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Torres fêmeas
Ganhadora de 1 Pulitzer, Susan Faludi fala de "O Sonho do Terror"
e diz que o 11 de Setembro acentuou diferenças entre os sexos
PATRICIA COHEN
As fotos assustadoras
e dilacerantes de
setembro de 2001
expostas na New
York Historical Society estão suspensas por clipes
em fileiras organizadas, como
roupas penduradas num varal.
Entre elas há uma imagem
em preto-e-branco de uma figura de cartolina, em tamanho
natural, do ator John Wayne
em sua época áurea, com um
cartaz pendurado de seu pescoço dizendo: "Este não é momento para caubóis".
"Essa poderia ser a capa de
meu livro", disse Susan Faludi.
Ela estava visitando a mostra
organizada pela Historical Society de fotos e artefatos dos
ataques ao World Trade Center
e falando de seu livro "The Terror Dream - Fear and Fantasy
in Post-9/11 America" [O Sonho do Terror - Medo e Fantasia na América pós-11 de Setembro, Metropolitan Books, 368 págs., US$ 26, R$ 47].
Jornalista premiada com o
Prêmio Pulitzer e autora de
dois livros anteriores, Faludi ficou perplexa com as seqüelas
culturais daquele dia. O que encontrou, diz ela, foi um forte
ressurgimento de papéis sexuais tradicionais e a glorificação da virilidade do homem
forte, conforme é personificado por John Wayne, o arquissalvador de mocinhas virtuosas, mas desamparadas.
Retrocesso
O pensamento pré-feminista
estava por toda parte, disse ela.
Na mídia, onde mulheres comentaristas de repente se tornaram escassas após o 11 de Setembro, e onde começaram a surgir artigos enganosos sobre
tendências, falando de mulheres cuidando da casa e fazendo
comida; em retratos feitos dos
heróis daquele dia como sendo
homens e das vítimas como
mulheres; e em filmes como
"Guerra dos Mundos", de 2005,
disse ela, em que Tom Cruise é
"um pai divorciado e fracassado que é emasculado por sua
mulher e reconquista sua virilidade ao salvar a filhinha deles".
No final desse filme, o personagem de Cruise aninha a filha
nos braços, num eco da cena final do clássico de 1956 de John
Wayne, "Rastros de Ódio",
quando carrega para casa sua
sobrinha, que tinha sido capturada por índios anos antes. "É
algum tipo de fixação bizarra e
estranhamente fora de proporção", disse Faludi, "uma exaltação da masculinidade americana numa crise intergaláctica".
Desprezo
Quem não se adequou a essa
versão dos fatos -como mulheres que ajudaram no resgate em
11 de setembro de 2001 e viúvas
que se recusaram a permanecer obedientemente prostradas
pela dor ou, então, que questionaram as falhas da inteligência-, acrescentou, foi tratado
com desprezo.
A visão que Faludi apresenta
dos fatos pode parecer constituir-se numa seqüência de seu
best-seller de 1992, "Backlash
-O Contra-Ataque na Guerra
Não Declarada às Mulheres"
[ed. Rocco].
Mas Faludi vai além. Ela situa o conservadorismo pós-11
de Setembro dentro de uma
tradição de 300 anos de "reengenharia cultural", na qual a falha humilhante dos pioneiros
desbravadores do Velho Oeste
em proteger suas mulheres e
seus filhos dos ataques de índios passou por uma revisão,
para dar lugar a retratos de "coragem férrea por parte dos homens brancos e desamparo
vestido de crinolina da parte
das mulheres brancas", como
escreveu em ensaio no "New
York Times" em setembro.
Mas será que é possível retroceder até a época colonial
dos EUA para explicar um fenômeno do século 21?
Afinal, a narrativa clássica do
bravo caubói -samurai, cavaleiro, príncipe, soldado, camponês, repórter de fala mansa, piloto de nave espacial, hobbit-
que resgata mulheres e crianças em perigo é um dos ingredientes básicos das culturas de
todo o mundo.
E a vergonha da derrota e da
invasão figurou com muito
mais destaque na história de
muitos outros países que na
dos EUA.
