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O amigo discreto de Freud
CÉLIA DE GOUVÊA FRANCO
da Reportagem Local
Durante quase 30 anos, entre
1909 e 1938, Sigmund Freud manteve estreita amizade com um personagem -hoje pouco conhecido
mesmo entre psicólogos e psiquiatras- que destoava do perfil do
círculo de amigos e seguidores do
"pai da psicanálise".
O suíço Oskar Pfister era diferente de Freud em muitos aspectos, a começar pela religião. Enquanto Freud se definia como
"um herege incurável", Pfister
não apenas era religioso, mas também teólogo e pastor da Igreja Reformada Suíça, além de professor
e psicanalista -por influência de
Freud.
Apesar das diferenças na questão religiosa, os dois se corresponderam durante quase três décadas
e se tornaram amigos, visitando
um a casa do outro e trocando
presentes e confidências sobre a
família, os amigos e mesmo os pacientes. Um exemplo da intimidade que se estabeleceu entre os dois:
numa carta, Freud escreveu que
conhecia, sim, L., um tradutor sobre o qual Pfister queria informações, e depois o descrevia como
"um sujeito bastante limitado e
rude, na verdade um completo
burro".
As cartas tratam de tudo, das várias correntes de idéias sobre psicanálise e ética até os fatos rotineiros, como as férias em família e a
doença -eczema- do cachorro
da filha de Freud.
Talvez por causa do seu temperamento cordato, Pfister acabou
sendo um dos poucos seguidores
de Freud a não ter atrito sério com
ele ou que não romperam a amizade -como ocorreu, por exemplo,
com Carl Jung.
Ele se tornou, gradualmente,
amigo de toda a família Freud.
"No ambiente doméstico dos
Freud, alheio a toda vida religiosa,
Pfister, com seus trajes religiosos e
aparência e atitude de um pastor,
era uma aparição de um mundo
estranho. No seu modo de ser não
havia nada da atitude científica
quase apaixonada e impaciente
com a qual outros pioneiros da
análise encaravam o tempo passado à mesa com a família como
uma mal-vinda interrupção das
suas discussões teóricas e clínicas", recorda-se a filha de Freud,
Anna, num depoimento de 1962.
Pfister se aproximou de Freud
por intermédio de Jung, que foi
seu supervisor quando Pfister começou a estudar seriamente os
princípios da psicanálise.
Pfister começou a escrever para
Freud e a partir daí passaram a
trocar cartas regularmente. Sobreviveram 134 manuscritos de Freud
-cartas, bilhetes, cartões-postais.
A maior parte dessa correspondência e algumas cartas de Pfister
foram publicadas em vários países
na década de 60, mas só agora aparecem em português.
A obra foi lançada na Bienal do
Livro como "Cartas entre Freud e
Pfister (1909-1939) - Um Diálogo
entre a Psicanálise e a Fé Cristã",
traduzido pela psicanalista Karin
Hellen Kepler Wondracek, numa
edição conjunta do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos e da
Editora Ultimato.
Algumas das cartas tratam da
possibilidade de conciliar religião
e psicanálise. Em 1927, Freud publica seu livro "O Futuro de uma
Ilusão", em que trata "da minha
posição totalmente contrária à religião -em todas as formas e diluições".
Na carta em que anuncia o livro,
Freud confessa que adiou o máximo que pôde o seu lançamento
exatamente por causa do amigo
-temia que a situação fosse constrangedora para Pfister.
Da Suíça, Pfister responde que
"sua rejeição da religião não me
traz nada de novo. Um adversário
de grande capacidade intelectual é
mais útil à religião que mil adeptos
inúteis". E, no ano seguinte, escreve um livro -"A Ilusão de um
Futuro"- para rebater as idéias
de Freud.
A OBRA
Cartas entre Freud e Pfister
(1909-1939) - Tradução de Karin Hellen K. Wondracek e Ditmar Junge. Ed. Ultimato (caixa
postal 43, CEP 36570-000, Viçosa, MG, tel. 031/891-3149). 200
págs. R$ 19,20.
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