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O futuro dos jornais
Blog de política mais popular dos EUA, Huffington Post radicaliza a noção de interatividade, mas ainda
depende das reportagens dos grandes diários; para sua fundadora, falar da morte dos jornais é "ridículo"
ERIC ALTERMAN
O jornal norte-americano está na praça há mais ou menos 300 anos. A folha veemente de
Benjamin Harris "Publick Occurrences, Both Foreign and
Domestick" [Ocorrências Públicas Estrangeiras e Domésticas], só conseguiu tirar um número, em 1690, antes de ser fechada pelas autoridades de
Massachusetts.
Harris sugerira uma linha
dura e politicamente incorreta
quanto à remoção dos indígenas e chocara as suscetibilidades locais ao informar que o rei
da França tomava liberdades
com a mulher do príncipe.
Mas foi apenas em 1721,
quando o impressor James
Franklin lançou o "New England Courant", que as colônias britânicas na América do
Norte viram surgir algo semelhante aos jornais de hoje.
Irmão mais velho de Benjamin, Franklin se recusava a
aderir às praticas costumeiras
de direitos autorais e atacava
os poderes estabelecidos na
Nova Inglaterra, logrando assim tanto independência editorial como sucesso comercial.
Preenchia seu jornal com
cruzadas (contra tudo, dos piratas ao poder dos pastores puritanos Cotton e Increase Mather), ensaios literários, vinhetas e ruminações filosóficas.
Três séculos depois do "Courant", já não é preciso ter uma
imaginação distópica para cogitar quem terá a honra ambígua de publicar o último jornal
de verdade nos EUA.
Pouca gente acredita que os
jornais, na forma impressa de
hoje, tenham chance de sobreviver. Eles estão perdendo
anunciantes, leitores, valor de
mercado e, em alguns casos, o
próprio senso de missão, num
ritmo que teria sido difícil imaginar meros quatro anos atrás.
Num discurso recente em
Londres, Bill Keller, editor-executivo do "New York Times", declarou: "Onde quer
que editores e publishers se encontrem, a atmosfera é funérea. Os editores perguntam "como você está?" naquele tom
que se usa com um amigo que
acaba de sair de uma desintoxicação ou um divórcio".
Seu discurso foi publicado no
site de seu anfitrião, o "Guardian", sob a manchete "Vivo
ainda". Ainda. Mas as tendências de circulação e publicidade, a ascensão da web, que faz o
jornal diário parecer lento e
lerdo, e o advento da Craigslist,
que está extinguindo os classificados, criaram uma sensação
palpável de fim iminente.
Nos últimos três anos, os jornais americanos independentes perderam 42% de seu valor
de mercado, segundo o empresário de mídia Alan Mutter.
Poucas companhias foram
tão punidas em Wall Street
quanto aquelas que ousaram
investir no ramo jornalístico. A
McClatchy Company, a única a
dar um lance pela cadeia
Knight Ridder quando ela foi a
leilão em 2005, perdeu 80% de
seu valor acionário desde que
concluiu a aquisição de US$ 6,5
bilhões. As ações da Lee Enterprises caíram 75% desde que
ela adquiriu a cadeia Pulitzer,
naquele mesmo ano.
As companhias jornalísticas
mais prezadas começaram, de
repente, a parecer um fardo
empresarial. Em vez de competir numa era de transformação,
as famílias que controlavam o
"Los Angeles Times" e o "Wall
Street Journal" venderam a
maior parte de suas ações.
A New York Times Company
viu suas ações caírem 54% desde 2004, em especial no último
ano; em fevereiro, o Deutsche
Bank recomendou que seus
clientes vendessem ações do
"New Tork Times". A Washington Post Company só evitou o mesmo destino ao se
apresentar como "empresa de
educação e comunicação"; seu
braço didático, a Kaplan, agora
responde por pelo menos metade do faturamento total.
Máquina de dinheiro
Até pouco tempo atrás, os
jornais estavam acostumados a
operar como monopólios de alta margem de lucro. Por muitas
décadas, publicar o jornal dominante -ou único- de uma
cidade dos EUA de porte médio
equivalia a deter uma licença
para imprimir dinheiro.
Mas na era da internet ainda
não apareceu ninguém com
uma solução para salvar o jornal, nos EUA e no mundo. Os
jornais criaram sites que se beneficiam da alta da publicidade
on-line, mas os valores vindos
dessa fonte não cobrem, nem
de longe, a perda de faturamento com a queda da circulação e
da publicidade impressa.
