São Paulo, domingo, 07 de outubro de 2007

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Ponto de Fuga

Olho de mercador


Ambroise Vollard foi crucial para a afirmação da arte moderna: basta lembrar que 678 quadros pintados por Cézanne passaram por suas mãos -dois terços da produção desse mestre

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

A mulher mais bonita do mundo nunca teve seu retrato pintado, gravado, desenhado mais vezes do que Vollard por Cézanne, Renoir, Rouault, Bonnard, Forain." A frase de Picasso sobre o marchand Ambroise Vollard poderia ter juntado ainda Maurice Denis, Félix Valloton, Dufy, Brassaï (em fotografia) e a si próprio, Picasso, que o figurou várias vezes.
Entre outras, Picasso elaborou a imagem de Vollard numa tela de 1909, obra-prima cubista feita de tantos prismas em intersecção: em meio a eles emerge o rosto, concentrado e perfeitamente reconhecível do amigo.
Vollard viveu no período mais efervescente das criações modernas em arte. Morreu num desastre de carro aos 73 anos, esmagado, dizem, por uma prancha de gravura ou, talvez, por um bronze de Maillol ou, ainda, quem sabe, por ambos. Muito jovem, em 1888, decidiu comprar e vender obras de arte. Começou com gravuras.
Em 1894 investiu seriamente na pintura de vanguarda, adquirindo, a preço muito baixo, parte do espólio do Père Tanguy, que continha quadros excepcionais. Tanguy fora o proprietário de uma loja de telas, tintas e pincéis, que aceitava quadros de obscuros pintores a título de pagamento. Entre os que Vollard obteve estavam Van Gogh, Cézanne e Gauguin.
Até sua morte, Vollard foi amigo dos artistas, que confiavam nele mesmo quando, para rir, faziam trocadilho com seu nome, cuja sonoridade lembra a palavra francesa "voleur", ladrão. Émile Bernard inventou o apelido "Vole-art", que quer dizer "rouba-arte".

Caverna
Vollard não era um vendedor agressivo; preferia, muitas vezes, esconder seus quadros. Porém, em algumas décadas, tornou-se o mais rico marchand da França. A aposta que fez nos modernos foi vencedora. Comprava em massa a produção de um artista cujo sucesso futuro pressentia, desembolsando o menos possível.
Aguardava então que as obras aumentassem de valor. Promovia a arte de vanguarda com exposições importantes: organizou as primeiras retrospectivas consagradas a Cézanne e Van Gogh.
Vivia sem luxo, em apenas dois cômodos de uma casa grande, que entupia de obras, empilhadas em desordem e cobertas de poeira. Conta, num livro de memórias, sua vida em meio às artes: "Souvenirs d'un Marchand de Tableaux" (Lembranças de um Comerciante de Quadros, ed. Albin Michel).

Feitor
Vollard foi crucial para a afirmação da arte moderna. Basta lembrar que 678 quadros pintados por Cézanne passaram por suas mãos, o que significa dois terços da produção desse grande mestre.
Estendeu a rede internacional de colecionadores para quem fornecia obras soberbas: Morosov e Schukin na Rússia, Barnes, Havemeyer, nos EUA.
Induziu grandes museus a comprar quadros "arriscados", ou seja, de autores cuja consagração ainda não viera. Gostava de estimular os artistas, sugerindo que tentassem práticas diferentes daquelas que eram as suas: insiste em que Bonnard, pintor, experimente a escultura, leva Rodin à gravura e, sobretudo, promove a edição de maravilhosos livros ilustrados. Entre eles está "A Obra-Prima Desconhecida", de Balzac, com 90 estupendas imagens criadas por Picasso, tesouro precioso dos grandes bibliófilos.

Conjunção
Talvez o ano em que estamos, terminado em sete, tenha sugerido ao Metropolitan em Nova York e ao museu D'Orsay, em Paris, a idéia de uma exposição sobre Vollard, que nasceu em 1866 e morreu em 1939. Ela se encerrou em Paris no dia 16 de setembro. Reuniu 167 obras que pertenceram a Vollard, escolhidas a dedo em coleções do mundo todo.


jorgecoli@uol.com.br


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