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Ponto de fuga
A batina e a música
Na música do padre José Maurício, nada do terror diante da morte, nada de religiosidade etérea; nos vídeos de Bill Viola, intenções elevadas: budismo, cristianismo e sufismo
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O padre José Maurício
[1767-1830] teve uma
ninhada de filhos, o que
não escandalizava ninguém na
corte de d. João. Eram outros
tempos, com outras transigências. Amava a música, que ensinou em casa para alunos empenhados. Foi compositor do rei.
Ficou velho, sua posição declinou, seu fim foi melancólico.
De memória fraca, perguntava,
ouvindo algum órgão, algum
cravo: "De quem é essa bela
música?". Respondiam-lhe: "É
vossa, padre mestre".
Era bela, de fato, sua música;
bela, como comprova o CD gravado pelo Coro e Orquestra
Sinfônica da UFRJ, mais alguns bons solistas, dirigidos
por Ernani Aguiar (selo Biscoito Fino). Contém um "Te
Deum" de 1809 e o "Réquiem"
de 1816. O primeiro é jubilante,
enérgico e nobre. O segundo foi
explorado pela sensibilidade
romântica, por causa de uma
coincidência. Foi composto para a morte de Maria 1ª. A rainha
e a mãe do compositor morreram no mesmo dia.
Todos insistem em que José
Maurício, marcado pelo sofrimento pessoal, investiu-o nesse "Réquiem". Decerto ele gostava muito da mãe e com isso
não se brinca. Mas sua missa de
defuntos é nada soturna.
Naquela época misturavam-se sons profanos com os sagrados e, como fez Mozart, punham-se, numa missa, árias ou
duetos que poderiam muito
bem ser cantados durante uma
ópera.
É que, então, as pessoas dirigiam a Deus sentimentos amorosos mais humanos que transcendentes.
Sempre-viva
José Maurício fez do "Kyrie"
uma lamentação que evoca o
coro queixoso dos pastores no
"Orfeu" de Gluck e, para não ficar muito melancólico, logo, logo mudou para frases líricas e
leves. O "Dies Irae" parece um
"gran finale", em que os solistas
trazem seus personagens para
se despedir do público. O "Ingemisco" é uma ária para soprano que suspira pelo amado
ausente. O "Offertorium" é
uma cena de baixo nobre com
coral. Apenas, no fim, emana do
"Agnus Dei" e do "Communio"
uma espiritualidade comedida.
Nada do terror diante da
morte, nada de religiosidade
etérea. Um "Réquiem" que
transmite o prazer voluptuoso
de estar em vida. Um esplêndido disco, vibrante, enérgico,
entusiasta. Cura qualquer depressão.
Metafísica de luxo
Bill Viola propôs, em Roma,
uma exposição intitulada "Visioni Interiori" (Visões Interiores, já encerrada).
São 16 vídeos que somam, ao
todo, sete horas e 20 minutos,
muito mais, infinitamente
mais, do que qualquer ser humano consiga suportar. O jeito
é tomá-los como quadros, e não
ficar diante deles mais do que
um Picasso ou um Delacroix
exigem de nós.
Como se modificam em câmera lentíssima, quando se revê algum, a imagem se alterou
um pouco. Fazem muito efeito
graças à nitidez "high-tech". Às
vezes reconstituem, em clave
contemporânea, obras de grandes pintores do passado. São
bonitos e bem acabados.
Alguns causam impactos, outros se querem hipnóticos. Todos têm intenções elevadas.
Ao que parece, sua obra está
vinculada ao zen-budismo, ao
misticismo cristão e ao sufismo
islâmico. O catálogo informa
que "o artista enfoca o mistério
das emoções e dos sentimentos
humanos".
Sugestão
As obras de Bill Viola, em sua
grande maioria, podem ser
compradas por colecionadores,
digamos, comuns, porque, penduradas na parede, são como
quadros. Apenas estão em
constante movimento.
A exposição de Roma mostrou uma série de rostos nos
quais os personagens mudam
lentamente de expressão. Eis
um bom mercado para alguém
que tenha a ideia de produzir
retratos moventes, em tela de
plasma e alta definição.
jorgecoli@uol.com.br
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