|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ponto de Fuga
Olho de mercador
Ambroise Vollard foi crucial para a afirmação da arte moderna: basta lembrar que 678 quadros pintados por Cézanne passaram por suas mãos -dois terços da produção desse mestre
|
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
A mulher mais bonita do
mundo nunca teve seu
retrato pintado, gravado, desenhado mais vezes do
que Vollard por Cézanne, Renoir, Rouault, Bonnard, Forain." A frase de Picasso sobre o
marchand Ambroise Vollard
poderia ter juntado ainda Maurice Denis, Félix Valloton,
Dufy, Brassaï (em fotografia) e
a si próprio, Picasso, que o figurou várias vezes.
Entre outras, Picasso elaborou a imagem de Vollard numa
tela de 1909, obra-prima cubista feita de tantos prismas em
intersecção: em meio a eles
emerge o rosto, concentrado e
perfeitamente reconhecível do
amigo.
Vollard viveu no período
mais efervescente das criações
modernas em arte. Morreu
num desastre de carro aos 73
anos, esmagado, dizem, por
uma prancha de gravura ou,
talvez, por um bronze de Maillol ou, ainda, quem sabe, por
ambos. Muito jovem, em 1888,
decidiu comprar e vender
obras de arte. Começou com
gravuras.
Em 1894 investiu seriamente
na pintura de vanguarda, adquirindo, a preço muito baixo,
parte do espólio do Père Tanguy, que continha quadros excepcionais. Tanguy fora o proprietário de uma loja de telas, tintas e pincéis, que aceitava
quadros de obscuros pintores a
título de pagamento. Entre os
que Vollard obteve estavam
Van Gogh, Cézanne e Gauguin.
Até sua morte, Vollard foi
amigo dos artistas, que confiavam nele mesmo quando, para
rir, faziam trocadilho com seu
nome, cuja sonoridade lembra
a palavra francesa "voleur", ladrão. Émile Bernard inventou
o apelido "Vole-art", que quer
dizer "rouba-arte".
Caverna
Vollard não era um vendedor
agressivo; preferia, muitas vezes, esconder seus quadros. Porém, em algumas décadas, tornou-se o mais rico marchand
da França. A aposta que fez nos
modernos foi vencedora. Comprava em massa a produção de
um artista cujo sucesso futuro
pressentia, desembolsando o
menos possível.
Aguardava então que as
obras aumentassem de valor.
Promovia a arte de vanguarda
com exposições importantes:
organizou as primeiras retrospectivas consagradas a Cézanne e Van Gogh.
Vivia sem luxo, em apenas
dois cômodos de uma casa
grande, que entupia de obras,
empilhadas em desordem e cobertas de poeira. Conta, num livro de memórias, sua vida em
meio às artes: "Souvenirs d'un
Marchand de Tableaux" (Lembranças de um Comerciante de
Quadros, ed. Albin Michel).
Feitor
Vollard foi crucial para a afirmação da arte moderna. Basta
lembrar que 678 quadros pintados por Cézanne passaram
por suas mãos, o que significa
dois terços da produção desse
grande mestre.
Estendeu a rede internacional de colecionadores para
quem fornecia obras soberbas:
Morosov e Schukin na Rússia,
Barnes, Havemeyer, nos EUA.
Induziu grandes museus a
comprar quadros "arriscados",
ou seja, de autores cuja consagração ainda não viera.
Gostava de estimular os artistas, sugerindo que tentassem
práticas diferentes daquelas
que eram as suas: insiste em
que Bonnard, pintor, experimente a escultura, leva Rodin à
gravura e, sobretudo, promove
a edição de maravilhosos livros
ilustrados. Entre eles está "A
Obra-Prima Desconhecida", de
Balzac, com 90 estupendas
imagens criadas por Picasso,
tesouro precioso dos grandes
bibliófilos.
Conjunção
Talvez o ano em que estamos,
terminado em sete, tenha sugerido ao Metropolitan em Nova
York e ao museu D'Orsay, em
Paris, a idéia de uma exposição
sobre Vollard, que nasceu em
1866 e morreu em 1939. Ela se
encerrou em Paris no dia 16 de
setembro. Reuniu 167 obras
que pertenceram a Vollard, escolhidas a dedo em coleções do
mundo todo.
jorgecoli@uol.com.br
Texto Anterior: Os Dez + Próximo Texto: Discoteca Básica: Camargo Guarnieri Índice
|