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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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MARX EM CAMADAS

1. Certamente o filósofo básico em minha formação foi Karl Marx. Na época em que iniciei minha vida profissional, reinava, nos meios acadêmicos de esquerda, a mais ortodoxa das leituras de sua obra: incompatibilidade entre capitalismo e sistema escravista, a colônia brasileira inserida no capitalismo comercial e caracterizada como pré-capitalista, com todo o correlato cortejo ideológico: atraso econômico, político e cultural, rudimentar estrutura de classes e consequente fragilidade das instituições, operariado imaturo e necessidade de conduzi-lo por dirigentes, alianças "progressistas" para não perder o trem da história. Para enfrentar esses estereótipos (vários ainda vigentes, apesar da máscara neoliberal) contraditados por minhas pesquisas, vali-me de Marx. Nele encontrei um incomparável poder e finura de crítica, que infelizmente hoje vejo suprimida com ligeireza. Nele ganhei também a dura disciplina e o grande prazer de enfrentar um texto difícil, com camadas semânticas e doutrinárias, imagens, ressonâncias, ampliações e críticas subentendidas ou para além da rigorosa escrita aparente. Sempre as necessidades da pesquisa -no esforço de compreender a sociedade brasileira e sua inserção mais ampla- levaram-me ao estudo dos pensadores que estão na gênese da cultura moderna, como Francis Bacon ou Erasmo. Aí, outros estereótipos se impuseram, e, para criticá-los, precisei aprofundar meu trabalho no rumo da cultura antiga, sobretudo a grega. Dos autores que surgiram em torno da crítica ao capitalismo e da cultura, devo mencionar Sartre, Adorno e Horkheimer. Leo Spitzer foi o mais importante para a interpretação de textos e para a compreensão do contexto em que se inscrevem.

2. Dos autores verdadeiramente criativos, Elias Cannetti nos provê do aparato conceitual e crítico sobre o mundo moderno.

3. Por fora de meu trabalho, felizmente, leio autores intemporais: no momento, o fantástico livrinho de Bonaventura des Periers, "Cymbalum Mundi", obra-prima de escrita, de liberdade e audácia de pensamento, de elegância, graça e contundência na produção da cultura. Não só encanta o espírito e nutre a crítica, mas diverte imensamente com seu engenho agudíssimo.


Maria Sylvia Carvalho Franco é professora titular de filosofia da Universidade Estadual de Campinas e foi professora de filosofia da USP. É autora de "Homens Livres na Ordem Escravocrata" (ed. Unesp).


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