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São Paulo, domingo, 09 de fevereiro de 2003

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Com a descoberta de um número cada vez maior de planetas ao longo dos últimos anos, a tarefa que agora recai sobre os astrônomos é a de decifrar como esses astros nascem, com que frequência eles aparecem e quais são os tipos mais frequentes

Zoológico de planetas

Salvador Nogueira
da Reportagem Local

Bons tempos aqueles, em que as estrelas eram apenas estrelas, planetas eram planetas, e Lua, só havia uma -a nossa. Os astros eram apenas pontos de luz dançando no firmamento. Simples assim, até surgir Galileu Galilei (1564-1642) e sua luneta. Júpiter ganhou luas, Vênus ganhou fases, a Lua ganhou crateras, e o Sol ganhou manchas. E esse foi só o começo. O Sistema Solar ganhou mais três planetas (ou seriam dois?), visíveis apenas ao telescópio, um cinturão de asteróides, planetas rochosos, gigantes gasosos, anéis planetários, celeiros de cometas. Um zoológico. Isso para não falar de Isaac Newton (1643-1727). Descobriu que a luz pode ser dividida numa miríade de cores -seus componentes- por um prisma, o que por sua vez revelou, junto com as versões cada vez maiores e mais desengonçadas do brinquedo do velho Galileu, que estrelas não eram só estrelas -elas existiam em vários tipos, ficavam a distâncias diferentes, formavam agrupamentos e galáxias. Nasciam e morriam. Segundo Albert Einstein (1879-1955), até sumiam -uma confusão. E a surpresa: o Sol era apenas mais uma delas. Tudo bem, sempre houve visionários como Giordano Bruno (1548-1600), para quem cada estrela era um sol, com seus planetas ao redor (e foi queimado por isso pela Inquisição). A partir de 1995, porém, essa heresia também ganhou ares de realidade. Cientistas detectaram traços indiscutíveis de um planeta girando em torno de uma outra estrela que não o Sol. Oito anos depois, mais um zoológico astronômico está pronto para desafiar a criatividade dos cientistas: são mais de cem os planetas já descobertos fora do Sistema Solar. Novos planetas já não impressionam mais. Os astrônomos os anunciam às dúzias. O desafio agora é pôr a casa em ordem -pegar esses planetas e finalmente responder como eles surgem e que possíveis sistemas eles compõem. A tarefa é bem mais difícil que a confrontada por Aristóteles, Ptolomeu e seus companheiros "sem-telescópio" de milênios atrás. Também é mais empolgante.

