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Universidade
da bonança
Falta de verba não é mais desculpa para
o pouco desenvolvimento do ensino superior no Brasil
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
COLUNISTA DA FOLHA
A todo momento, se
anuncia a fraqueza
de nosso sistema
de ensino. Uma
notícia na Folha
(3/3) a resume: "País só cumpre 33% de metas de educação". E, como sempre, os responsáveis oficiais culpam a
falta de verbas. Já que a questão é complexa, limito-me ao
caso do sistema superior.
Um bom governo espera
que 30% dos jovens de 18 a 24
anos devam estar matriculados nele. Havia uma demanda
reprimida por mais vagas e o
governo Lula escancarou-lhe
as portas.
O sistema tem crescido impressionantemente. O orçamento da rede federal pulou
de R$ 9 bilhões para R$ 13 bilhões sem os inativos, segundo a professora Maria Paula
Dallari Bucci, secretária do
Ensino Superior do Ministério da Educação, em entrevista ao "Estado de S. Paulo" (em
28/2).
Ela ainda se refere a uma
universidade revitalizada que
tem mais de 15 mil professores e técnicos e mais de 20 mil
funcionários.
Outros dados, porém, apontam noutra direção. Respondendo à pergunta a respeito
das vagas ociosas, uma sobra
de mais de 7.000 postos nos
vestibulares, o que dá mais de
4% da oferta, ela responde:
"Haviam [sic, a professora
emula com o linguajar do presidente] informações erradas.
Na verdade, o número está em
5.000."
Outras informações, porém, continuam confirmando
o excesso. Depois de duas seleções, ainda é muito baixo o
número de matrículas por
meio da nota do Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]. Apenas metade das vagas
estão sendo preenchidas.
No caso do ProUni [Programa Universidade para Todos],
o próprio ministério reclama
da quantidade de alunos que
se inscrevem sem posteriormente confirmar a matrícula.
Não dá para tapar o sol com
a peneira. Se o governo FHC
foi pão-duro com o sistema federal do ensino superior e
abriu as pernas para a expansão do ensino privado, o governo Lula escancarou as portas de ambos os sistemas.
Tenta empurrar os jovens
para as escolas sem levar em
conta o sentido profundo dessa demanda e pouco se lixa se
o diploma conquistado corresponde a ensino de qualidade. A permissão para que as
universidades privadas entupam o espaço público com ensino à distância, sem regras de
diversificação e rígidos procedimentos de avaliação, comprova o que afirmo.
Crise da expansão
Por que os dois governos,
cuja continuidade cada vez fica mais patente, tendo bom
sucesso em outros domínios,
fracassaram diante dos desafios postos pelo sistema educacional brasileiro como um
todo? E, se alguém disso duvidar, que verifique o desempenho de nossos alunos quando
comparados com seus colegas
de outros países.
Não estaria eu exagerando?
Diante da enorme expansão
do ensino superior, considerando o volume das verbas
que está recebendo, os problemas não seriam apenas pontuais? A rede de ensino se expandiu, os alunos serão mais
patriotas e deixarão de se matricular em várias escolas, por
conseguinte não mais bloquearão vagas.
É natural que a expansão
provoque queda na qualidade
de ensino, mas com o tempo
tudo vai melhorar.
Isso seria verdade se o sistema universitário fosse apenas
uma planta que, para crescer,
necessitasse de bom estrume.
Este o governo Lula tem lhe
dado, mas lhe falta boa política. E esta só poderá ser levada
a cabo se levar em conta as peculiaridades dinâmicas do sistema, internas e externas.
Primeiramente, é preciso
estabelecer um diálogo franco
e firme entre as lideranças
universitárias e os sindicatos
de professores, funcionários e
alunos.
Se hoje é bem verdade que
nas universidades federais se
quebrou aquele ritmo perverso das greves do primeiro semestre, reivindicando aumentos salariais e "mais verbas para a educação" -monotonia que ainda perdura na
USP-, isso é porque todos estão nadando em dinheiro. Este, entretanto, está sendo bem
aplicado?
Não creio. Uma política efetiva, baseada num programa
de ensino e de pesquisa segundo metas precisas, necessita
partir das condições e vocações regionais.
É insano imaginar o Brasil
inteiro povoado por universidades imitando a USP, a Universidade Federal do Rio de
Janeiro, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e outras de porte semelhante.
Um projeto centralizado
que cumpra modelos desenhados em Brasília nada mais
será do que o simulacro incapaz de ser nacional porque
não passa pelo regional.
Joio e trigo
E este governo tem a mania
e, pior, a ideologia de tudo
centralizar. Que se levem em
conta as trapalhadas do
Enem. Exame indispensável
para dar unidade a nosso ensino e apontar suas falhas a serem corrigidas. Que ainda sirva de ponte entre o ensino médio e o ensino superior, evitando o martírio dos vestibulares. Mas o exame emperrou
desde o início.
Um bom projeto, que deveria ser implementado passo a
passo, terminou manco por
causa de tudo organizar a partir de Brasília e da pressa de
um jovem ministro [Fernando Haddad] que, a despeito de
ter começado muito bem, tem
se atrapalhado depois de picado pela mosca azul do poder.
Mas esse exame nacional
uniformizador bastará para
selecionar candidatos a vagas
em unidades universitárias,
cujas vocações devem ser diferenciadas para cumprir suas
vocações regionais?
Segundo, a extraordinária
expansão do ensino superior
torna premente reformular a
carreira do professor universitário. As universidades estão
contratando enorme número
de docentes. Muitos por concurso, como é devido.
Adquirem, então, estabilidade funcional.
Mas essa colheita forçada
não está juntando joio e trigo?
Mesmo nas condições normais, seria admirável que metade dos aprovados ainda fosse produtiva daqui a dez anos.
Depois da atual colheita a
laço, quantos ainda estarão
produzindo daqui a uma década? Essa forma de estabilidade tende a fossilizar o ensino,
a pesquisa e a extensão.
O corpo docente necessita
de avaliação periódica. E pouco adianta institutos avaliadores, como a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior],
caírem no "produtivismo", como dizia a esquerda de araque,
e gargarejarem estatísticas, se
a própria carreira do funcionário não for modificada.
Não se trata de botar na rua
o docente emperrado, mas de
encontrar para ele funções diferentes que dignifiquem seu
trabalho em outros empregos
públicos ou privados.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e pesquisador do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento. Escreve na seção
"Autores", do Mais!.
jagiannotti@uol.com.br
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