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Darwin nas mãos de Deus
Para coordenador da pesquisa, avanço do design inteligente no Reino Unido está ligado ao aumento de imigrantes islâmicos e de igrejas pentecostais de africanos ou afrodescendentes; cruzada ateísta do biólogo Richard Dawkins também é uma das causas
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Às vésperas do aniversário de 200
anos de nascimento
de Charles Darwin
(que se comemora
na quinta-feira), o cientista que
formulou a mais revolucionária explicação sobre os seres vivos, um estudo publicado no
Reino Unido revela que seus
próprios compatriotas ainda
desconfiam dele.
Segundo a pesquisa "Rescuing Darwin" [Resgatando
Darwin], que veio a público na
última semana, mais da metade dos britânicos acredita no
design inteligente, em detrimento da teoria da evolução.
Esta determina que animais,
plantas e seres humanos mudam para adaptar-se às condições do ambiente ao longo dos
tempos, por meio da seleção
natural.
Realizada pelo Theos, um
"think tank" dedicado a temas
religiosos, e o Instituto Faraday, de Cambridge, o estudo
aponta que aqueles que defendem ou simpatizam com a
ideia de criacionismo da Terra
Jovem somam 32%. E o design
inteligente conta com 51% de
adesão -os números não são
excludentes, pois referem-se a
um questionário múltiplo (leia
quadro na pág. ao lado).
A interpretação desse resultado é considerada difícil pelos
próprios organizadores. Nick
Spencer, diretor do Theos,
considera que há uma imensa
"área cinzenta" devido ao fato
de as pessoas não conhecerem
claramente os significados da
teoria darwiniana, do criacionismo e do design inteligente.
"A urgente necessidade de
educação e informação é o que
mais impressiona. A confusão e
o ceticismo, causados pelo modo como ciência e religião são
ensinados, levam as pessoas a
dar respostas até mesmo contraditórias de um ponto de vista científico", disse à Folha.
Dez mil anos atrás
Feitas as ressalvas, acadêmicos como Denis Alexander, diretor do Instituto Faraday e
responsável pela interpretação
da pesquisa, consideram que
ela traz resultados preocupantes. Principalmente por conta
da grande quantidade de pessoas que acham que a Terra foi
criada nos últimos 10 mil anos.
"É desconcertante que, em
2009, existam pessoas que
pensam que o mundo tem essa
idade por conta de uma leitura
da Bíblia, quando toda evidência científica demonstra que isso é errado", diz Denis Alexander, diretor do Instituto Faraday, responsável pela interpretação desses números, à Folha.
Alexander diz que não pode
comprovar de um ponto de vista estatístico, mas tem a impressão de que o criacionismo
esteja crescendo consideravelmente no Reino Unido nos últimos anos. E aponta três causas que considera principais.
As duas primeiras seriam o
aumento da população de imigrantes islâmicos e a proliferação de igrejas pentecostais de
africanos ou afrodescendentes,
grupos em que o criacionismo
é muito popular.
A terceira seria o "desfavor
que vêm fazendo à ciência os
ditos intelectuais neodarwinistas". Entre eles, o principal culpado seria o também britânico
Richard Dawkins, autor de "O
Gene Egoísta" e "Deus, um Delírio" (Companhia das Letras),
que, por meio das ideias de
Darwin, defende o ateísmo.
"Não é sua intenção, mas ao
fazer campanha pró-evolução,
Dawkins tem estimulado a ascensão do criacionismo neste
país. Sua mensagem, repetida
de modo simplório em igrejas,
mesquitas e sinagogas, é a de
que "a evolução significa ateísmo", ao que os fiéis são levados
a responder: "Bem, não aceitamos o ateísmo, então também
não apoiamos a evolução"."
Segundo ele, ao lutar contra
algo com violência, Dawkins
estaria estimulando um comportamento extremo oposto.
"Um fenômeno social muito
comum na história das ideias",
conclui Alexander.
James Williams, estudioso
de ciência da educação da Universidade de Sussex, concorda.
"Dawkins é um intelectual a
ser respeitado, mas exagera em
suas interpretações. Para ele,
se você acredita em algo, isso é
suficiente para que você seja
considerado um idiota. Elimina a ideia de que evolução e
crença em Deus possam andar
juntas. Tenta provar que Deus
não existe, mas não pode fazer
isso. Desse modo, provoca uma
reação violenta, que acaba dando força ao criacionismo", diz o
pesquisador.
Para o acadêmico, Darwin, se
estivesse vivo, não lutaria ao lado de Dawkins, para desapontamento deste. "Ele o respeitaria pela importância de seus estudos, mas só isso, não concordaria com a violência que está
imprimindo ao debate."
Alexander também reforça
essa ideia.
"Darwin era um cavalheiro
educado, ao estilo vitoriano.
Deveria ser visto por nós como
um exemplo de alguém que teve bom relacionamento com
acadêmicos de diversas correntes e credos. É algo que está
muito em falta nos dias de hoje.
Estou seguro de que ficaria
chocado com a brutalidade
desse debate teológico. Além
disso, esse nem era o centro de
seus estudos."
O caso brasileiro
O professor de sociologia da
USP Antônio Flávio Pierucci
acha que no Brasil os resultados de uma pesquisa como essa
provavelmente não seriam os
mesmos, devido à pouca força
que os criacionistas têm aqui.
"Não dá para ter uma ideia
clara, mas vejo uma tendência
de simpatia pelo evolucionismo, por exemplo, entre adeptos do espiritismo, que é uma
religião muito popular no Brasil. Mas é só uma sensação."
Pierucci considera assustador o fato de que tantos britânicos acreditem no criacionismo.
"As pessoas em geral não entendem como funciona a ciência até que ela tenha um efeito
prático em suas vidas. Uma evidência científica funciona apenas para os cientistas", diz.
Ele concorda com a ideia de
que educação e informação
permitiriam um melhor entendimento do significado de assuntos como a teoria da evolução, o criacionismo e o design
inteligente.
"Ao ouvir a expressão "design
inteligente", a tendência é a
pessoa pensar que há por trás
um "designer inteligente", a
personalizar o processo; é assim que funciona o raciocínio
popular desinformado", diz.
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