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O pesquisador inglês Mark Rowlands
fala de seu livro "A Filosofia
Explicada através dos Filmes de Ficção Científica", que está saindo no Brasil
METAMORFOSES DO MAL
DANIEL BUARQUE
DA REDAÇÃO
A saga intergaláctica de George Lucas pode servir de base
para um debate filosófico
que questiona a noção de
"bem" e "mal", segundo Mark Rowlands, professor de filosofia da
mente na Universidade Hertfordshire (Inglaterra). Para ele, há muito
mais filosofia presente na cultura geral do que as pessoas se dão conta, e
a abordagem pela cultura de massa
pode ajudar a divulgar e popularizar
o pensamento filosófico.
Rowlands analisou "Guerra nas
Estrelas" ao escrever "A Filosofia Explicada através dos Filmes de Ficção
Científica", que vai ser lançado neste
mês no Brasil pela Relume-Dumará.
Na entrevista abaixo, concedida à
Folha, ele começa respondendo como detectar a força filosófica na saga
estelar iniciada por George Lucas.
Folha - Que mensagem filosófica há
em "Guerra nas Estrelas"?
Mark Rowlands - O tema básico é o
conflito entre o bem e o mal. O mal
na forma de Darth Vader e do Império e o bem encarnado por Luke
Skywalker. Acho que o questionamento interessante que ela coloca é
sobre o papel que o mal desempenha. Todos temos um lado do qual
não nos orgulhamos muito; a questão é o que cada pessoa faz com ele.
Há várias formas diferentes de relacionar esses dois lados. Há a forma
cristã, que defende que este lado negativo deva ser eliminado; mas há
também filósofos como Nietzsche
[1844-1900], para quem o lado mau é
visto como algo que pode ser usado
não apenas para fazer coisas negativas mas que também pode ser redirecionado para ações positivas.
Folha - O que o sr. acha da série?
Rowlands - Como a maioria das
pessoas, gostei muito dos três primeiros filmes, que são clássicos. A
segunda trilogia não chegou nem
perto. Acho que ela basicamente repete os primeiros e não traz nada de
novo do ponto de vista filosófico.
Temos apenas essa transformação
interessante de Anakin Skywalker
em Darth Vader e teremos que ver
como esse processo vai se desenvolver no novo episódio.
Folha - É possível relacionar a série
com questões religiosas de bem e
mal, como em santo Agostinho?
Rowlands - Ele foi um dos primeiros estudiosos da aproximação cristã a esse tema, tentando entender o
mal, tratando-o como ausência do
bem. Acho que em "Guerra nas Estrelas" o mal está bem presente na
forma de Darth Vader e do Império
-não é uma ausência -"Guerra
nas Estrelas" contradiz a visão cristã
de luta do bem contra o mal.
Folha - O sr. acredita que "Guerra
nas Estrelas" seja realmente um filme
de ficção científica?
Rowlands - Sim, embora tenha
fortes conteúdos dos filmes de ação,
aventura ou mesmo temas comuns
em westerns. Muitos westerns usavam este conflito entre bem e mal do
qual eu falei há pouco. É uma idéia
simples e básica que se repete no cinema desde o início dos tempos.
Folha - Como o sr. escolheu os filmes
de que fala em seu livro?
Rowlands - Eu queria escrever um
livro que fosse acessível mesmo para
pessoas que não têm noção de filosofia. Identifiquei as principais áreas
da filosofia que deveriam ser apresentadas a leigos e a partir de então
busquei os filmes que contivessem
esses tipos de questionamento. O
problema do mundo externo eu encontrei em "Matrix" [1999]. Outra
área básica era a ética, a noção de
certo e errado, assuntos que eu discuti a partir de "O Homem sem
Sombra" [Paul Verhoeven, 2000] e
"Guerra nas Estrelas".
O problema da mente e do corpo
eu pude encontrar em "O Exterminador do Futuro" [James Cameron,
1984]. O livre-arbítrio estava claro
em "Minority Report - A Nova Lei"
[Steven Spielberg, 2002].
Folha - O sr. acha que os diretores
sabem colocar questões filosóficas em
seus filmes?
Rowlands - Isso varia. Imagino que
os irmãos Wachowski, que dirigiram "Matrix", estudaram filosofia
na universidade, então estavam
muito conscientes do que faziam e
tinham um propósito. Outros, como
"O Vingador do Futuro" [Paul Verhoeven, 1990] e "Blade Runner" [Ridley Scott, 1982], são adaptações de
histórias de Philip K. Dick. Há muita
filosofia nos textos de Dick, de forma
explícita e consciente. Não sei se essa
consciência esteva presente na produção dos filmes.
Folha - E em "Guerra nas Estrelas"?
Rowlands - A filosofia é um pouco
menos sofisticada em "Guerra nas
Estrelas". É basicamente o duelo do
bem contra o mal. É muito difícil dizer se George Lucas tem consciência
da presença da filosofia. É explícito
que ele coloca uma questão moral na
série, mas a questão de Darth Vader
encarnar um pensamento de Nietzsche, duvido de que ele soubesse.
Folha - Mas o sr. acha que existe esse
tipo de conteúdo filosófico na série?
Rowlands - Sim. Acho que o conteúdo filosófico de um filme, programa de TV ou mesmo de um livro pode se manifestar independentemente das intenções e razões dos produtores e diretores.
Folha - Que outros filmes e questões
filosóficas se ajustam a esse tema?
Rowlands - Devo publicar uma
nova edição deste livro aqui na Inglaterra incluindo um capítulo sobre
"O Senhor dos Anéis". O filme questiona a relatividade da moral, o que é
certo e errado, o conflito entre os
orcs e Sauron em contradição com
os elfos e os hobbits. O questionamento é se os orcs de fato são maus
ou se é uma cultura desses seres.
Folha - Quais suas obras de ficção
científica preferidas?
Rowlands - Só analiso a qualidade
das discussões filosóficas por trás
dos filmes, e não a qualidade cinematográfica. Dessa forma, o melhor
filme filosófico é "O Vingador do
Futuro". Filosoficamente, é um filme muito inteligente, que defende
uma teoria sobre os seres humanos
que é muito difícil de explicar até
que vemos Arnold Schwarzenegger
ter novas memórias implantadas em
seu cérebro e, então, se tornar uma
pessoa diferente -já que essas memórias são o que nos fazem o que somos. Explicar isso numa sala de aula
confunde os estudantes, mas, se
mostramos o filme, eles entendem
mais facilmente qual é a questão.
Quanto a livros, sou um grande fã
de Philip K. Dick, e acho "O Caçador
de Andróides" sua melhor obra,
apesar de ser bem diferente de "Blade Runner".
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