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Cenas da moral destroçada
da Reportagem Local
e especial para a Folha
Três anos depois de sua última
direção, na França, e quase uma
década depois de parar, também
no Brasil, Boal quer voltar. O diretor ainda reluta, mas o autor já
tem duas peças prontas, do teatro
mais tradicional. Peças de "boulevard", comédias popularescas.
Augusto Boal - Eu estou escrevendo de novo. Estou escrevendo
peças. Acabei mais uma. A forma
atual do teatro é perfeitamente
adequada. Eu não condeno: "Não
se deve mais fazer esse teatro". Eu
faço e quero fazer cada vez mais.
Esta peça, "O Amigo Oculto", é
peça fechada. Nove personagens,
uma cena. Teatro tradicional.
Folha - Quer dizer, você não desistiu do teatro burguês?
Boal - De jeito nenhum. Mas eu
não chamo burguês. Eu nunca fiz
teatro burguês, quer dizer, de
perspectiva burguesa. Outras pessoas fazem, mas não é meu caso.
Folha - E você tem dirigido?
Boal - Não. Dirigi, no meu teatro em Paris, "Ifigênia em Áulis",
há três anos. É uma tragédia que
eu acho muito bacana e que inaugurou o meu teatro lá. Aqui, não.
Aqui me dediquei a fazer o Teatro
do Oprimido. Depois fui eleito vereador e, durante quatro anos, nós
formamos 50 grupos de teatro em
favelas, sindicatos, igrejas. Foi a
experiência do Teatro Legislativo.
Folha - A peça nova...
Boal - Eu escrevi duas. Uma é
"O Amigo Oculto", que é basicamente essa história de fim de ano,
só que, em vez de se contarem coisas maravilhosas, "o meu amigo é
genial", eles misturam com jogo
da verdade. "O meu amigo é" e
dizem tudo o que pensam (ri). É
uma forma de falar do Brasil de
hoje, usando teatro de "boulevard". Eu já fiz isso antes. Fiz na
Argentina um romance chamado
"A Deliciosa e Sangrenta Aventura Latina de Jane Spitfire, Espiã e
Mulher Sensual". Era um romance de tiro, morte. Aqui no Brasil,
vendeu 80 mil exemplares. Foi
uma loucura. Mas vendia em banca, não em livraria, porque os caras olhavam: "Ih, é sacanagem".
E tinha muita sacanagem, mas era
a história do golpe de Estado na
Argentina.
Então, desta vez eu pensei:
"Vou fazer um "boulevard'".
Com a empregadinha que entra
espanando móvel. É o mais escrachadamente "boulevard". Só que
eu falo do que está acontecendo na
moral brasileira, que está se destruindo, quer dizer, não tem mais
moral.
Folha - E você vai dirigir?
Boal - O Aderbal (Freire-Filho)
deve dirigir. Está com a Joana
Fomm, que é uma das atrizes.
Folha - O que deu em você, de
fazer "boulevard", a essa altura?
Boal - (ri) A essa altura! Eu gosto de usar linguagem que não está
habituada com aquele conteúdo.
Folha - O que fez você se manter
tão distante do teatro tradicional?
Boal - No "Corsário do Rei",
de Chico Buarque e Edu Lobo, que
eu dirigi em 85, aconteceram duas
coisas que, para mim, foram devastadoras. Primeiro, a atriz principal não foi ao ensaio geral porque estava gravando. O ensaio geral é a coisa que tem de mais sagrada. Você não pode faltar ao ensaio
geral. Segundo, três dias depois da
estréia, o ator que tinha um dos
papéis mais importantes chegou
para mim e disse: "Olha, eu tenho
que sair porque vou filmar no
Sul". Você fica com uma atriz
principal que não dá garantia se
vem ou não e com um ator que
"olha, eu vou-me embora".
Depois, nos outros espetáculos
que fiz, houve dificuldades. Diziam, "hoje não posso ensaiar".
Chegou uma hora em que eu comecei a me desesperar. "Se é assim, não quero mais." Como eu já
tinha dirigido tanta peça na minha
vida... Já dirigi cento e não sei
quantas peças, até mais. Um dia eu
vou somar. Deve estar pelas 150.
Eu disse: "Ah, não estou assim
com tanta necessidade de dirigir".
Agora está me voltando essa necessidade (ri). Me volta a vontade.
E eu vou dirigir. Eu quero que esta
seja o Aderbal, mas eu tenho outra
peça (ri). Com outro título bem
chavão, "A Herança Maldita".
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