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A LÓGICA DO FANATISMO
SOCIÓLOGO DE OXFORD ANALISA A MOTIVAÇÃO DOS ATAQUES SUICIDAS DESDE OS ANOS 80
DANIEL BUARQUE
DA REDAÇÃO
Artilharia do homem pobre e
recurso do lado mais fraco
em guerras segundo o sociólogo Diego Gambetta, as
missões suicidas são objeto de seu livro "Making Sense of Suicide Missions" [Entendendo as Missões Suicidas, Oxford University Press, 392
págs., 25 libras, R$ 101], lançado na
Inglaterra no ano passado. Nele, o
professor da Universidade de Oxford analisa um a um cerca de 500
atentados registrados entre os anos
de 1980 e 2003.
Apenas 40% das missões suicidas
são de extremistas islâmicos
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Em entrevista à Folha, Gambetta
defende que é preciso ter uma visão
mais ampla do fenômeno e desvinculá-lo do islamismo islâmico e da
violência indiscriminada contra alvos civis.
Folha - Por que a pesquisa iniciou o
levantamento em 1980?
Diego Gambetta - Sem contarmos
os atentados anarquistas, no início
do século passado, e dos kamikases,
na Segunda Guerra Mundial, até os
anos 80 a tática de missões suicidas
era menos conhecida. Não é que tenhamos escolhido o período, e sim
que o fenômeno se espalhou a partir
de então, na Guerra Civil do Líbano,
quando houve uma forte influência
dos iranianos, que reviveram a tradição do martírio.
Folha - Quais são as idéias equivocadas em relação às missões suicidas?
Gambetta - O principal deles é assimilar missões suicidas apenas a atos
de violência indiscriminada contra
civis. Missões suicidas foram usadas
de formas variadas, são um meio de
luta em uma guerra. Em muitos casos, atacam alvos militares e políticos em vez de civis.
Não há uma equação linear entre
elas e ataques terroristas. Elas são
compatíveis com um número variado de ideologias e não apenas com o
islamismo extremista.
Até 2003, apenas 40% delas são
classificadas como atividade de extremistas islâmicos.
Folha - Há algum padrão prático
nessas missões?
Gambetta - Sim. Nenhuma missão
suicida foi realizada por indivíduos.
Todas derivam de trabalhos de organizações. Não está claro se isso é apenas pela limitação técnica. Não são
atos de loucura ou fanatismo individual. Por mais fanáticos que os suicidas possam ser, eles não decidem tudo sozinhos.
Além disso, são os lados mais fracos das guerras que apelam para o
atentado suicida como recurso. O lado mais forte, ou pelo menos o lado
que tem mais recursos, não precisa
usar dessa prática.
Folha - O que leva essas organizações a recorrerem a ataques suicidas?
Gambetta - É preciso separar a motivação da organização que planeja o
atentado e a do suicida. É difícil saber o que levaria uma pessoa a oferecer a própria vida numa missão, mas
não é uma opção. Há alvos determinados que só podem ser atacados
dessa forma, especialmente quando
há recursos escassos -as missões
suicidas são a artilharia do homem
pobre. É o custo pago para que a
missão possa ser realizada.
Em muitos casos, pode-se dizer
que o suicídio é uma demonstração
da determinação da organização.
Folha - Pode-se dizer que os soldados que estão na linha de frente dos
campos de batalha também praticam
uma espécie de missão suicida?
Gambetta - Há uma diferença fundamental, psicológica, entre a certeza da morte e a probabilidade dela.
Além disso, nos atentados suicidas
modernos, a pessoa não apenas vai
morrer na missão de ataque, mas
causará a própria morte. Se a pessoa
não morrer, a missão falhou.
Claro que na guerra há episódios
que se assemelham bastante há missões suicidas, mas raramente planejados antecipadamente e organizados como as missões suicidas que
vemos nos dias de hoje.
Folha - O tipo de missão é altruísta?
Gambetta - É assim que os mártires
se vêem. Não é um campo em que
haja uma verdade objetiva, isso pode
ser questionado, mas vemos claramente que os suicidas pensam estar
realizando um bem para as outras
pessoas, se sacrificando por elas.
Folha - Os atentados suicidas conquistaram algo no período estudado?
Gambetta - Não é fácil de saber isso. O professor de ciência política da
Universidade de Chicago Robert Pape diz que as missões suicidas são altamente racionais, permitem que
seus praticantes alcancem resultados que não podem ser obtidos de
outra forma. Isso pode ser verdade
em alguns casos, mas não é claro o
que alcançam objetivamente.
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