A maioria dos executivos reagiu ao colapso de seu modelo de
negócios com uma espiral de
cortes orçamentários, sucursais fechadas, fusões, demissões e reduções de formato e
entrelinha. De 1990 para cá, um
quarto dos empregos no ramo
jornalístico desapareceu.
A colunista Molly Ivins
[1944-2007] reclamava, antes
de morrer, da solução dada pelas companhias aos problema:
"Tornar o produto menor, inútil e desinteressante".
Talvez isso ajude a explicar
por que o número decrescente
de americanos que compram e
lêem jornais diários gasta cada
vez menos tempo com eles: a
média é inferior a 15 horas por
mês. E meros 19% dos americanos com idade entre 18 e 34
anos declaram consultar jornais diários. A idade média do
leitor de jornais é de 55 anos -e
a curva aponta para cima.
Artefato de museu?
Em "The Vanishing Newspaper" (2004), Philip Meyer arrisca a previsão de que o último
exemplar do último jornal aparecerá na porta de seu leitor em
algum dia de 2043. Talvez não
seja muito delicado lembrar
que essas declarações coincidem com a inauguração, neste
ano, do Newseum [museu de
notícias] de Washington, D.C.,
projeto de US$ 540 milhões.
Mas o fato é que, cada vez
mais, isso que Bill Keller chama
de "adorável e antiquado feixe
de tinta e celulose" começa a
parecer um artefato digno de
ser exposto num museu.
Quem vai tomando o lugar,
como se sabe, é a internet, que
está a ponto de ultrapassar os
jornais como fonte de informação política para os leitores
americanos -coisa que já aconteceu entre os jovens e os politicamente engajados. Já em
maio de 2004, os jornais ocupavam o último lugar entre as
fontes de notícia preferidas pelos leitores mais jovens.
Segundo o relatório "Abandoning the News" [Abandonando os Jornais], publicado
pela Carnegie Corporation,
39% dos entrevistados com
idade inferior a 35 anos acreditavam que, no futuro, usariam a
internet como fonte de informação. Apenas 8% disseram
que recorreriam a um jornal.
Há um elemento de injustiça
irônica no fato de que o leitor
que navega pela internet em
busca de notícias políticas muitas vezes acaba dando num site
que meramente reúne trabalho
jornalístico proveniente de um
jornal -embora esse fato não
será capaz de salvar os empregos ou aumentar as cotações do
ramo jornalístico.
Um dos aspectos mais significativos na transição dos jornais de papel para o mundo da
informação digital diz respeito
à própria natureza da "notícia".
O jornal norte-americano
(bem como os noticiários noturnos) dirige-se a um público
vasto, de opiniões e valores
conflitantes, fazendo apelo a
um ideal de objetividade.
Muitos jornais, no afã de demonstrar equilíbrio e imparcialidade, não permitem que
seus jornalistas exprimam suas
opiniões em público, participem de passeatas, trabalhem
em campanhas políticas, usem
broches políticos ou colem adesivos em seus carros.
Numa conversa particular,
jornalistas e editores podem
até admitir que a objetividade é
um ideal, mas, como membros
de uma fraternidade suscetível,
poucos dentre eles se permitiriam demonstrar em público o
menor laivo de parcialidade.
Os jornalistas preferem desdenhar a possibilidade de que
suas crenças pessoais possam
interferir em sua capacidade de
cobrir uma história com perfeito equilíbrio.
Nesse meio tempo, a confiança pública nos jornais vem
caindo vertiginosamente.
Um estudo recente da Universidade do Sagrado Coração
revelou que menos de 20% dos
americanos declararam acreditar "em todo ou quase todo" o
noticiário jornalístico -número que despencou 27% em apenas cinco anos.
"Menos de uma em cada cinco pessoas acredita no que lê na
imprensa", concluiu o relatório
"O Estado da Mídia" de 2007,
publicado pelo Projeto pela Excelência em Jornalismo. "A
CNN não goza de mais confiança que a Fox, a ABC ou a NBC. O
jornal local não é visto de modo
muito diferente que o "New
York Times"."
Quase 9
em cada 10 americanos declararam que a mídia tenta, de caso
pensado, influenciar políticas públicas
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Os americanos que acreditam em discos voadores ou em
alguma teoria da conspiração
em torno do 11 de Setembro são
muito mais numerosos do que
aqueles que acreditam na noção de uma imprensa imparcial, que dirá "objetiva".
