São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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O pesquisador inglês Mark Rowlands fala de seu livro "A Filosofia Explicada através dos Filmes de Ficção Científica", que está saindo no Brasil

METAMORFOSES DO MAL

DANIEL BUARQUE
DA REDAÇÃO

A saga intergaláctica de George Lucas pode servir de base para um debate filosófico que questiona a noção de "bem" e "mal", segundo Mark Rowlands, professor de filosofia da mente na Universidade Hertfordshire (Inglaterra). Para ele, há muito mais filosofia presente na cultura geral do que as pessoas se dão conta, e a abordagem pela cultura de massa pode ajudar a divulgar e popularizar o pensamento filosófico.
Rowlands analisou "Guerra nas Estrelas" ao escrever "A Filosofia Explicada através dos Filmes de Ficção Científica", que vai ser lançado neste mês no Brasil pela Relume-Dumará. Na entrevista abaixo, concedida à Folha, ele começa respondendo como detectar a força filosófica na saga estelar iniciada por George Lucas.

 

Folha - Que mensagem filosófica há em "Guerra nas Estrelas"?
Mark Rowlands -
O tema básico é o conflito entre o bem e o mal. O mal na forma de Darth Vader e do Império e o bem encarnado por Luke Skywalker. Acho que o questionamento interessante que ela coloca é sobre o papel que o mal desempenha. Todos temos um lado do qual não nos orgulhamos muito; a questão é o que cada pessoa faz com ele.
Há várias formas diferentes de relacionar esses dois lados. Há a forma cristã, que defende que este lado negativo deva ser eliminado; mas há também filósofos como Nietzsche [1844-1900], para quem o lado mau é visto como algo que pode ser usado não apenas para fazer coisas negativas mas que também pode ser redirecionado para ações positivas.

Folha - O que o sr. acha da série?
Rowlands -
Como a maioria das pessoas, gostei muito dos três primeiros filmes, que são clássicos. A segunda trilogia não chegou nem perto. Acho que ela basicamente repete os primeiros e não traz nada de novo do ponto de vista filosófico. Temos apenas essa transformação interessante de Anakin Skywalker em Darth Vader e teremos que ver como esse processo vai se desenvolver no novo episódio.

Folha - É possível relacionar a série com questões religiosas de bem e mal, como em santo Agostinho?
Rowlands -
Ele foi um dos primeiros estudiosos da aproximação cristã a esse tema, tentando entender o mal, tratando-o como ausência do bem. Acho que em "Guerra nas Estrelas" o mal está bem presente na forma de Darth Vader e do Império -não é uma ausência -"Guerra nas Estrelas" contradiz a visão cristã de luta do bem contra o mal.

Folha - O sr. acredita que "Guerra nas Estrelas" seja realmente um filme de ficção científica?
Rowlands -
Sim, embora tenha fortes conteúdos dos filmes de ação, aventura ou mesmo temas comuns em westerns. Muitos westerns usavam este conflito entre bem e mal do qual eu falei há pouco. É uma idéia simples e básica que se repete no cinema desde o início dos tempos.

Folha - Como o sr. escolheu os filmes de que fala em seu livro?
Rowlands -
Eu queria escrever um livro que fosse acessível mesmo para pessoas que não têm noção de filosofia. Identifiquei as principais áreas da filosofia que deveriam ser apresentadas a leigos e a partir de então busquei os filmes que contivessem esses tipos de questionamento. O problema do mundo externo eu encontrei em "Matrix" [1999]. Outra área básica era a ética, a noção de certo e errado, assuntos que eu discuti a partir de "O Homem sem Sombra" [Paul Verhoeven, 2000] e "Guerra nas Estrelas".
O problema da mente e do corpo eu pude encontrar em "O Exterminador do Futuro" [James Cameron, 1984]. O livre-arbítrio estava claro em "Minority Report - A Nova Lei" [Steven Spielberg, 2002].

Folha - O sr. acha que os diretores sabem colocar questões filosóficas em seus filmes?
Rowlands -
Isso varia. Imagino que os irmãos Wachowski, que dirigiram "Matrix", estudaram filosofia na universidade, então estavam muito conscientes do que faziam e tinham um propósito. Outros, como "O Vingador do Futuro" [Paul Verhoeven, 1990] e "Blade Runner" [Ridley Scott, 1982], são adaptações de histórias de Philip K. Dick. Há muita filosofia nos textos de Dick, de forma explícita e consciente. Não sei se essa consciência esteva presente na produção dos filmes.

Folha - E em "Guerra nas Estrelas"?
Rowlands -
A filosofia é um pouco menos sofisticada em "Guerra nas Estrelas". É basicamente o duelo do bem contra o mal. É muito difícil dizer se George Lucas tem consciência da presença da filosofia. É explícito que ele coloca uma questão moral na série, mas a questão de Darth Vader encarnar um pensamento de Nietzsche, duvido de que ele soubesse.

Folha - Mas o sr. acha que existe esse tipo de conteúdo filosófico na série?
Rowlands -
Sim. Acho que o conteúdo filosófico de um filme, programa de TV ou mesmo de um livro pode se manifestar independentemente das intenções e razões dos produtores e diretores.

Folha - Que outros filmes e questões filosóficas se ajustam a esse tema?
Rowlands -
Devo publicar uma nova edição deste livro aqui na Inglaterra incluindo um capítulo sobre "O Senhor dos Anéis". O filme questiona a relatividade da moral, o que é certo e errado, o conflito entre os orcs e Sauron em contradição com os elfos e os hobbits. O questionamento é se os orcs de fato são maus ou se é uma cultura desses seres.

Folha - Quais suas obras de ficção científica preferidas?
Rowlands -
Só analiso a qualidade das discussões filosóficas por trás dos filmes, e não a qualidade cinematográfica. Dessa forma, o melhor filme filosófico é "O Vingador do Futuro". Filosoficamente, é um filme muito inteligente, que defende uma teoria sobre os seres humanos que é muito difícil de explicar até que vemos Arnold Schwarzenegger ter novas memórias implantadas em seu cérebro e, então, se tornar uma pessoa diferente -já que essas memórias são o que nos fazem o que somos. Explicar isso numa sala de aula confunde os estudantes, mas, se mostramos o filme, eles entendem mais facilmente qual é a questão.
Quanto a livros, sou um grande fã de Philip K. Dick, e acho "O Caçador de Andróides" sua melhor obra, apesar de ser bem diferente de "Blade Runner".

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