Massa crítica
"Estão sendo encontrados cada vez mais planetas, e isso permite que façamos as primeiras análises estatísticas", afirma Nuno Santos, astrônomo do Observatório Astronômico de Lisboa e primeiro autor de um estudo cuja categoria promete ser cada vez mais comum e interessante nos próximos anos. O título: "Propriedades estatísticas de exoplanetas". Em resumo, Santos escolheu cerca de 50 estrelas com planetas e tentou ver que tipo de estrela forma qual categoria de planeta. Os números ainda são pequenos para fazer grandes correlações, mas de cara já se percebe que os cientistas parecem estar certos num de seus palpites: quanto mais elementos metálicos existem numa estrela, maior a chance de ela abrigar planetas. E quanto mais metal a estrela tem, mais maciços são os planetas.
Estrelas são basicamente bolas gigantescas de hidrogênio e hélio -os elementos químicos mais leves e simples que existem. Por conta da enorme pressão exercida pela gravidade, os átomos de hidrogênio grudam uns nos outros, formando hélio. No fim da vida da estrela, quando o hidrogênio já não é suficiente para alimentar o processo de fusão, o astro começa a fundir hélio e gerar outros elementos mais pesados. Quando não há mais o que fundir, ela explode suas camadas exteriores, espalhando esses átomos pelo espaço. As próximas gerações de estrelas acabam "herdando" esse material, e por isso cada uma tem uma certa porção de metais.
A má notícia é que o Sol é uma estrela relativamente pobre em elementos metálicos, se comparado às estrelas em que são encontradas a maior parte dos planetas -o que talvez colabore para a idéia de que o Sistema Solar é um exemplar relativamente raro.
"No momento o Sol está fora do padrão", diz Santos, "mas ainda faltam exemplos para apoiar a idéia de que o sistema é raro." Ele prefere pensar diferente. "O fato de que planetas se formam muito facilmente, e é isso que nossas observações sugerem, aponta que pode haver muitos planetas como os do Sistema Solar." É claro que o principal motivo pelo qual queremos ver outros sistemas planetários como o nosso é pela possibilidade de ele abrigar outros planetas como a Terra -de preferência com vida. Um outro estudo estatístico recentemente concluído analisa especificamente essas possibilidades. A dupla Kristen Menou e Serge Tabachnik, da Universidade de Princeton (EUA), elegeu nada menos que 85 estrelas e avaliou a chance de haver órbitas estáveis para planetas como a Terra na zona habitável dos sistemas (onde a temperatura é tal que água, composto essencial à vida, pode permanecer líquida na superfície do astro). Os resultados, publicados na revista especializada "The Astrophysical Journal", trazem uma boa e uma má notícia. De todos os sistemas, um em cada quatro tem possíveis órbitas estáveis para planetas terrestres na zona habitável. A má notícia é que a maioria desses sistemas é composta pelos tipos mais exóticos de planeta, aqueles gigantes colados à estrela. Os cientistas acham que esses planetas gigantes nasceram longe da estrela e, com o tempo, migraram para perto, arrasando tudo pelo caminho, inclusive potenciais Terras. A migração de planetas é mais uma novidade oferecida pelas recentes descobertas extra-solares. "Há várias coisas que precisamos repensar com relação às teorias de formação planetária. Elas funcionavam muito bem para o Sistema Solar, mas não falavam de várias coisas que observamos em outros sistemas", diz Santos. "Não falavam de migração, não falavam de interações entre planetas. São perguntas que temos de responder agora. Por que Júpiter não migrou para perto do Sol?"

Explicação
O estudo estatístico de Santos aponta uma direção. "Há algumas pistas de que talvez a migração esteja ligada à massa do planeta -quanto maior a massa, maior a chance de migrar", diz o pesquisador, antecipando resultados de um segundo estudo, já submetido à revista "Astronomy & Astrophysics", a mesma que publicou os primeiros resultados da análise estatística dos exoplanetas.
De toda forma, as respostas ainda estão todas lá fora. O que os astrônomos precisam fazer é o que eles têm feito desde sempre -observar. É o que pretendem os colegas de Santos no Observatório de Genebra, na Suíça. Eles são o segundo time mais forte na busca de planetas extra-solares, atrás apenas do grupo da Instituição Carnegie de Washington (EUA), liderado por Paul Butler e Geoffrey Marcy. "Nós estamos com cerca de 50 planetas descobertos, e eles estão um pouco à nossa frente. Mas talvez não por muito tempo", diz Santos.
O trunfo da equipe de Genebra é um novo equipamento, chamado Harps, que deve dar uma resolução nunca antes disponível a nenhum grupo de pesquisa para um telescópio do ESO (Observatório Europeu do Sul), localizado no Chile. "O sistema está sendo instalado neste momento", conta o astrônomo. "Ele poderá encontrar planetas bem menores, abaixo da massa de Saturno e talvez perto da massa de Urano."
Uma Terra ainda teria uma massa bem menor que essa e talvez nem seja detectável pelos métodos atuais. Mas a multiplicação de sistemas planetários conhecidos já deve pelo menos ajudar a definir em quais estrelas planetas similares ao nosso podem ao menos ter uma chance de existir. "Esse não é o objetivo da pesquisa. O que queremos realmente é entender como se formam os planetas", diz Santos. Apesar disso, o pesquisador não se entristece com o efeito colateral que suas observações com a equipe de Genebra podem um dia produzir. "Toda a gente tem o sonho de descobrir uma Terra."


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