Quase 9 em cada 10 americanos declararam ao estudo da
Universidade do Sagrado Coração que a mídia tenta, de caso
pensado, influenciar políticas
públicas.
Não menos alarmante é a rápida transformação que se deu
no entendimento e na demanda do público por "notícias".
Reinvenção
Em abril de 2005, numa palestra diante da Sociedade
Americana de Editores de Jornal, dois anos antes da aquisição, por US$ 5 bilhões, da Dow
Jones & Co. e do "Wall Street
Journal", Rupert Murdoch advertiu os principais editores e
publishers do ramo jornalístico: tinham chegado ao fim os
dias em que "as notícias e a informação eram firmemente
controladas por uns poucos
editores, que decidiam o que
podíamos e devíamos saber".
Ninguém mais aceitaria essa
"figura divina", que apresentava
as notícias como quem revela o
Evangelho. Os consumidores
de hoje querem "notícias no calor da hora, atualizadas constantemente. Querem um ponto
de vista, não apenas sobre o que
aconteceu, mas também sobre
as razões pelas quais aconteceu. Finalmente, querem poder
usar essa informação em comunidades mais vastas -querem discutir, debater, questionar e até mesmo encontrar pessoas que pensam o mundo de
modo semelhante ou diverso".
Um mês depois da palestra
de Murdoch, um mestre em
computação, Jonah Peretti, e
um ex-executivo da AOL, Kenneth Lerer, se juntaram à ubíqua comentadora-candidata-ativista Arianna Huffington para lançar um novo site, que batizaram de Huffington Post.
Concebido inicialmente como alternativa liberal [nos
EUA, sinônimo de esquerda] ao
Drudge Report, o Huffington
Post começou reunindo noticiário e fofoca sobre política, ao
mesmo tempo em que organizava um blog com colunistas
arregimentados no rol preocupantemente vasto de amigos e
conexões de Huffington.
Quase por acaso, os proprietários do Huffington Post descobriram uma fórmula que capitalizava sobre os problemas
do jornalismo impresso na era
da internet, e agora estão convencidos de que estão prontos
para reinventar o jornalismo
norte-americano.
"Logo vimos que a chave para
a empresa consistia não em
imitar o Drudge", rememora
Lerer, "mas em tirar vantagem
de nossa comunidade. A chave
consistia em pensar sobre o que
estávamos fazendo do ponto de
vista dessa comunidade".
No Huffington Post, explica
Peretti, a notícia não é uma coisa que se entrega de cima para
baixo, mas algo que é "compartilhado entre o produtor e o
consumidor".
Fazendo eco a Murdoch, ele
diz que a internet oferece ao
editor uma "informação imediata" sobre quais matérias interessam ao leitores, suscitam
comentários, são enviadas a
amigos e geram mais pesquisas
nos sites de busca. Um site de
notícias, segundo Peretti, tem
"uma vida que seria impossível
à base de papel e tinta".
O Huffington tem uma equipe de jornalismo (diminuta,
mas há esperanças de expandi-la no futuro), a maioria das matérias provêm de outras fontes,
impressas, televisivas ou particulares -a câmera ou o celular
de alguém. Os editores criam
links para o que lhes parece ser
a melhor matéria sobre um determinado tópico e lhes dão
uma manchete chamativa e de
viés liberal, seguida de um espaço aberto para comentários
dos leitores.
Ao redor dos artigos noticiosos, encontram-se as postagens
muito veementes de uma hoste
de blogueiros célebres (Nora
Ephron, Larry David) ou nem
tanto -mais de 1.800. Os blogueiros não são remunerados.
O efeito final pode parecer
caótico e confuso, mas, segundo Lerer, "esse modo de pensar
e apresentar a notícia é tão
transformador quanto foi a
CNN, 30 anos atrás".
Arianna Huffington e seus
sócios acreditam que esse modelo aponta para o futuro da indústria jornalística. "Todo
mundo fala da morte dos jornais, como se fosse um caso encerrado. Eu acho isso ridículo",
diz ela. "A mídia tradicional só
precisa perceber que a palavra
digital não é o inimigo. Na verdade, é a palavra digital que vai
salvar os jornais, contanto que
eles a adotem de verdade."
Tese discutível
Parece uma ambição quase
risível, partindo de uma empresa com apenas 46 empregados
em tempo integral, muitos dos
quais mal têm idade para alugar
um carro. Mas, com US$ 11 milhões à sua disposição, o site
chega a arrecadar entre US$ 6
milhões e US$ 10 milhões por
ano. O que mais impressiona os
anunciantes -e deprime os
executivos de jornais- são os
números da expansão do site.
