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Com a descoberta de um número cada vez maior de planetas ao longo dos
últimos anos, a tarefa que agora recai sobre os astrônomos é a de decifrar
como esses astros nascem, com que frequência eles aparecem e quais são os
tipos mais frequentes
Zoológico de planetas
Salvador Nogueira
da Reportagem Local
Bons tempos aqueles, em que as estrelas eram
apenas estrelas, planetas eram planetas, e Lua, só
havia uma -a nossa. Os astros eram apenas
pontos de luz dançando no firmamento. Simples assim, até surgir Galileu Galilei (1564-1642) e sua luneta. Júpiter ganhou luas, Vênus ganhou fases, a Lua ganhou crateras, e o Sol ganhou manchas. E esse foi só o
começo. O Sistema Solar ganhou mais três planetas (ou
seriam dois?), visíveis apenas ao telescópio, um cinturão de asteróides, planetas rochosos, gigantes gasosos,
anéis planetários, celeiros de cometas. Um zoológico.
Isso para não falar de Isaac Newton (1643-1727). Descobriu que a luz pode ser dividida numa miríade de cores -seus componentes- por um prisma, o que por
sua vez revelou, junto com as versões cada vez maiores e
mais desengonçadas do brinquedo do velho Galileu,
que estrelas não eram só estrelas -elas existiam em vários tipos, ficavam a distâncias diferentes, formavam
agrupamentos e galáxias. Nasciam e morriam. Segundo
Albert Einstein (1879-1955), até sumiam -uma confusão. E a surpresa: o Sol era apenas mais uma delas.
Tudo bem, sempre houve visionários como Giordano
Bruno (1548-1600), para quem cada estrela era um sol,
com seus planetas ao redor (e foi queimado por isso pela Inquisição). A partir de 1995, porém, essa heresia
também ganhou ares de realidade. Cientistas detectaram traços indiscutíveis de um planeta girando em torno de uma outra estrela que não o Sol. Oito anos depois,
mais um zoológico astronômico está pronto para desafiar a criatividade dos cientistas: são mais de cem os planetas já descobertos fora do Sistema Solar. Novos planetas já não impressionam mais. Os astrônomos os
anunciam às dúzias. O desafio agora é pôr a casa em ordem -pegar esses planetas e finalmente responder como eles surgem e que possíveis sistemas eles compõem.
A tarefa é bem mais difícil que a confrontada por Aristóteles, Ptolomeu e seus companheiros "sem-telescópio" de milênios atrás. Também é mais empolgante.
Massa crítica
"Estão sendo encontrados cada vez
mais planetas, e isso permite que façamos as primeiras
análises estatísticas", afirma Nuno Santos, astrônomo
do Observatório Astronômico de Lisboa e primeiro autor de um estudo cuja categoria promete ser cada vez
mais comum e interessante nos próximos anos. O título: "Propriedades estatísticas de exoplanetas". Em resumo, Santos escolheu cerca de 50 estrelas com planetas e
tentou ver que tipo de estrela forma qual categoria de
planeta. Os números ainda são pequenos para fazer
grandes correlações, mas de cara já se percebe que os
cientistas parecem estar certos num de seus palpites:
quanto mais elementos metálicos existem numa estrela,
maior a chance de ela abrigar planetas. E quanto mais
metal a estrela tem, mais maciços são os planetas.
Estrelas são basicamente bolas gigantescas de hidrogênio e hélio -os elementos químicos mais leves e simples que existem. Por conta da enorme pressão exercida
pela gravidade, os átomos de hidrogênio grudam uns
nos outros, formando hélio. No fim da vida da estrela,
quando o hidrogênio já não é suficiente para alimentar
o processo de fusão, o astro começa a fundir hélio e gerar outros elementos mais pesados. Quando não há
mais o que fundir, ela explode suas camadas exteriores,
espalhando esses átomos pelo espaço. As próximas gerações de estrelas acabam "herdando" esse material, e
por isso cada uma tem uma certa porção de metais.
