stanislavski com
um propósito nacional?
Boal - Claro, até porque a gente
tinha admiração, mas também rejeição, pelo TBC (Teatro Brasileiro
de Comédia). Eles faziam coisas
profissionais, bem-feitas, mas eu
ia ao TBC e me sentia em Milão.
"Onde é que está o Brasil, nisso?"
Era uma época em que a gente falava muito em nacionalismo.
Folha - "O Petróleo É Nosso."
Boal - "O Petróleo É Nosso." A
nação, incluída a burguesia nacional. Era a nação contra os estrangeiros. Havia essa diferença, que
hoje praticamente desapareceu.
Folha - E o que seria uma interpretação brasileira, na prática?
Boal - As primeiras peças que
eu montei, usando Stanislavski,
também falavam de coisas que não
tinham muita relação conosco.
"Ratos e Homens" era sobre fazendas americanas. A gente viu
que não era por aí. Mas estava sendo bom, porque a forma de interpretar já passou a ser brasileira.
Folha - Mas o que é uma forma
brasileira de interpretar?
Boal - Naquela época, para nós,
era a verossimilhança. Era uma interpretação que não tivesse nenhum dos trejeitos, das formas
pré-estabelecidas. A mesma coisa
aconteceu com Stanislavski, no
começo. Antes dele havia uma interpretação simbólica (faz gesto
exagerado). Isto é o amor. E ele introduziu a interpretação sinalética. O amor, se eu amo, é a minha
cara que vai expressar, sou eu inteiro. Não é o gesto pré-estabelecido. Ele deu esse grande salto.
O TBC também vinha com formas simbólicas. A gente queria
uma interpretação sinalética e dizia "é brasileiro". Por quê? Porque nós éramos brasileiros. Não
era para criar uma nova simbologia e dizer, "o gesto brasileiro é esse". A gente não queria criar um
código de interpretação brasileiro.
Folha - Flávio Migliaccio é dado,
em livros, como o exemplo dessa
interpretação brasileira.
Boal - Ele era maravilhoso. Entrava em cena e você não despregava os olhos dele. O Guarnieri
também. Havia atores excepcionais no Arena. Eu tinha visto Actors Studio e dizia: "Não tenho inveja nenhuma do Kazan". Os espetáculos que a gente fazia eram de
uma precisão, de uma riqueza.
Folha - O (diretor) Zé Celso, num
texto da época, agora editado em
livro, ironiza a interpretação do
Arena. Diz que era uma certa imitação de povo. O que você acha?
Boal - O Zé Celso é muito contraditório. Ao mesmo tempo em
que ele diz isso, ele também diz
coisas maravilhosas sobre o Arena. Mas é uma pessoa muito bacana, eu gosto demais dele.
Folha - E a crítica em si?
Boal - Não era imitação de povo, não. Mas não sei se ele usou a
palavra no sentido de mimese, no
sentido grego. Aí sim. No sentido
de mimese, é entrar dentro da pessoa e tentar sentir o que ela sente,
para chegar à expressão. Agora, se
ele falou em imitar no sentido de
macaquear, aí não é verdade. Mas
o Zé Celso é um excelente diretor.
Ele não tem, necessariamente, que
ser um excelente crítico.
Folha - Ele foi seu assistente.
Boal - Foi. Ele começou comigo. E disse ele, nesse livro mesmo,
que aprendeu muito comigo. Eu
também aprendi com ele.
Folha - Ele aprendeu Stanislavski, por exemplo, com você.
Boal - É.
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