Nos últimos 30 dias, graças,
em parte, às primárias democratas, as visitas saltaram para
mais de 11 milhões, segundo a
empresa. E, segundo as estimativas da Nielsen NetRatings e
da comScore, o Huffington
Post só perde em popularidade
para oito sites de jornais, subindo da 16ª posição que ocupava
em dezembro passado.
Mas a idéia de que o Huffington Post possa competir com
(ou substituir) os melhores jornais tradicionais é discutível
sob outros aspectos ainda. As
fontes de reportagem original
do site são minúsculas. Não há
cobertura constante de esportes ou livros, e a seção de entretenimento é um amontoado de
fofoca virtual sem nenhum trabalho de verificação.
E, por mais que o Huffington
Post tenha conquistado espaço
como lugar em que políticos
progressistas e vultos liberais
de Hollywood publicam seus
sentimentos anti-Bush, muitas
das postagens publicadas não
merecem o esforço de um simples clique com o mouse.
As esquisitices não param
por aí. Enquanto um jornal tende a afiançar o que publica por
conta de um processo editorial
em que jornalistas e editores
devem checar suas fontes antes
de publicar uma matéria, a blogosfera depende de seus leitores -de sua comunidade-
exercerem algum controle de
qualidade.
No Huffington Post, explica
Peretti, os editores "assinam
embaixo da primeira página" e
dão o melhor de si para assegurar que apenas blogueiros e
fontes confiáveis sejam postadas ali. Mas a maior parte das
postagens é veiculada antes
que qualquer editor tenha tempo de vê-las. Os editores só intervêm se algum leitor julgar
que uma postagem qualquer é
falsa, difamatória ou ofensiva.
Os processos editoriais do
Huffington Post baseiam-se no
que Peretti chama "estratégia
"mullet'" ("negócios na frente,
festa nos fundos", como quer
seu site BuzzFeed) (1).
"A onda é a do conteúdo gerado pelo próprio usuário, mas a
maior parte desse conteúdo
não vale nada", diz Peretti.
A "estratégia "mullet'" convida o usuário a "discutir e deblaterar nas páginas secundárias,
enquanto editores profissionais cuidam da primeira página. Essa estratégia veio para ficar, porque o melhor meio de
aumentar a visitação é deixar
que os usuários tenham controle, enquanto o melhor meio
de aumentar a publicidade é
manter uma primeira página
limpa e bonita, onde o anunciante pode admirar a marca de
sua empresa".
Essa estratégia não é livre de
problemas. Durante a crise do
furacão Katrina, o ativista Randall Robinson postou relatos de
New Orleans segundo os quais
havia "pessoas comendo cadáveres para sobreviver".
Quando Arianna Huffington
ficou sabendo da postagem, entrou em contato com Robinson
e descobriu que ele não tinha
como comprovar suas fantasias. Huffington então pediu
que Robinson postasse um pedido de desculpas. A rapidez
com que a correção foi feita foi
admirável, mas não o suficiente
para impedir que a informação
incorreta fosse repetida em outros lugares.
As tensões entre os líderes da
mídia tradicional e os desafios
da internet foram prenunciados por um dos debates intelectuais mais instrutivos e acalorados nos EUA do século 20.
Entre 1920 e 1925, o jovem
Walter Lippmann publicou
três livros que investigavam a
relação entre democracia e imprensa, entre eles "Public Opinion" [Opinião Pública", 1922],
que está na origem da profissão
de relações públicas e do campo acadêmico de estudo da mídia. Lippmann identificou uma
lacuna fundamental entre o
que naturalmente esperamos
da democracia e o que sabemos
sobre as pessoas.
A teoria da democracia supõe
cidadãos bem informados sobre as pautas públicas e sobre
os indivíduos que se candidatam a conduzi-las. E, por mais
que esse fosse o caso entre os
cidadãos brancos e proprietários na Boston de Benjamin
Franklin, a sociedade capitalista contemporânea era grande e
complexa demais, na visão de
Lippmann, para que eventos
decisivos pudessem ser entendidos pelo cidadão comum.
O jornalismo funciona bem,
segundo Lippmann, quando se
trata de "relatar o resultado de
um jogo ou o sucesso de um vôo
transatlântico ou a morte de
um monarca".
