São Paulo, domingo, 07 de dezembro de 2008

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Ponto de Fuga

Notas em conserva


Para sorte da música brasileira, a cantora búlgara Krassimira Stoyanova foi escalada para interpretar Cecilia, de "Il Guarany", e Delia, de "Fosca", de Carlos Gomes

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Era uma cornucópia que distribuía bem-aventurados ou melancólicos gozos artísticos. Era um instrumento de música, era um fonógrafo."
Este elogio está no capítulo "Vagas de Harmonia", do romance "A Montanha Mágica", escrito por Thomas Mann [1875-1955]. Sua beleza não se esquece nunca. Declaração de amor à música decerto, mas não qualquer música: apenas àquela gravada em disco.
Detalha uma vitrola moderna para aqueles tempos; as agulhas que deviam ser trocadas; os frágeis discos em 78 rotações. Descreve interpretações fixadas para sempre da "Aida", da "Carmen", do "Tannhauser", de um lied de Schubert. Expõe a paixão imperiosa que invade Hans Castorp, o herói, por essa máquina, por esses discos negros.
Thomas Mann fez ali uma fenomenologia apaixonada da escuta musical pelas gravações. "Ouvia os cantores e cantoras, mas não os via, a forma humana que possuíam estava na América, em Milão, em São Petersburgo, pois o que tinha deles era o melhor deles mesmos, eram suas vozes, e ele gostava dessa depuração, ou abstração..." O amor pela música gravada existe hoje em suportes muito mais aperfeiçoados, menos poéticos, mas repletos de paixões e bálsamos. Além dos pentagramas, forma outra história da música, depositada na espessura do som.

Supernova
Disco muito necessário para uma felicidade plena: "I Palpiti d'Amor". Contém o recital de uma voz extraordinária. A cantora é Krassimira Stoyanova. Búlgara, estreou em 1995. Para sorte da música brasileira, foi escalada para interpretar Cecilia, de "Il Guarany", e Delia, de "Fosca", de Carlos Gomes, em Sófia; não era ainda tão célebre. As duas interpretações foram gravadas em disco. Foram filmadas também, mas permanecem apenas em VHS.
"I Palpiti d'Amor" reúne árias magníficas e raras, entre elas as das duas heroínas de Gomes, mas ainda de Verdi, Puccini, Halévy, Meyerbeer, Offenbach (selo Orfeo).
A voz é escura, aveludada, apaixonada, com grande agilidade. Para ver Krassimira Stoyanova no palco, há dois DVDs antológicos: "Otello", de Verdi, com José Cura, no Liceo de Barcelona (BBC/Opus Arte), e, sobretudo, "La Juive", de Halévy, em Viena (Deutsche Grammophon).

Raro
De uma faixa a outra, a atenção não esmorece. O título do CD é "Campinas ao Piano": reúne compositores que, por suas trajetórias, estão ligados à cidade (ed. Prefeitura de Campinas).
Estão nele, pela primeira vez em disco, as quatro "Sonatinas", de Almeida Prado, definitivas para o repertório de piano no Brasil. Estão obras de Marco César Padilha, entre elas a formidável "Sonata Actus Tragicus": Padilha é um criador com dons verdadeiramente excepcionais. Ainda: as deliciosas peças infantis de Rafael dos Santos e o "Mormorio", tão inspirado, de Carlos Gomes. Tudo interpretado por Cintia Albrecht: seu toque tem cores incandescentes que arrebatam o ouvinte.

Outro penteado
Os tempos mudaram, as estréias de ópera já não têm o glamour que tinham. Mantiveram, porém, certo ar de badalação social e o clima elétrico das expectativas. Em récitas posteriores, a agitação se acalma, os espetáculos se ajustam, e a obra se oferece melhor. Foi o que aconteceu com "Sansão e Dalila", de Saint-Saëns, no Teatro Municipal de São Paulo. A apresentação de 28/11, com correções na montagem, com maior fusão na orquestra, fluiu belamente. O tenor brasileiro Marcelo Vanucci, no tremendo papel principal, mostrou sua voz homogênea e autoridade dramática.


jorgecoli@uol.com.br



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