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A cidade luz
JORNALISTA QUE VIVEU NA ALEMANHA ORIENTAL RELATA AS DIFERENÇAS ENTRE OS DIÁRIOS DAS 2 PARTES DE BERLIM E DIZ QUE A IDEALIZAÇÃO OCORRIA EM AMBOS OS LADOS DO MURO
GRIT EGGERICHS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE COLÔNIA (ALEMANHA)
Berlim Ocidental tinha cheiro de "frutas exóticas", lembra
a jornalista Jutta
Voigt, que nasceu
em 1941 na então capital da
Alemanha e vivenciou os dois
lados da cidade antes de o muro começar a ser erguido, 20
anos depois.
Ganhadora, em 2000, do
prêmio Theodor-Wolff, um
dos mais respeitados da Alemanha em sua área, Voigt lembra que ficou feliz com a construção do muro. Para ela, então, os ocidentais se aproveitavam da fronteira aberta para se
valer do câmbio mais forte e
comprar tudo mais barato do
lado oriental -"iam até ao cabeleireiro".
Voigt trabalhava como repórter e crítica de cinema no
"Sonntag", jornal semanal editado pelo Kulturbund, associação cultural da Alemanha
Oriental [RDA].
Depois da unificação, foi redatora do "Freitag", do "Wochenpost" e colunista do diário
"Die Zeit". Acaba de lançar "Im
Osten Geht die Sonne auf - Berichte aus Anderen Zeiten" (O
Sol Nasce no Leste -Relatos de
Outros Tempos, Be.Bra Verlag,
224 págs., °16,90, R$°44), com
artigos e reportagens sobre a
Alemanha dividida.
Na entrevista abaixo, ela
também fala da diferença entre
os jornalismos que se praticavam dos dois lados do muro.
FOLHA - Antes de 13 de agosto de
1961, a fronteira entre as Alemanhas era permeável. Como a sra. viveu essa experiência?
JUTTA VOIGT - De minha casa,
descendo uma rua, eu já estava
em Berlim Ocidental. Achava
muito chique ir ao cinema e aos
clubes de jazz de lá. Os funcionários da área de cultura na
RDA não gostavam de jazz, por
isso não era tocado no leste.
O oeste cheirava diferente, a
frutas exóticas -laranjas, por
exemplo, que não tínhamos.
Nas excursões para lá, não
podíamos comprar muito, porque cinco marcos do leste só
valiam um marco do oeste.
O que comprava lá, quando
era garota, eram caramelos em
máquinas, por dois centavos.
Mas as "seduções" do capitalismo não me punham em perigo,
pois minha família acreditava
no socialismo -e eu também.
FOLHA - Em 1961 a sra. tinha 20
anos e estudava filosofia. Sentiu-se
infeliz quando o muro começou a
ser construído?
VOIGT - Pelo contrário! Como
muitos intelectuais e artistas,
vibrei com a construção do muro. Hoje quase ninguém admite
que fez isso naquele tempo.
Mas é verdade! Pensava que
o muro afastaria os berlinenses
ocidentais que vinham aqui,
para trocar um marco ocidental por cinco orientais. Compravam tudo mais barato e iam
até ao cabeleireiro daqui.
A propaganda [do regime alemão oriental] nos falava de
enroladores e agiotas que entravam aqui para tirar proveito
da fronteira aberta. Eu e meus
colegas achávamos que somente sem essas interferências seria possível montar um socialismo de verdade. E achávamos
que, cinco anos após a construção, ele seria dispensável.
FOLHA - O que mudou nas cabeças
dos alemães orientais quando ficaram isolados do oeste?
VOIGT - Eles criaram um oeste
na imaginação, um mundo de
coisas maravilhosas que não tinham preço. Ainda que assistissem à TV alemã ocidental,
não queriam perceber. Só tinham olhos para o paraíso de
uma imaginação infantil.
FOLHA - O que aconteceu com o
paraíso quando o muro caiu?
VOIGT - No início era euforia
pura. O que aconteceu em 9 de
novembro de 1989 já foi descrito como "loucura!". A longo
prazo, o paraíso estava perdido,
mas os orientais, ingênuos, ficaram zangados por isso.
Mas até hoje os orientais estão corrigindo e redesenhando
a imagem do oeste. Tiveram
que aprender que as coisas maravilhosas tinham preços. E
muitos não conseguiam pagar.
FOLHA - Hoje o paraíso se deslocou
do oeste para o leste e da imaginação para o passado? A RDA, vista hoje, tem algo de paradisíaco?
VOIGT - Quando foi a pique, a
RDA ainda não era totalmente
podre, de modo que hoje podemos enfeitá-la, na memória.
Mas os ocidentais também têm
nostalgia, e pensam que tudo
era melhor antes da unificação.
Mas não é da RDA real que os
orientais têm saudade. As pessoas sabem que esse tipo de socialismo era do gênero diletante. Mas, hoje, quem não tem
trabalho, quem não sabe como
ganhar a vida, tem saudade da
segurança social da RDA.
FOLHA - A sra. era crítica de cinema
na RDA...
VOIGT - Sim, mas no fundo sou
jornalista. Trabalhava no
"Sonntag" [Domingo], um jornal não partidário, editado por
uma associação de cultura e
bastante liberal.
Porém não deveríamos descrever a realidade como ela era,
mas, sim, como deveria ser. E
isso, para uma repórter, é impossível. Então me refugiava na
crítica de cinema.
FOLHA - Após a queda do muro, o
"Sonntag" virou "Freitag" [Sexta-Feira], em que predominavam notícias do dia a dia e análises da sociedade. Essa combinação era típica do
jornalismo da Alemanha Oriental?
VOIGT - Sim, cultivávamos isso
na RDA. Era necessário descrever as coisas sem os funcionários da censura perceberem
que se tratava de uma crítica ao
sistema. Por isso desenvolvemos uma forma suave de crítica, um jornalismo literário.
FOLHA - Na redação do "Freitag"
colaboravam ocidentais e orientais.
Quais eram as diferenças entre eles?
VOIGT - Para fundar o "Freitag", o "Sonntag" fundiu-se
com um jornal ocidental de esquerda. Mas os redatores de lá
eram ideólogos-chefes! Tinham mais ideologia do que capacidade de redação. Tínhamos
que ensiná-los a escrever. Era
uma situação excepcional, pois
em geral eram os ocidentais
que ensinavam os orientais.
FOLHA - Quais eram as maiores diferenças entre jornalistas de um lado e de outro do muro?
VOIGT - No leste, os editores
eram funcionários do partido,
sem formação ou talento jornalístico. Eu admirava os editores
do oeste por nunca terem dúvidas sobre a própria capacidade.
Eram rápidos e eficientes -e
digo isso num sentido positivo.
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