Mas, quando a situação se
complica, "por exemplo, quando se trata do êxito de uma dada
política ou da situação social de
um país estrangeiro, isto é,
quando a resposta não é apenas
um sim ou um não, mas sutil e
dependente de dados confiáveis", o jornalismo "se torna
fonte de todo tipo de confusão,
de mal-entendido ou de simples distorção".
Elitista confesso
Lippmann comparava o
americano médio -o "outsider", como ele o chamava- a
um "espectador surdo na última fileira" de um evento esportivo: "Não sabe o que está acontecendo, por que está acontecendo, o que deveria acontecer" e vive "num mundo que
não tem como ver, entender ou
dirigir".
Numa descrição que só pode
soar familiar a quem assiste canais de TV a cabo ou escuta
programas de debate no rádio,
Lippmann julgava que o público "demora a se excitar e não
tarda em se distrair [...] e só tem
interesse por acontecimentos
dramatizados na forma de um
conflito".
Elitista confesso, Lippmann
não via nada de chocante nessas conclusões. Não se espera
do cidadão médio que seja
fluente em física de partículas
ou em pós-estruturalismo; então por que deveria entender a
política do Congresso ou do
Oriente Médio?
Para Lippmann, a melhor solução consistia, essencialmente, em jogar a democracia no lixo. Justificou suas opiniões
afirmando que só os resultados
interessavam.
Mesmo supondo que as pessoas viessem a ser bem informadas a ponto de poderem se
governar sabiamente, "é mais
que duvidoso que a maioria se
desse a esse trabalho".
Em sua primeira abordagem
da questão, em "Liberty and
the News" [Liberdade e Notícia, 1920], Lippmann sugeriu
que se elevasse o lugar do jornalismo entre as profissões
mais respeitadas.
Dois anos depois, em "Opinião Pública", concluiu que o
jornalismo jamais poderia resolver o problema com "meros
30 minutos de ação num dia de
24 horas". Numa das fórmulas
mais estranhas de sua longa
carreira, Lippmann propôs que
se constituíssem "agências de
inteligência" com livre acesso a
toda informação necessária a
controlar as ações do governo,
sem fazer muito caso de preferências democráticas ou debates públicos.
Lippmann jamais chegou a
explicar qual seria o papel do
público nesse processo.
O filósofo John Dewey considerou "Opinião Pública" "um
dos ataques mais poderosos à
democracia" e passou bons cinco anos tentando enfrentá-lo.
O resultado, publicado em
1927, foi um livro muito tendencioso, denso e importante,
"The Public and Its Problems"
[O Público e Seus Problemas].
Dewey não contestou as afirmações de Lippmann sobre as
falhas do jornalismo ou sobre a
manipulação do público.
Mas Dewey achava que o remédio de Lippmann era pior
que a doença. Para Dewey, a
opinião pública não era apenas
uma soma de opiniões individuais, como numa votação, mas
um foro de discussões.
Para ele, o fundamento da
democracia estava menos na
informação do que na conversação, e membros de uma sociedade democrática precisavam cultivar o que James W.
Carey, estudioso do debate,
chamou de "hábitos vitais" da
democracia -a capacidade de
deliberar e debater perspectivas rumo a um consenso.
Dewey criticou também a
confiança de Lippmann em elites baseadas no acesso à informação: "Uma classe de
especialistas distante dos interesses comuns logo se torna
uma classe com interesses próprios e informação privilegiada. [...] O dono do sapato é
quem sabe onde o sapato aperta, por mais que o sapateiro seja
a pessoa mais indicada para resolver o problema".
Lippmann e Dewey dedicaram boa parte de suas vidas a
tratar dos problemas que diagnosticaram: Lippmann como o
tecnocrata arquetípico e Dewey como o profeta da educação democrática. Se é que se
pode falar de um vencedor, o fato é que o futuro foi se aproximando do ideal de Lippmann.
O jornalismo
de verdade, em especial o investigativo, é caro; compilação
e opinião são baratos
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Interesse público
A história da imprensa americana rumou exatamente para
o tipo de profissionalização que
Lippmann advogava. Nos anos
em que Lippmann escrevia,
muitos jornais continuavam
presos ao modelo partidário
dos séculos 18 e 19 (basta pensar em Thomas Jefferson e Alexander Hamilton duelando por
meio de seus respectivos jornais enquanto serviam no governo de George Washington).
