São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

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Saia rodada

De Botticelli a Warhol, da minissaia à indústria e ao comércio, "Roupa de Artista" mapeia a relação entre vestuário e arte

JOÃO BRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Roupa de Artista - O Vestuário na Obra de Arte", de Cacilda Teixeira da Costa, é um belo livro, uma grande pesquisa e um excelente resultado.
Trata-se de um trabalho sobre roupas e percepção do corpo pela visão do artista -e não do estilista (não que este não possa ser considerado um artista, uma vez que, pelas trocas de referências, sempre há cumplicidade)- como documento pictórico, tanto hagiográfico quanto secular.
Passa por trajes de corte, roupas burguesas e propostas subjetivas para conceitos e vestires em geral, dos universos feminino e masculino.
Na concisa, porém profunda, apresentação de Walter Zanini, pode-se perceber a essência do título: "A pesquisadora situa a importância adquirida pela indumentária como elemento ativamente integrante ao conjunto de fatores de definição da linguagem visual".
Ela abarca o intervalo histórico do Renascimento ao início do século 21, por meio de obras de arte cujo olhar é focado exatamente na vestimenta, sendo simultaneamente um relato de história da arte, história da indumentária e, por extensão, história dos costumes.
O livro é de excelente impressão, ricamente ilustrado e com texto bilíngue (português e inglês) muito objetivo, tanto descritivo quanto analítico.
Percorre, didaticamente, períodos e movimentos artísticos de forma linear e clara, ilustrando-os com trabalhos dos mais significativos da arte ocidental e suas contribuições na formação de cada "zeitgeist".
Isso se dá por meio das visões de mundo, pelo olhar do artista para as vestimentas e os correlatos que complementam o conjunto da indumentária.
O trabalho não esgota a abrangência do tema, mas, no que diz respeito às suas escolhas para os desdobramentos do livro, ela foi complexa sem ter sido pretensiosa, foi ampla sem ter sido cansativa, foi decidida sem que os não mencionados tenham sido esquecidos e foi generosa em socializar seu pensamento, sua interpretação e sua conclusão.
Trata-se de um conteúdo de extrema valia pública e para um mercado editorial sobre indumentária e moda de certa forma ainda emergente em língua portuguesa nos trópicos. Contribui assim para a ampliação de olhares pelas possibilidades de interface de áreas culturais e consequente difusão e troca de conhecimentos.

Singularidade brasileira
Ele é composto de duas partes: 1) um suplemento expressivo; e 2) um elemento plástico autônomo.
A primeira abrange nove capítulos e a outra, mais extensa, 14. Transita por diversas expressões plásticas -pintura, escultura, desenho, gravura, manifesto e as atuais performances e instalações- e nos agracia com Ticiano, Botticelli, Michelangelo, Bernini, Velázquez, Watteau, Boucher, Vigée-Le Brun, Fragonard, David, Ingres, Goya, Monet, Manet, Toulouse-Lautrec, Klimt, entre inúmeros outros.
Chega ao século 20 focando a arte moderna pelo viés dos futuristas italianos e pelos "vestidos simultâneos" de Sonia Delaunay. Passa pelas vanguardas russas evidenciando as roupas produtivistas de Rodtchenko.
Não esquece de Dalí com seu "Costume do Ano 2045", visão surreal para o futuro da roupa feminina e cuja criação pertence ao acervo do Masp. Avança na arte contemporânea e enfoca Warhol, Christo e Jeanne-Claude, Beuys, Nam June Paik e outros mais.
Para nosso deleite nacionalista, inclui inúmeros artistas brasileiros ou aqueles estrangeiros que tenham olhado para os trópicos, como Eckhout e Debret. Acrescenta Pedro Américo e Araújo Porto Alegre.
Em momentos mais contemporâneos, começa com Flávio de Carvalho em sua "singularidade brasileira" na "Experiência nº 3". Aí ele propõe a minissaia para homens (antes que Courrèges a tivesse proposto para mulheres, na Paris do início dos anos 1960, e Mary Quant a tivesse difundido, via Londres, em meados deste mesmo decênio).
Passa também pelas propostas de Hélio Oiticica, Lygia Clark, Nelson Leirner, entre outros.
O livro também fala das relações da indústria e do comércio com as artes por meio das propostas de Milton Dacosta, Alfredo Volpi, Iberê Camargo, Waldemar Cordeiro e alguns mais. Acrescenta o emblemático e internacionalmente conhecido trabalho de Arthur Bispo do Rosário, além de documentar Leonilson e Tunga.
A obra conclui com Jum Nakao que, por meio de seus "A Costura do Invisível" e "Lux Delix" -desfile, livro, vídeo e exposição-, ajuda a legitimar arte e moda brasileiras contemporâneas.

O Brasil no mundo
Muito gratificante é como a autora valoriza e inclui a criação brasileira no cenário internacional das artes pelo viés da indumentária; e não só evidencia, de maneira colonizada, as realidades estrangeiras.
Livro indispensável tanto às bibliotecas das escolas de arte e moda quanto às dos iniciados e iniciantes nesses universos.
Por suas fontes e enfoques, há de servir de muitas inspirações e deve ser percebido, lido, admirado, apreendido e memorizado, seja para o aprendizado ou por puro prazer. Obra de referência e contemplação.


JOÃO BRAGA é professor de história da arte e história da moda na Fundação Armando Álvares Penteado e na Faculdade Santa Marcelina (SP).

Roupa de Artista
Autora: Cacilda Teixeira da Costa
Editora: Imprensa Oficial/Edusp (tel. 0/ xx/11/ 3091-4008)
Quanto: R$ 120 (312 págs.)


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