São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007 |
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Política Reformas e jogo de poder
FÁBIO WANDERLEY REIS
Mas, com a crise do PT (que juntava a especial atração eleitoral de Lula ao esforço aparentemente sério de construção institucional) e, de cambulhada, a de seu adversário nas refregas recentes e parceiro no processo institucional que se esboçava, o PSDB, o que resta é o lulismo, que se mostra forte como nunca. Cabe reconhecer que, com o que tem de inédita a figura política de Lula, o lulismo pode ser visto como ao menos potencialmente positivo do ponto de vista institucional. Afinal, jamais a desigualdade social do país se projetou com tal clareza sobre a disputa da Presidência da República e é notável que -com as limitações que se queira apontar, de uma perspectiva "técnica" mais exigente, na política social do primeiro governo Lula- mesmo Geraldo Alckmin, favorecido pelo voto hostil a essa política, não tenha podido deixar de dar-lhe acolhida. Nesse quadro, a reformulação político-partidária que parece necessária terá provavelmente melhores chances de superar o retrocesso institucional representado pelo comprometimento do projeto petista (e peessedebista...) se de algum modo vier a incorporar a identificação do eleitorado popular com Lula e fundi-lo, quem sabe, com os bons quadros político-administrativos que o PSDB, em particular, soube reunir. Mas as dificuldades são muitas, a começar pela maturação num amálgama de fato consistente e duradouro das muitas manobras estratégicas conjunturais necessárias, já de si difíceis. É visível, por um lado, que o que temos como "projeto" de alguma clareza são as reformas de cunho liberalizante visando à integração mais apta do país na nova dinâmica econômica mundial, que têm o apoio de importantes frações da elite. Se, porém, a junção dessas reformas com as conquistas igualitárias da social-democracia é motivo de perplexidade e tensão pelo mundo afora, o problema de sua apropriada tradução político-eleitoral não pode senão tornar-se mais complicado na peculiar precariedade das condições sociais brasileiras. E não admira que seu apelo eleitoral esteja condenado a sair-se mal no confronto com o discurso que ressalte com alguma força o empenho redistributivo: veja-se Bolsa Família versus privatizações na campanha recente. Contudo, é talvez possível distinguir reformas de caráter mais "instrumental" e reformas "substantivas" que interferem mais diretamente no enfrentamento de interesses poderosos. As primeiras incluiriam medidas de reforma política destinadas não a implantar a fantasia da política "nobremente" ideológica, mas a dificultar a corrupção, ou mecanismos visando a agilizar a "máquina estatal" e torná-la capaz de buscar com maior eficiência os fins de quem quer que democraticamente a controle. É claro, antagonismos estruturais e viscosidades culturais estão presentes também aqui. Mas talvez tenhamos, nessa dimensão instrumental, maior espaço para a experimentação que possa consolidar-se e amadurecer, eventualmente favorecendo avanços em terrenos mais difíceis. Quem viver verá. FÁBIO WANDERLEY REIS é professor emérito de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais. É autor, entre outros, de "Tempo Presente" (ed. UFMG). Texto Anterior: Segundo ato Próximo Texto: Cultura: A cesta onde falta tudo Índice |
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