O modelo do século 20, em
que os jornais lutam por ter independência política e tentam
atuar como árbitros em prol do
interesse público estava apenas
nascendo.
À medida que a profissão ganhava sofisticação e respeito,
em parte devido ao exemplo de
Lippmann, os melhores jornalistas, apresentadores e editores foram assumindo lugares
comparáveis socialmente aos
de senadores, ministros e executivos. Ao mesmo tempo, e
conforme o que Dewey previra,
esses mesmos personagens vieram a se identificar mais com
seus assuntos do que com seus
públicos.
Deixando de lado as eleições,
a política veio a se parecer mais
e mais com um negócio para especialistas e um espetáculo para os ignaros -exatamente como Lippmann queria e Dewey
temia. Exceção feita às "cartas
ao editor", o papel do leitor se
tornou puramente passivo.
O primeiro desafio ao modelo de Lippmann veio da direita.
Muitos conservadores suspeitavam do esquerdismo da grande mídia, supostamente incapaz de cobrir com imparcialidade assuntos como o movimento pelos direitos civis ou a
campanha presidencial de
Barry Goldwater.
A reação veio na forma de
"think tanks" e veículos de mídia destinados a desafiar e contornar a grande mídia.
A vitória de Ronald Reagan
não dependeu apenas do apelo
pessoal do candidato, mas de
um longo trabalho ideológico
conduzido em revistas como a
"National Review", de William
F. Buckley Jr., e a "Commentary", de Norman Podhoretz,
bem como nas páginas editoriais do "Wall Street Journal",
editadas ao longo de três décadas por Robert Bartley.
A ascensão do que seria conhecido como o contra-establishment conservador pode
ser entendido nos termos de
uma comunidade deweyana
tentando tomar as rédeas da
autoridade democrática das
mãos de uma elite a la Lippmann.
A versão à esquerda dessa comunidade demorou mais tempo a se formar, em parte porque
a esquerda levou mais tempo
para tomar distância da mídia.
Até o fim da década de 70,
boa parte da grande mídia de
fato dava mostras do "viés de
esquerda", que ainda incomoda
os conservadores.
Comunidades
Mas o esforço de recrutar
pessoal do contra-establishment conservador, combinado
ao investimento financeiro da
direita numa rede de "think
tanks", grupos de pressão, revistas, estações de rádio e redes
de TV exerceu sobre a grande
mídia uma espécie de atração
gravitacional rumo à direita,
que acabou criando um contexto simpático a candidatos conservadores com que Goldwater
jamais teria sonhado.
O nascimento da blogosfera
mais à esquerda, com sua capacidade de contornar as grandes
instituições da mídia, representa um retorno do desafio
deweyano a nossa compreensão lippmanniana do que seja
ou não seja "notícia" e pode parecer um renascimento da noção de discurso democrático
cultivada pelo filósofo.
A internet constitui uma plataforma que permite a criação
de comunidades -a distribuição é barata, rápida e eficiente.
O velho modelo democrático
supunha uma nação de cidades
ianques povoadas por fazendeiros de boa índole e boa informação. Graças à internet, todos
podemos participar de um debate deweyano sobre presidentes, políticas e propostas. Basta
ter uma conexão decente.
Sem investigação
O Huffington Post conquistou lugar ao sol no verão e no
outono de 2005, quando Arianna Huffington atacou as reportagens de política militar e estrangeira de Judith Miller para
o "New York Times", valendo-se de todo tipo de fontes.
O Huffington Post certamente não foi o primeiro site a se
valer de informações dos leitores para atacar a grande mídia.
Por exemplo, blogueiros conservadores em sites como Little
Green Footballs deleitaram-se
em derrubar Dan Rather depois que este veiculou documentos dúbios, que supostamente provavam o tratamento
especial oferecido a George W.
Bush quando servia a Guarda
Nacional no Texas.
Jornalistas mais tradicionais
tendem a não se impressionar
com o estilo de reportagem
praticados pelos blogs. O jornalismo de verdade, em especial o
investigativo, é caro, não cansam de lembrar; compilação e
opinião são baratos.
E é verdade: não há nenhum
site que gaste o que os melhores
jornais gastam em suas reportagens. Com todos os cortes, o
"New York Times" conserva
1.200 pessoas na Redação -50
vezes mais que o Huffington
Post.
