São Paulo, domingo, 6 de setembro de 1998

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Cenas da moral destroçada

da Reportagem Local
e especial para a Folha

Três anos depois de sua última direção, na França, e quase uma década depois de parar, também no Brasil, Boal quer voltar. O diretor ainda reluta, mas o autor já tem duas peças prontas, do teatro mais tradicional. Peças de "boulevard", comédias popularescas.

Augusto Boal - Eu estou escrevendo de novo. Estou escrevendo peças. Acabei mais uma. A forma atual do teatro é perfeitamente adequada. Eu não condeno: "Não se deve mais fazer esse teatro". Eu faço e quero fazer cada vez mais. Esta peça, "O Amigo Oculto", é peça fechada. Nove personagens, uma cena. Teatro tradicional.
Folha - Quer dizer, você não desistiu do teatro burguês?
Boal -
De jeito nenhum. Mas eu não chamo burguês. Eu nunca fiz teatro burguês, quer dizer, de perspectiva burguesa. Outras pessoas fazem, mas não é meu caso.
Folha - E você tem dirigido?
Boal -
Não. Dirigi, no meu teatro em Paris, "Ifigênia em Áulis", há três anos. É uma tragédia que eu acho muito bacana e que inaugurou o meu teatro lá. Aqui, não. Aqui me dediquei a fazer o Teatro do Oprimido. Depois fui eleito vereador e, durante quatro anos, nós formamos 50 grupos de teatro em favelas, sindicatos, igrejas. Foi a experiência do Teatro Legislativo.
Folha - A peça nova...
Boal -
Eu escrevi duas. Uma é "O Amigo Oculto", que é basicamente essa história de fim de ano, só que, em vez de se contarem coisas maravilhosas, "o meu amigo é genial", eles misturam com jogo da verdade. "O meu amigo é" e dizem tudo o que pensam (ri). É uma forma de falar do Brasil de hoje, usando teatro de "boulevard". Eu já fiz isso antes. Fiz na Argentina um romance chamado "A Deliciosa e Sangrenta Aventura Latina de Jane Spitfire, Espiã e Mulher Sensual". Era um romance de tiro, morte. Aqui no Brasil, vendeu 80 mil exemplares. Foi uma loucura. Mas vendia em banca, não em livraria, porque os caras olhavam: "Ih, é sacanagem". E tinha muita sacanagem, mas era a história do golpe de Estado na Argentina.
Então, desta vez eu pensei: "Vou fazer um "boulevard'". Com a empregadinha que entra espanando móvel. É o mais escrachadamente "boulevard". Só que eu falo do que está acontecendo na moral brasileira, que está se destruindo, quer dizer, não tem mais moral.
Folha - E você vai dirigir?
Boal -
O Aderbal (Freire-Filho) deve dirigir. Está com a Joana Fomm, que é uma das atrizes.
Folha - O que deu em você, de fazer "boulevard", a essa altura?
Boal -
(ri) A essa altura! Eu gosto de usar linguagem que não está habituada com aquele conteúdo.
Folha - O que fez você se manter tão distante do teatro tradicional?
Boal -
No "Corsário do Rei", de Chico Buarque e Edu Lobo, que eu dirigi em 85, aconteceram duas coisas que, para mim, foram devastadoras. Primeiro, a atriz principal não foi ao ensaio geral porque estava gravando. O ensaio geral é a coisa que tem de mais sagrada. Você não pode faltar ao ensaio geral. Segundo, três dias depois da estréia, o ator que tinha um dos papéis mais importantes chegou para mim e disse: "Olha, eu tenho que sair porque vou filmar no Sul". Você fica com uma atriz principal que não dá garantia se vem ou não e com um ator que "olha, eu vou-me embora".
Depois, nos outros espetáculos que fiz, houve dificuldades. Diziam, "hoje não posso ensaiar". Chegou uma hora em que eu comecei a me desesperar. "Se é assim, não quero mais." Como eu já tinha dirigido tanta peça na minha vida... Já dirigi cento e não sei quantas peças, até mais. Um dia eu vou somar. Deve estar pelas 150. Eu disse: "Ah, não estou assim com tanta necessidade de dirigir".
Agora está me voltando essa necessidade (ri). Me volta a vontade. E eu vou dirigir. Eu quero que esta seja o Aderbal, mas eu tenho outra peça (ri). Com outro título bem chavão, "A Herança Maldita".



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