São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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ESTRANHOS NO PARAÍSO

AUTOR DE "ALIENS - POR QUE ELES ESTÃO AQUI?", ESCRITOR INGLÊS DIZ QUE MITO E REAL SE CONFUNDEM NA FICÇÃO CIENTÍFICA E AFIRMA QUE "MATRIX" É A QUINTESSÊNCIA DO GÊNERO

DA REDAÇÃO

Em defesa da literatura de ficção científica, por vezes considerada um gênero menor, o escritor e jornalista inglês Bryan Appleyard pesquisou o imaginário por trás das obras, realizando um estudo psicológico sobre o que faz as pessoas acreditarem em extraterrestres.
Autor do recém-lançado "Aliens -Why They Are Here?" [Aliens - Por Que Eles Estão Aqui?, Scribner, 336 págs., 15,99 libras - R$ 75], em que analisa os contatos com extraterrestres sob o ponto de vista da experiência psicológica, Appleyard critica a utilização de tipos humanos nos aliens da série "Guerra nas Estrelas" e diz que ficção e realidade se alimentam uma da outra.
Em entrevista à Folha, ele fala sobre o gênero ficção científica, os contatos humanos com extraterrestres, e diz não acreditar em aliens.

 

Folha - O sr. acredita em aliens?
Bryan Appleyard -
Não. Não acredito, no sentido de achar que aliens estiveram na Terra. Tenho 90% de certeza que não são realmente extraterrestres o que as pessoas vêem. Acredito, entretanto, que as pessoas estão tendo as experiências que relatam. Não tenho nenhuma dúvida de que a maioria delas está dizendo a verdade. Eu mesmo fui hipnotizado, como parte do processo de pesquisa deste livro, e vi um disco voador. Estava completamente convencido de que era real durante a hipnose.
Essa experiência me fez compreender o quanto incerto o estado da mente é. As pessoas podem ver coisas que para elas são absolutamente reais. Isso é muito importante para entender a forma como compreendemos e vemos o mundo.

Folha - Por que o sr. decidiu pesquisar a presença de aliens no mundo?
Appleyard -
Minha idéia inicial era escrever um livro sobre a relação entre cinema e ficção científica, mas, ao perceber que não podíamos separar a ficção da realidade, o projeto mudou: escrever uma história cultural, uma filosofia psicológica e social de como e por que as pessoas vêem aliens.
Pesquisei ficção, documentos e relatos de pessoas que diziam ter visto aliens etc. Então vi que o livro se preocupava acima de tudo com a forma como vemos e interpretamos a realidade.

Folha - O que o sr. descobriu de mais interessante nessa pesquisa?
Appleyard -
Descobri que é muito comum as pessoas dizerem que viram coisas não identificadas no céu, como discos voadores. É um fenômeno muito comum e pelo qual as pessoas se apaixonam, defendendo seus pontos de vista; as pessoas que acreditam em aliens crêem da mesma forma que as pessoas que acreditam em uma religião.


Pessoas acreditam em aliens da mesma forma que em uma religião

Folha - Como se separa a realidade do mito, na ficção científica?
Appleyard -
Não é possível separar a ficção da realidade porque muitas das ficções tiram suas idéias da experiência das pessoas, e muitas experiências das pessoas são alimentadas pela ficção.
Um filme como "Contatos Imediatos de Terceiro Grau" [de Steven Spielberg, 1977] é um retrato do que as pessoas diziam sobre os aliens e sobre a abdução por extraterrestres. Muito do filme foi tirado de evidências reais vindas de pessoas reais. Ele, por sua vez, acaba influenciando mais pessoas a terem "contatos" com alienígenas. É um processo de mão dupla, uma retroalimentação.
Se uma pessoa diz que foi abduzida, por mais que eu não acredite que isso tenha realmente acontecido, acredito que algo aconteceu. Acho que as pessoas têm episódios estranhos em suas vidas, perda de tempo, de memória etc.

Folha - O que o sr. acha da série "Guerra nas Estrelas"?
Appleyard -
Eu gostei dos três primeiros filmes, mas nunca os vi como ficção científica. Para mim é uma "ópera espacial". É uma aventura no espaço. Assim como "Jornada nas Estrelas", eles projetam tipos humanos nos alienígenas.

Folha - O sr. acha que "Guerra nas Estrelas" também pode alimentar o imaginário de fantasia da sociedade?
Appleyard -
Só se forem pessoas muito presas ao lado da diversão, do entretenimento. Acredito que há duas formas de entrar em contato com aliens. Uma é quando eles realmente pousam na Terra. A outra, menos falada, é a criação de aliens pelos humanos. A criação de máquinas inteligentes é como uma criação de aliens -uma forma de inteligência exterior.

Folha - É uma idéia mais ligada a "Matrix" que a "Guerra nas Estrelas", então?
Appleyard -
"Matrix" é uma ficção científica genuína, ao menos o primeiro filme. "Guerra nas Estrelas", não, já que não questiona nem analisa as implicações da tecnologia, do desenvolvimento. Não há nada disso em "Guerra nas Estrelas", que é um filme de caubóis feito no espaço.
Acho que os dois melhores exemplos de filmes de ficção científica são "Blade Runner" e o original russo "Solaris" [Andrei Tarkóvski, 1972]. O primeiro questiona nossa relação com o desenvolvimento tecnológico, o outro é sobre o encontro com um alienígena tão estranho que não podia ser compreendido. Acho que, se um dia encontrássemos alienígenas, seria assim. E não humanos com rostos engraçados.

Folha - Qual a sua relação com a ficção científica?
Appleyard -
Escrevi muitos livros criticando a ciência. Acho que alguns cientistas, como Richard Dawkings e Stephen Hawkings, na maioria das vezes, não sabem do que estão falando. Acho-os muito dúbios.
Notei há algum tempo que a ficção científica não era levada a sério nos estudos literários, mas as obras de H.G. Wells, que considero o melhor escritor de ficção científica, são ótima literatura.

Folha - Que livros o sr. apontaria como os mais marcantes do gênero?
Appleyard -
Todos os de H.G. Wells. "A Máquina do Tempo", "A Guerra dos Mundos", "A Ilha do Dr. Moreau" -que se tornaram péssimos filmes-, são livros maravilhosos, muito bem escritos. Gosto muito de Olaf Stapledon, de Stanislaw Lem, que escreveu o excelente, mas pouco conhecido, "Fiasco". Júlio Verne também foi um escritor de importância.
O argentino Borges também foi, um pouco, escritor de ficção científica. Ele se baseou na literatura inglesa de aventura, mas adicionava toques pessoais, criando histórias de ficção científica. (DANIEL BUARQUE)


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