Novo Mundo
Faludi disse que cada cultura
"molda seus mitos próprios de
maneira específica, baseada em
seus próprios dramas históricos". Outros países "têm uma
tradição secular de costumes,
rituais e um senso de identidade profundamente arraigado".
"É diferente para nós, porque
somos uma nação tão jovem",
acrescentou. Não importa que
os EUA tenham sido, de modo
geral, imunes a ataques lançados contra seu solo: "A vulnerabilidade dos pioneiros que desbravaram os EUA é nosso "trauma fundador'".
Essa abordagem psicológica
sem dúvida encontrará ouvintes céticos.
John Demos, historiador de
Yale cujo trabalho sobre a história americana é citado em "O
Sonho do Terror", disse que
considera Faludi "uma pensadora muito poderosa", mas
ponderou: "Tenho dúvidas
quanto à noção toda de uma
psique nacional que nutre traumas inconscientes profundos
ao longo de séculos".
Baseando seus comentários
no ensaio de Faludi, Demos
disse que a maneira como as
histórias sobre o Velho Oeste
foram mudando ao longo do
tempo "faz parte de um movimento muito mais amplo para
modificar estereótipos e papéis
baseados no gênero".
Faludi, que vive em San
Francisco, disse que inicialmente não tinha a intenção de
escrever sobre o 11 de Setembro. Em questão de horas, um
repórter de jornal telefonou
para lhe perguntar qual era sua
opinião sobre o efeito que os
ataques teriam sobre "nossa
tessitura social", antes de
acrescentar, "em tom bizarramente satisfeito", segundo Faludi: "Uma coisa é certa: isto
daqui vai varrer o feminismo
do mapa!".
Reações diferentes
Mesmo assim, foi apenas em
julho de 2005 que ela decidiu
escrever "O Sonho do Terror".
Ela estava fazendo um discurso
em Estocolmo quando terroristas detonaram bombas no
metrô de Londres. Depois de
ler os jornais britânicos, disse
Faludi, "o que realmente chamou minha atenção foi como as
reações foram diferentes".
"Um fato criminoso foi tratado como fato criminoso", explicou. A mídia britânica não "entrou em surto, dizendo que isso
era um referendo sobre a política sexual britânica".
Quando se deu conta de que
ninguém mais estava escrevendo sobre esse tema, decidiu fazê-lo ela mesma.
Quando Faludi caminhou
pelos corredores de mármore
da Historical Society, passou
por relíquias do desabamento
das torres: a porta de um caminhão de bombeiros, um pedaço
de metal retorcido.
Kathleen Hulser, historiadora pública do museu, disse que
a exposição não tem textos que
a acompanhem porque "realmente não havia um ponto de
vista único". O que é incomum
nessa exposição, disse, é que
"se trata de um ponto de encontro entre o objeto e a pessoa
que o vê".
Juntando pedaços
Faludi parou ao lado de um
fragmento de trem de pouso de
um dos aviões. "Temos pedaços, mas não temos história",
disse ela. "É como os objetos
apresentados por um advogado
como provas, mas sem a explicação que os acompanha."
Nesse ponto, falou, a mostra
espelha a situação do imediato
pós-11 de Setembro.
Mas então o governo de
George W. Bush, auxiliado pela
mídia e outros setores, apresentou uma narrativa pronta
que sufocou as experiências
reais das pessoas.
A linguagem também foi
cooptada, disse Faludi, mencionando que sobreviventes e
trabalhadores chamavam o local da tragédia de "the pile" [a
pilha], enquanto a mídia recorreu ao jargão militar para rebatizá-lo de "ponto zero".
"As reações emocionais pessoais são canalizadas e atreladas numa construção mitológica", disse ela, e às pessoas é dito: "É isto que vocês devem
sentir". Para Susan Faludi, a
história oficial, a narrativa pré-fabricada, está desabando em
razão de revelações de falhas do
governo e do apoio cada vez
menor à Guerra do Iraque.
Ela quer oferecer um comentário alternativo. Um dos curadores da exposição na Historical Society, disse ela, traçou uma distinção entre os artefatos expostos e arte: "Arte é um
processo de dar um passo para
trás e ver o que aquilo significa.
É isso o que estou tentando fazer neste livro: tentando identificar o significado".
Este texto saiu no "New York Times".
Tradução de Clara Allain .
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