São Paulo, domingo, 08 de janeiro de 2006

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A LÓGICA DO FANATISMO

SOCIÓLOGO DE OXFORD ANALISA A MOTIVAÇÃO DOS ATAQUES SUICIDAS DESDE OS ANOS 80

DANIEL BUARQUE
DA REDAÇÃO

Artilharia do homem pobre e recurso do lado mais fraco em guerras segundo o sociólogo Diego Gambetta, as missões suicidas são objeto de seu livro "Making Sense of Suicide Missions" [Entendendo as Missões Suicidas, Oxford University Press, 392 págs., 25 libras, R$ 101], lançado na Inglaterra no ano passado. Nele, o professor da Universidade de Oxford analisa um a um cerca de 500 atentados registrados entre os anos de 1980 e 2003.


Apenas 40% das missões suicidas são de extremistas islâmicos


Em entrevista à Folha, Gambetta defende que é preciso ter uma visão mais ampla do fenômeno e desvinculá-lo do islamismo islâmico e da violência indiscriminada contra alvos civis.
 

Folha - Por que a pesquisa iniciou o levantamento em 1980?
Diego Gambetta -
Sem contarmos os atentados anarquistas, no início do século passado, e dos kamikases, na Segunda Guerra Mundial, até os anos 80 a tática de missões suicidas era menos conhecida. Não é que tenhamos escolhido o período, e sim que o fenômeno se espalhou a partir de então, na Guerra Civil do Líbano, quando houve uma forte influência dos iranianos, que reviveram a tradição do martírio.

Folha - Quais são as idéias equivocadas em relação às missões suicidas?
Gambetta -
O principal deles é assimilar missões suicidas apenas a atos de violência indiscriminada contra civis. Missões suicidas foram usadas de formas variadas, são um meio de luta em uma guerra. Em muitos casos, atacam alvos militares e políticos em vez de civis.
Não há uma equação linear entre elas e ataques terroristas. Elas são compatíveis com um número variado de ideologias e não apenas com o islamismo extremista.
Até 2003, apenas 40% delas são classificadas como atividade de extremistas islâmicos.

Folha - Há algum padrão prático nessas missões?
Gambetta -
Sim. Nenhuma missão suicida foi realizada por indivíduos. Todas derivam de trabalhos de organizações. Não está claro se isso é apenas pela limitação técnica. Não são atos de loucura ou fanatismo individual. Por mais fanáticos que os suicidas possam ser, eles não decidem tudo sozinhos.
Além disso, são os lados mais fracos das guerras que apelam para o atentado suicida como recurso. O lado mais forte, ou pelo menos o lado que tem mais recursos, não precisa usar dessa prática.

Folha - O que leva essas organizações a recorrerem a ataques suicidas?
Gambetta -
É preciso separar a motivação da organização que planeja o atentado e a do suicida. É difícil saber o que levaria uma pessoa a oferecer a própria vida numa missão, mas não é uma opção. Há alvos determinados que só podem ser atacados dessa forma, especialmente quando há recursos escassos -as missões suicidas são a artilharia do homem pobre. É o custo pago para que a missão possa ser realizada.
Em muitos casos, pode-se dizer que o suicídio é uma demonstração da determinação da organização.

Folha - Pode-se dizer que os soldados que estão na linha de frente dos campos de batalha também praticam uma espécie de missão suicida?
Gambetta -
Há uma diferença fundamental, psicológica, entre a certeza da morte e a probabilidade dela. Além disso, nos atentados suicidas modernos, a pessoa não apenas vai morrer na missão de ataque, mas causará a própria morte. Se a pessoa não morrer, a missão falhou.
Claro que na guerra há episódios que se assemelham bastante há missões suicidas, mas raramente planejados antecipadamente e organizados como as missões suicidas que vemos nos dias de hoje.

Folha - O tipo de missão é altruísta?
Gambetta -
É assim que os mártires se vêem. Não é um campo em que haja uma verdade objetiva, isso pode ser questionado, mas vemos claramente que os suicidas pensam estar realizando um bem para as outras pessoas, se sacrificando por elas.

Folha - Os atentados suicidas conquistaram algo no período estudado?
Gambetta -
Não é fácil de saber isso. O professor de ciência política da Universidade de Chicago Robert Pape diz que as missões suicidas são altamente racionais, permitem que seus praticantes alcancem resultados que não podem ser obtidos de outra forma. Isso pode ser verdade em alguns casos, mas não é claro o que alcançam objetivamente.


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