São Paulo, domingo, 6 de setembro de 1998

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'Brecht era um entre outros'

da Reportagem Local
e especial para a Folha

Identificado reiteradamente com o dramaturgo e teórico alemão Bertolt Brecht, Boal se torna impaciente ao falar dele e diz não ser "a decorrência de Brecht".

Folha - Qual foi seu primeiro contato com a obra de Brecht? "Revolução na América do Sul", que você escreveu em 1960, é dada como a primeira peça brasileira escrita sob influência brechtiana.
Augusto Boal -
Somos influenciados por todas as pessoas inteligentes e por todas as obras bonitas. Quando você lê Shakespeare, como é que você não é influenciado? Você tem que ser, não é possível que não seja. Você lê o "Hamlet" e aquilo fica na sua cabeça. Mesmo que você depois não vá usar coisas parecidas, aquilo enriqueceu. Mas eu sempre recusei ser classificado como um influenciado por Brecht. Eu fui influenciado pelo Brecht e por mil pessoas, mil autores.
Folha - Mas quando foi seu primeiro contato com a obra dele?
Boal -
Foi nos Estados Unidos.
Folha - Pelo John Gassner?
Boal -
O Gassner até não gostava dele tanto assim, não. Uma vez ele botou o Brecht depois do Pirandello, depois de uma porção de autores. O meu contato com ele foi na universidade, mesmo. Havia o (crítico e editor) Eric Bentley, que estava começando a divulgar o nome do Brecht. E o próprio Brecht tinha feito, antes de eu chegar lá, o "Galileu Galilei". Foi na Costa Oeste, eu não vi, mas ouvi as repercussões. Era uma novidade.
E é evidente que o Brecht me influenciou, mas no sentido que muitos outros me influenciaram, para essa peça, "Revolução na América do Sul". Eu não sou a decorrência do Brecht.
Folha - Nos seus escritos também se distingue o valor que você dá, entre outros, ao dramaturgo espanhol Lope de Vega. Você adota a definição dele de teatro.
Boal -
A definição dele eu amo. Teatro é isso mesmo. E eu fui além. Ele diz que teatro são dois atores, uma paixão e um praticável. Eu comecei dizendo "praticável para quê?". O praticável é o espaço estético, que você mesmo cria. Não precisa do objeto físico, o praticável, para ter teatro. Eu acho que cada um de nós é teatro.
O Lope de Vega é um autor muito bom. Não é tão bom como Shakespeare, não. Shakespeare é que eu acho o grande. O grande barato é ele. Em matéria de dramaturgia, quem está no poder é ele.
Folha - Você já montou Brecht? Não teve uma encenação que você realizou, no início dos anos 70, que não chegou a estrear?
Boal -
Eu montei o "Arturo Ui", que foi a última peça que eu fiz no Brasil, antes de ser exilado. Era um espetáculo forte, que ficou muito tempo em cartaz.
O que eu tinha feito, que não estreou, foi, um pouco antes, "O Círculo de Giz Caucasiano". A gente montou e depois sentiu que não estava bom. O grupo tinha feito o melhor possível, mas alguma coisa não havia funcionado. A gente não teve prazer em fazer. E já estava pronto. Chegou a acontecer uma pré-estréia, fora do Arena. Foi uma pena, porque a gente não atinava qual era o problema.
E agora eu acabei de fazer uma leitura dramática de "Turandot", no Centro do Teatro do Oprimido daqui, no Rio. Aliás, uma peça bem ruinzinha. Mas eu cortei à beça, para dar um certo nexo ao texto, e o pessoal gostou.
Folha - Eu tinha a impressão de que vocês haviam realizado um estudo um pouco mais sistemático do Brecht, no Arena.
Boal -
Fizemos, fizemos. Mas a diferença é que, no caso do Stanislavski, nós dissemos logo: "A base vai ser esta. É isso mesmo que a gente quer". A gente ia como quem vai para o mestre. O Brecht foi estudado sistematicamente, mas não era uma base. Não era como dizer "agora vamos ser brechtianos". Isso nunca aconteceu conosco, no Arena. Vamos ser stanislavskianos, isso sim.
Folha - Mas a obra de Brecht não serviu de orientação, por exemplo, para a crítica do desenvolvimento dramático no Arena?
Boal -
Serviu de alternativa, como serviam Ibsen, Tchecov, como dramaturgias diferentes. Mas Stanislavski era a base. O Brecht era um entre outros.



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