O "Washington Post" e o
"Los Angeles Times" têm 800 e
900 empregados editoriais,
respectivamente. A sucursal do
"New York Times" em Bagdá
custa US$ 3 milhões anuais. O
Huffington Post se beneficia
desse investimento, mas não
carrega nenhum dos custos. É
difícil imaginar blogueiros com
a experiência, por exemplo, de
Barton Gellman e Dana Priest,
do "Post", ou de Dexter Filkins
e Alissa Rubin, do "Times".
Em outubro de 2005, numa
conferência em Phoenix, Bill
Keller reclamou dos blogueiros
que apenas "mastigam e reciclam notícias", em contraste
com o "jornalismo de verificação" do "Times".
"Os blogueiros não mastigam
notícias, eles cospem notícias",
protestou Arianna Huffington
numa postagem em seu blog.
Como muitos blogueiros de
esquerda, ela se irrita com a
idéia de que a imprensa tradicional é superior à blogosfera
quando se trata de publicar a
verdade mais dolorida.
Nos momentos finais rumo à
Guerra do Iraque, por exemplo,
"toda a grande imprensa, incluindo o "Times", perdeu todo
o seu verniz de confiabilidade
absoluta, ao mesmo tempo em
que se tornava claro que as novas mídias mereciam confiança
dos leitores e espectadores -na
medida em que se corrigem
com muito mais rapidez que os
velhos veículos".
Mas Huffington não tem o
que dizer sobre a relação parasitária que quase todos os sites
mantêm com o jornalismo impresso.
Há um ano, o Huffington
Post fez um gesto na direção de
um trabalho de reportagem
mais original e profissional ao
contratar Thomas Edsall, veterano de 40 anos no "Washington Post" e em outros jornais.
Quando recebeu a proposta do
Huffington Post, Edsall sentiu
que o "Washington Post" se
deixava mais e mais "mover pelo medo -da queda da circulação, da perda de anunciantes,
dos lucros em queda, da ameaça da internet, da irrelevância".
"O medo levou o jornal a corromper o trabalho de reportagem." Mas exemplos como o de
Edsall ainda são raros.
Assim, por mais que se simpatize com os ataques de Huffington ao "Times" e com as críticas de Edsall ao "Post", é impossível não se preocupar com
o que será feito das notícias e da
democracia quando não houver mais jornais que invistam
seus recursos e seu orgulho
profissional na tarefa de trazer
a nós, mesmo que imperfeitamente, a informação que precisamos ter.
Num episódio recente dos
"Simpsons", uma versão cartunizada do jornalista Dan
Rather abria um debate com
"Ron Lehar, jornalista do
"Washington Post'", ao que
Nelson, antípoda de Bart, gritava: "Haha! A sua mídia está
morrendo!".
"Nelson!", advertia Skinner.
"Mas está mesmo!", replicava o rapaz.
Nelson está certo. Os jornais estão morrendo, e o futuro que se anuncia assim é
complicado. Há três anos, Rupert Murdoch advertia: "Fomos incrivelmente complacentes, esperando que a tal da
revolução digital fosse passar
ao largo".
Hoje, todos os jornais sérios estão fazendo o que podem para se adaptar. Alguns,
como o "Times" e o "Post",
provavelmente sobreviverão
a esse momento de transformação tecnológica, cortando
pessoal e aumentando sua
presença on-line. Outros vão
tentar nichos locais. Os editores dizem que agora "sacaram
a coisa".
Mas os jornalistas tradicionais, à maneira de Lippmann,
tendem a desdenhar tanto as
críticas dos blogueiros como
também o fermento democrático de que essas críticas
provêm.
Há pouco, o "Chicago Tribune" decidiu fechar os canais de comentário on-line
nas matérias de cunho político. Seu editor, Timothy J.
McNulty, queixou-se, não
sem razão, de que os canais de
comentário começavam a parecer "uma comunidade de
extremistas destemperados".
Arianna Huffington, por
sua vez, acredita que os modelos vão acabar por convergir, à medida que os dólares
da publicidade continuem a
migrar para a esfera on-line:
"O HuffPost vai gerar mais e
mais reportagem original, enquanto o "Times" e o "Post" vão
continuar a seguir o modelo
de hoje, mas cada vez mais
on-line".
Por sua vez, os grandes jornais que sobreviverem não
poderão desdenhar o apoio
do terceiro setor. O Instituto
ProPublica, financiado pelos
bilionários liberais Herb e
Marion Sandler e dirigido pelo ex-editor do "Wall Street
Journal" Paul Steiger, quer
propiciar à grande mídia o tipo de jornalismo investigativo que hoje parece em via de
abandono por muitos jornais.
