São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Quero ser grande

EM "CONTINENTE ESQUECIDO", MICHAEL REID PROPÕE RAZÕES MÚLTIPLAS PARA EXPLICAR ATRASO DA REGIÃO

DAVID GALLAGHER

Por que a América Latina foi um tal fracasso, quando comparada com os EUA ou o Canadá? Ao tentar responder a essa pergunta, "Forgotten Continent" [Continente Esquecido, Yale University Press, 384 págs., US$ 30, R$ 50], de Michael Reid, examina todas as explicações possíveis. Uma delas é a chamada teoria da dependência, desenvolvida por economistas na década de 1940, que culpa "a intervenção dos EUA e o papel subordinado da América Latina no mundo como exportadora de matérias-primas".
Depois, como explica Reid, existe a idéia de que a "América Latina foi condenada por sua cultura, particularmente a tradição ibérica e católica de organização social e pensamento político, que, afirma-se, é ao mesmo tempo anticapitalista e inimiga da democracia".
Reid também evoca a geografia difícil da região, seu sistema jurídico "barroco", a falta de instituições sólidas e sua profunda desigualdade, que vem do período colonial ou mesmo de antes: o Império Inca era rigidamente hierárquico.
Qual dessas explicações para o atraso da região Reid considera mais plausível? Sempre imparcial, ele diz que "é um erro buscar uma explicação única e abrangente para o fracasso da América Latina".
A verdadeira explicação será encontrada em uma mistura de todas as explicações, no que parece uma interminável "disputa entre modernizadores e reacionários, entre democratas e autoritários".

Pacto rompido
De modo geral, nos países bem-sucedidos ao redor do mundo, o eleitorado e os governos têm um contrato social implícito pelo qual nenhum governo fica obrigado a produzir benefícios, que, embora aparentemente desejáveis em curto prazo, venham futuramente a causar danos econômicos.
O pacto garante a governabilidade em longo prazo e o crescimento sustentável. No Chile e na Argentina ele foi rompido depois de 1930.
Nos últimos 25 anos ele foi restabelecido no Chile. Na Argentina, Néstor Kirchner e sua mulher Cristina, que o sucedeu, governam muito na tradição populista de seu mentor, Juan Domingo Perón.
Felizmente, hoje há um pacto implícito de governabilidade sustentável semelhante ao chileno implantado em países como México, Brasil e Colômbia.
Para onde vai a América Latina hoje? Reid analisa as tentativas de liberalização econômica que foram feitas sob o guarda-chuva do Consenso de Washington. Segundo este, as economias deveriam se abrir ao comércio mundial e submeter-se às forças do mercado, sob um regime legal que garantisse os direitos de propriedade. O papel do governo na alocação dos recursos produtivos deveria se reduzir ao mínimo.
Muitas dessas idéias foram aplicadas em vários países latino-americanos nos anos 1980 e 90, nem sempre com sucesso.
A economia argentina sofreu um colapso desastroso que levou à desvalorização, à profunda recessão e ao desemprego generalizado em 2001.
Reid está certo ao sugerir que as medidas do Consenso de Washington não são culpadas por essas crises. Ele acha que parte do problema foi que elas nem sempre foram implementadas ao mesmo tempo. Não se pode deixar apenas uma de fora, como fizeram os argentinos sob Carlos Meném, que privatizaram e abriram a economia, mas não praticaram a disciplina fiscal.
Também está certo ao afirmar que os governos deixaram de construir instituições fortes para amparar suas reformas.

Sonho bolivariano
Atualmente, Hugo Chávez financia governos populistas e anticapitalistas em toda a América Latina, e nenhum país está imune a sua influência. Com o sonho "bolivariano" de unir o continente sob sua égide, ele é o novo imperialista da região.
Na Venezuela, os principais beneficiários da "revolução bolivariana" são a própria megalomania de Chávez e os "boligarcas": empresários que lucram com as benesses de Chávez numa economia em que ele dá as cartas. Os pobres também se beneficiaram, mas seus benefícios não são sustentáveis.
A atual "batalha pela alma da América Latina" -subtítulo do livro- é travada entre os defensores de Chávez e os que preferem um modelo mais próximo do do Chile, Peru ou Brasil. Não há dúvida sobre qual desses modelos pode produzir sucesso em longo prazo.
No entanto, enquanto os petrodólares fluírem, Chávez conseguirá seduzir os latino-americanos à vontade.


DAVID GALLAGHER é autor de "Modern Latin American Literature". A íntegra deste texto saiu no "London Review of Books". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .


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