|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ponto de Fuga
Notas em conserva
Para sorte
da música brasileira,
a cantora búlgara Krassimira Stoyanova
foi escalada para interpretar Cecilia, de
"Il Guarany",
e Delia,
de "Fosca",
de Carlos Gomes
|
JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Era uma cornucópia que
distribuía bem-aventurados ou melancólicos gozos artísticos. Era um instrumento de música, era um fonógrafo."
Este elogio está no capítulo
"Vagas de Harmonia", do romance "A Montanha Mágica",
escrito por Thomas Mann
[1875-1955]. Sua beleza não se
esquece nunca. Declaração de
amor à música decerto, mas
não qualquer música: apenas
àquela gravada em disco.
Detalha uma vitrola moderna para aqueles tempos; as agulhas que deviam ser trocadas;
os frágeis discos em 78 rotações. Descreve interpretações
fixadas para sempre da "Aida",
da "Carmen", do "Tannhauser", de um lied de Schubert.
Expõe a paixão imperiosa que
invade Hans Castorp, o herói,
por essa máquina, por esses
discos negros.
Thomas Mann fez ali uma fenomenologia apaixonada da
escuta musical pelas gravações.
"Ouvia os cantores e cantoras, mas não os via, a forma humana que possuíam estava na
América, em Milão, em São Petersburgo, pois o que tinha deles era o melhor deles mesmos,
eram suas vozes, e ele gostava
dessa depuração, ou abstração..."
O amor pela música gravada
existe hoje em suportes muito
mais aperfeiçoados, menos
poéticos, mas repletos de paixões e bálsamos. Além dos pentagramas, forma outra história
da música, depositada na espessura do som.
Supernova
Disco muito necessário para
uma felicidade plena: "I Palpiti
d'Amor".
Contém o recital de uma voz
extraordinária. A cantora é
Krassimira Stoyanova. Búlgara, estreou em 1995.
Para sorte da música brasileira, foi escalada para interpretar
Cecilia, de "Il Guarany", e Delia, de "Fosca", de Carlos Gomes, em Sófia; não era ainda tão
célebre. As duas interpretações
foram gravadas em disco. Foram filmadas também, mas
permanecem apenas em VHS.
"I Palpiti d'Amor" reúne
árias magníficas e raras, entre
elas as das duas heroínas de Gomes, mas ainda de Verdi, Puccini, Halévy, Meyerbeer, Offenbach (selo Orfeo).
A voz é escura, aveludada,
apaixonada, com grande agilidade. Para ver Krassimira Stoyanova no palco, há dois DVDs
antológicos: "Otello", de Verdi,
com José Cura, no Liceo de
Barcelona (BBC/Opus Arte), e,
sobretudo, "La Juive", de Halévy, em Viena (Deutsche
Grammophon).
Raro
De uma faixa a outra, a atenção não esmorece.
O título do CD é "Campinas
ao Piano": reúne compositores
que, por suas trajetórias, estão
ligados à cidade (ed. Prefeitura
de Campinas).
Estão nele, pela primeira vez
em disco, as quatro "Sonatinas", de Almeida Prado, definitivas para o repertório de piano
no Brasil.
Estão obras de Marco César
Padilha, entre elas a formidável
"Sonata Actus Tragicus": Padilha é um criador com dons verdadeiramente excepcionais.
Ainda: as deliciosas peças infantis de Rafael dos Santos e o
"Mormorio", tão inspirado, de
Carlos Gomes. Tudo interpretado por Cintia Albrecht: seu
toque tem cores incandescentes que arrebatam o ouvinte.
Outro penteado
Os tempos mudaram, as estréias de ópera já não têm o glamour que tinham. Mantiveram, porém, certo ar de badalação social e o clima elétrico das
expectativas.
Em récitas posteriores, a agitação se acalma, os espetáculos
se ajustam, e a obra se oferece
melhor. Foi o que aconteceu
com "Sansão e Dalila", de
Saint-Saëns, no Teatro Municipal de São Paulo. A apresentação de 28/11, com correções na
montagem, com maior fusão na
orquestra, fluiu belamente. O
tenor brasileiro Marcelo Vanucci, no tremendo papel principal, mostrou sua voz homogênea e autoridade dramática.
jorgecoli@uol.com.br
Texto Anterior: Os Dez + Próximo Texto: Filmoteca Básica: O Homem Urso Índice
|