São Paulo, domingo, 7 de junho de 1998

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D. Paulo diz que não quis saber da luta armada

da Redação

D. Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo de 1973 a 1998, afirmou à Folha que nunca quis saber se os frades dominicanos participaram ou não da luta armada ao lado da ALN.
Ele foi o principal membro da igreja que defendeu, a partir do final dos anos 60, os direitos humanos e criticou a tortura no regime militar. Foi também um dos organizadores do lançamento, em 85, do projeto "Brasil, Nunca Mais", dossiê sobre os mortos e desaparecidos políticos durante o período.
Em novembro de 69, quando era bispo auxiliar, d. Paulo foi designado para visitar os dominicanos no presídio Tiradentes e constatou que estava havendo tortura.
"Para entrar lá, passei pelas armas dos militares e pela supervisão dos carcereiros. Entrei no presídio tendo ao meu lado direito um espião e ao meu lado esquerdo outro espião. Eles iriam ouvir tudo que eu falasse com os frades", contou d. Paulo à Folha.
Como não poderia falar com os presos políticos sobre maus-tratos, perguntou a eles o que mais necessitavam no presídio. "Eles me responderam que precisavam de remédio. Então, logo entendi: quer dizer que estão machucados". D. Paulo deduziu que estavam sendo torturados.
Os dominicanos, entre eles os frades Tito, Fernando, Ivo e Betto, participavam da ALN, a maior organização de luta armada no regime militar brasileiro, envolvimento que a igreja não autorizava. D. Paulo, no entanto, diz que não se interessou em saber que tipo de participação tinham os padres.
"Só queria saber se estavam sendo bem tratados. Sobre o (frei) Betto, nunca soube o que ele fez. Até hoje não sei", disse d. Paulo.

"Mea culpa"
O ex-cardeal-arcebispo de São Paulo disse que começou a se interessar pela luta dos direitos humanos após tomar conhecimento das prisões e torturas de Ribeirão Preto, quando foram detidos guerrilheiros da FALN (Forças Armadas de Libertação Nacional) e madre Maurina Borges da Silveira.
"O arcebispo de Ribeirão à época, d. Felício da Cunha, tinha sido meu professor. Ele me contou sobre os abusos policiais na cidade." D. Felício excomungou dois delegados que estariam envolvidos na tortura em Ribeirão Preto.
"Os policiais fizeram maldades com os prisioneiros, inclusive contra a madre Maurina", disse.
Depois disso, em 72, numa Assembléia Ordinária da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Paulo e outros bispos aprovaram um documento que e criticava a existência da tortura no Brasil. "Foi o primeiro documento da igreja contra a tortura", afirma o historiador Kenneth Serbin.
A luta de d. Paulo contra a tortura lhe rendeu vários problemas. Em agosto de 82, por exemplo, uma edição do jornal "O São Paulo", da arquidiocese da cidade, foi falsificada e distribuída nas igrejas da capital com um "mea culpa" do cardeal-arcebispo.
O texto apócrifo trazia uma condenação de d. Paulo ao marxismo e à teologia da libertação.
Dias depois, foi rodada uma edição de "O São Paulo" desmentindo o jornal falsificado.
No último dia 17, ele celebrou sua missa de despedida como cardeal-arcebispo de São Paulo. Assumiu em seu lugar d. Cláudio Hummes. (LE)



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