O Centro para a Mídia Independente, liderado por David Bennahum, ex-colaborador da "Wired", há pouco
contratou Jefferson Morley,
do "Washington Post", e Allison Silver, do "Los Angeles
Times" e do "New York Times", para dirigir o site "The
Washington Independent".
Mas imaginar que a filantropia poderá preencher todas as
lacunas geradas pelos cortes
de pessoal é puro "pensamento positivo".
Estamos no umbral de um
mundo de notícias caótico e
fraturado, caracterizado por
mais diálogo e menos jornalismo de primeira qualidade.
A transformação dos jornais -de empresas dedicadas
à reportagem objetiva em feixes de comunidades engajadas com suas próprias "notícias"- significará a perda de
uma narrativa nacional em
torno de "fatos" consensuais.
As notícias irão inevitavelmente adquirir coloração
"azul" ou "vermelha". Antes
de Adolph Ochs assumir o
"New York Times" e publicar
seu famoso mote "sem medo
nem favor", a cena americana
era dominada por jornais partidários. E a cultura jornalística de muitas nações européias há tempos aceitou a noção de narrativas em competição, com jornais específicos
assumindo as visões de cada
facção. Talvez não seja por
acaso que muitos desses países têm um nível de participação política superior ao dos
EUA.
Mas a transformação há de
gerar sérias perdas. Os jornais
ajudaram a definir o sentido
dos EUA para seus cidadãos.
Para escolher uma data ao
acaso, na manhã de 11 de fevereiro eu fui buscar a versão
impressa do "Times" na porta
de casa e, além das notícias
que eu poderia encontrar em
qualquer lugar -Obama vencendo Hillary de novo, e
George W. Bush tentando
condenar à morte seis prisioneiros de Guantánamo-, a
primeira página trazia uma
combinação única de artigos
e matérias que, sem uma instituição que as gerasse e publicasse, jamais fariam parte
de nossa consciência coletiva:
uma reportagem de Nairóbi,
por Jeffrey Gettleman, sobre
o impacto da violência étnica
no Quênia na classe média local; uma nota de Doha, por
Tamar Lewin, sobre o avanço
das universidades americanas no Qatar; e, num furo que
o Huffington Post depois viria a reproduzir, uma matéria
de Michael R. Gordon sobre
um estudo da Corporação
Rand que criticava a atuação
de Bush no Iraque.
Comunidade imaginada
A justaposição desses tópicos díspares forma um terreno comum a todos os leitores
do jornal e uma imagem do
mundo que todos habitam.
Em seu livro "Comunidades Imaginadas" [recém-lançado no Brasil pela Cia. das
Letras], de 1983, o cientista
político Benedict Anderson
recorda a comparação hegeliana do ritual de leitura do
jornal à prece matutina: "Cada qual sabe que a mesma cerimônia é repetida simultaneamente por milhares ou
milhões de outros, em cuja
existência confiamos, mas sobre cuja identidade não fazemos a menor idéia".
Ao menos em parte, é a "comunidade imaginada" do jornal diário que forja as nações
em que vivemos.
Por fim, vale pensar naquelas pessoas, aqui ou longe daqui, que dependem do esforço
jornalístico para escapar de
várias formas de tortura,
opressão e injustiça.
"As pessoas fazem coisas
terríveis umas com as outras", diz o veterano fotógrafo
George Guthrie na peça
"Night and Day", de Tom
Stoppard. "Mas a coisa piora
quando todo mundo está no
escuro." Desde que o "New
England Courant" de Franklin começou a circular, o jornal diário fez mais do que
qualquer outro veículo para
produzir a informação de que
a nação tanto precisa para
não "ficar no escuro".
A internet conseguirá lançar a mesma "luz" sem os
exércitos de jornalistas e fotógrafos que os jornais tradicionalmente empregaram? É
uma questão que talvez os democratas mais ardentes não
queiram responder.
Nota
1. "Mullet" significa "tainha", "salmonete",
mas também um estilo de corte de cabelo,
curto e comportado na frente, em cima e nos
lados, mas comprido atrás. De onde vem a explicação que está no texto, do próprio autor:
"Negócio na frente, festa nos fundos".
ERIC ALTERMAN é jornalista norte-americano, colunista da "The Nation" e professor na
Universidade da Cidade de Nova York.
A íntegra deste texto foi publicada originalmente na "New Yorker", em 31/3.
Tradução de Samuel Titan Jr.
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