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"A Segunda Via", de Mangabeira Unger, traz prefácio inédito e artigos publicados na imprensa
Um pensamento sem sotaque
Vinicius Mota
Editor de Opinião
Um forasteiro exótico no Brasil;
um intelectual de destaque no
circuito acadêmico dos Estados
Unidos. O clichê é geralmente
usado quando se trata de situar o filósofo
brasileiro-norte-americano Roberto
Mangabeira Unger, que lança "A Segunda Via - Presente e Futuro do Brasil". Como quase toda fórmula pronta, essa pouco esclarece. Presta-se mais à função de
estabelecer um juízo inicial que, ao folclorizar, desqualifica.
Não são alienígenas nem a relação que
o professor de Harvard mantém com os
meios de comunicação no Brasil nem a
sua inserção nas discussões partidárias
por aqui. Antes de tornar-se o ideólogo
de Ciro Gomes, Mangabeira vinculou-se
ao pedetismo de Leonel Brizola. Sua
atuação remonta ao período militar,
sempre próxima da esquerda populista.
Os textos reunidos em seu livro são artigos e ensaios já publicados na mídia. A
parte introdutória, inédita, é uma síntese
do que seriam as linhas mestras do programa alternativo de reformas propugnado por Mangabeira para o Brasil, batizado de "segunda via".
Trata-se de robustecer as finanças do
Estado tributando o consumo e criando
uma poupança previdenciária compulsória; investir na capacitação dos cidadãos, garantindo a todos os mínimos sociais para que sejam incluídos no projeto
de desenvolvimento nacional; democratizar radicalmente o mercado, redefinindo as formas de propriedade para quebrar o privilégio das oligarquias e generalizar o acesso às oportunidades de negócio; criar um regime de partidos fortes,
que marche rumo à agilidade do parlamentarismo, mas que, no início, não
prescinda da força plebiscitária do presidencialismo. Curiosamente, a polêmica
proposta de reestruturar a dívida interna, que ganhou notoriedade na campanha de Ciro Gomes de 98, desapareceu.
Rebeldia é o mote
Mas destacar o
bloco programático de Mangabeira sem
remetê-lo ao seu substrato crítico seria
injusto. A rebeldia é o mote. Rebeldia contra o fatalismo da elite uspiana-tucana-pefelê.
Para Mangabeira, o que
está na base da atitude intelectual e dirigente de
aceitar o receituário ditado pelos países centrais é
um modelo perverso. Para a massa que
não tem acesso ao convescote global, caso perdido, se reservam as políticas sociais compensatórias. Nesse contexto, a
distinção entre social-democracia e neoliberalismo é de apenas um tênue grau.
Rebeldia contra a esquerda "organizada", o PT. Para Mangabeira, o oposicionismo calcado nos setores organizados
da sociedade tende a pautar-se por uma
atitude corporativista e ser tutelado por
grupos militantes bem posicionados no
aparelho partidário. Esse
caráter estaria em choque
com os interesses da grande maioria desorganizada
da população.
A saída enxergada pelo
filósofo está no despertar
da classe média não-organizada. De acordo com Mangabeira, a religião mais fervorosa
do classe-média "tem sido a da palavra
dada e cumprida, a da responsabilidade
e da auto-ajuda, e sua experiência mais
persistente da vida brasileira, a da impunidade, da dependência e do favor".
Aqui resvalamos numa idéia que me
parece fundamental no pensamento do
filósofo Mangabeira. O destino individual está indissociado do coletivo e do
institucional. Há uma energia por ser liberada no indivíduo e ela é capaz de
transformar da realidade mais imediata, como as relações interpessoais na família, à mais sofisticada, como as estruturas da representação política.
Se Mangabeira confere importância à
força do Estado de modificar a organização social -o que postula é um projeto para chegar ao poder e exercê-lo-,
é para tornar as instituições conformes
a esse indivíduo liberado, que deseja
constantemente imprimir sua marca na
história, alterar o curso inercial dos
acontecimentos.
Modificar o curso inercial
Daí a
releitura positiva que faz o filósofo do
fenômeno do populismo no Brasil. Trata-se de um modo capaz de conferir
temperatura ao jogo do poder, liberar
energias transformadoras e atrair para a
política setores adormecidos da sociedade, não-contemplados pelas organizações tradicionais.
Como se nota, o professor de Harvard
e o ideólogo de Ciro Gomes são a mesma pessoa. Mangabeira não caiu de pára-quedas no debate brasileiro nem esqueceu nos EUA tudo o que escreveu.
Estigmatizá-lo é uma forma de esquivar-se do incômodo que ele provoca
numa certa elite que se quer esclarecida
e profunda conhecedora do modo como as coisas funcionam no Brasil. Há o
que questionar nas suas formulações.
Para citar um elemento, acredito que a
sua concepção de classe média "potencialmente" rebelde seja apriorística e
não resista à crítica antropológica.
Elevar o debate
Mas isso é menos
importante do que reconhecer que um
contendor como Mangabeira Unger
ajuda a elevar o nível do confronto de
idéias no período eleitoral. Com ele do
lado de Ciro, Luiz Carlos Mendonça de
Barros no PSDB e petistas como Tarso
Genro e Cristovam Buarque, essa promete ser uma disputa mais qualificada.
Ganha o debate democrático.
A Segunda Via
255 págs., R$ 28,00
de Roberto Mangabeira Unger.
Boitempo Editorial (av. Pompéia, 1.991, CEP 05023-001, SP,
tel. 0/ xx/ 11/3865-6947).
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