|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
'Brecht era um entre outros'
da Reportagem Local
e especial para a Folha
Identificado reiteradamente
com o dramaturgo e teórico alemão Bertolt Brecht, Boal se torna
impaciente ao falar dele e diz não
ser "a decorrência de Brecht".
Folha - Qual foi seu primeiro contato com a obra de Brecht? "Revolução na América do Sul", que você
escreveu em 1960, é dada como a
primeira peça brasileira escrita sob
influência brechtiana.
Augusto Boal - Somos influenciados por todas as pessoas inteligentes e por todas as obras bonitas.
Quando você lê Shakespeare, como é que você não é influenciado?
Você tem que ser, não é possível
que não seja. Você lê o "Hamlet"
e aquilo fica na sua cabeça. Mesmo
que você depois não vá usar coisas
parecidas, aquilo enriqueceu. Mas
eu sempre recusei ser classificado
como um influenciado por Brecht.
Eu fui influenciado pelo Brecht e
por mil pessoas, mil autores.
Folha - Mas quando foi seu primeiro contato com a obra dele?
Boal - Foi nos Estados Unidos.
Folha - Pelo John Gassner?
Boal - O Gassner até não gostava dele tanto assim, não. Uma vez
ele botou o Brecht depois do Pirandello, depois de uma porção de
autores. O meu contato com ele foi
na universidade, mesmo. Havia o
(crítico e editor) Eric Bentley, que
estava começando a divulgar o nome do Brecht. E o próprio Brecht
tinha feito, antes de eu chegar lá, o
"Galileu Galilei". Foi na Costa
Oeste, eu não vi, mas ouvi as repercussões. Era uma novidade.
E é evidente que o Brecht me influenciou, mas no sentido que
muitos outros me influenciaram,
para essa peça, "Revolução na
América do Sul". Eu não sou a decorrência do Brecht.
Folha - Nos seus escritos também
se distingue o valor que você dá,
entre outros, ao dramaturgo espanhol Lope de Vega. Você adota a
definição dele de teatro.
Boal - A definição dele eu amo.
Teatro é isso mesmo. E eu fui além.
Ele diz que teatro são dois atores,
uma paixão e um praticável. Eu
comecei dizendo "praticável para
quê?". O praticável é o espaço estético, que você mesmo cria. Não
precisa do objeto físico, o praticável, para ter teatro. Eu acho que cada um de nós é teatro.
O Lope de Vega é um autor muito bom. Não é tão bom como Shakespeare, não. Shakespeare é que
eu acho o grande. O grande barato
é ele. Em matéria de dramaturgia,
quem está no poder é ele.
Folha - Você já montou Brecht?
Não teve uma encenação que você
realizou, no início dos anos 70, que
não chegou a estrear?
Boal - Eu montei o "Arturo
Ui", que foi a última peça que eu
fiz no Brasil, antes de ser exilado.
Era um espetáculo forte, que ficou
muito tempo em cartaz.
O que eu tinha feito, que não estreou, foi, um pouco antes, "O
Círculo de Giz Caucasiano". A
gente montou e depois sentiu que
não estava bom. O grupo tinha feito o melhor possível, mas alguma
coisa não havia funcionado. A
gente não teve prazer em fazer. E já
estava pronto. Chegou a acontecer
uma pré-estréia, fora do Arena.
Foi uma pena, porque a gente não
atinava qual era o problema.
E agora eu acabei de fazer uma
leitura dramática de "Turandot",
no Centro do Teatro do Oprimido
daqui, no Rio. Aliás, uma peça
bem ruinzinha. Mas eu cortei à beça, para dar um certo nexo ao texto, e o pessoal gostou.
Folha - Eu tinha a impressão de
que vocês haviam realizado um estudo um pouco mais sistemático
do Brecht, no Arena.
Boal - Fizemos, fizemos. Mas a
diferença é que, no caso do Stanislavski, nós dissemos logo: "A base
vai ser esta. É isso mesmo que a
gente quer". A gente ia como
quem vai para o mestre. O Brecht
foi estudado sistematicamente,
mas não era uma base. Não era como dizer "agora vamos ser brechtianos". Isso nunca aconteceu conosco, no Arena. Vamos ser stanislavskianos, isso sim.
Folha - Mas a obra de Brecht não
serviu de orientação, por exemplo,
para a crítica do desenvolvimento
dramático no Arena?
Boal - Serviu de alternativa, como serviam Ibsen, Tchecov, como
dramaturgias diferentes. Mas Stanislavski era a base. O Brecht era
um entre outros.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|