A má notícia é que o Sol é uma estrela relativamente
pobre em elementos metálicos, se comparado às estrelas em que são encontradas a maior parte dos planetas
-o que talvez colabore para a idéia de que o Sistema
Solar é um exemplar relativamente raro.
"No momento o Sol está fora do padrão", diz Santos,
"mas ainda faltam exemplos para apoiar a idéia de que
o sistema é raro." Ele prefere pensar diferente. "O fato
de que planetas se formam muito facilmente, e é isso
que nossas observações sugerem, aponta que pode haver muitos planetas como os do Sistema Solar."
É claro que o principal motivo pelo qual queremos ver
outros sistemas planetários como o nosso é pela possibilidade de ele abrigar outros planetas como a Terra
-de preferência com vida. Um outro estudo estatístico
recentemente concluído analisa especificamente essas
possibilidades. A dupla Kristen Menou e Serge Tabachnik, da Universidade de Princeton (EUA), elegeu nada
menos que 85 estrelas e avaliou a chance de haver órbitas estáveis para planetas como a Terra na zona habitável dos sistemas (onde a temperatura é tal que água,
composto essencial à vida, pode permanecer líquida na
superfície do astro).
Os resultados, publicados na revista especializada
"The Astrophysical Journal", trazem uma boa e uma
má notícia. De todos os sistemas, um em cada quatro
tem possíveis órbitas estáveis para planetas terrestres na
zona habitável. A má notícia é que a maioria desses sistemas é composta pelos tipos mais exóticos de planeta,
aqueles gigantes colados à estrela. Os cientistas acham
que esses planetas gigantes nasceram longe da estrela e,
com o tempo, migraram para perto, arrasando tudo pelo caminho, inclusive potenciais Terras.
A migração de planetas é mais uma novidade oferecida pelas recentes descobertas extra-solares. "Há várias
coisas que precisamos repensar com relação às teorias
de formação planetária. Elas funcionavam muito bem
para o Sistema Solar, mas não falavam de várias coisas
que observamos em outros sistemas", diz Santos. "Não
falavam de migração, não falavam de interações entre
planetas. São perguntas que temos de responder agora.
Por que Júpiter não migrou para perto do Sol?"
Explicação
O estudo estatístico de Santos aponta
uma direção. "Há algumas pistas de que talvez a migração esteja ligada à massa do planeta -quanto maior a
massa, maior a chance de migrar", diz o pesquisador,
antecipando resultados de um segundo estudo, já submetido à revista "Astronomy & Astrophysics", a mesma que publicou os primeiros resultados da análise estatística dos exoplanetas.
De toda forma, as respostas ainda estão todas lá fora.
O que os astrônomos precisam fazer é o que eles têm
feito desde sempre -observar. É o que pretendem os
colegas de Santos no Observatório de Genebra, na Suíça. Eles são o segundo time mais forte na busca de planetas extra-solares, atrás apenas do grupo da Instituição Carnegie de Washington (EUA), liderado por Paul
Butler e Geoffrey Marcy. "Nós estamos com cerca de 50
planetas descobertos, e eles estão um pouco à nossa
frente. Mas talvez não por muito tempo", diz Santos.
O trunfo da equipe de Genebra é um novo equipamento, chamado Harps, que deve dar uma resolução
nunca antes disponível a nenhum grupo de pesquisa
para um telescópio do ESO (Observatório Europeu do
Sul), localizado no Chile. "O sistema está sendo instalado neste momento", conta o astrônomo. "Ele poderá
encontrar planetas bem menores, abaixo da massa de
Saturno e talvez perto da massa de Urano."
Uma Terra ainda teria uma massa bem menor que essa e talvez nem seja detectável pelos métodos atuais.
Mas a multiplicação de sistemas planetários conhecidos
já deve pelo menos ajudar a definir em quais estrelas
planetas similares ao nosso podem ao menos ter uma
chance de existir. "Esse não é o objetivo da pesquisa. O
que queremos realmente é entender como se formam
os planetas", diz Santos. Apesar disso, o pesquisador
não se entristece com o efeito colateral que suas observações com a equipe de Genebra podem um dia produzir. "Toda a gente tem o sonho de descobrir uma Terra."
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